Capítulo Sem Nome Treze

 Desci as escadas saindo de um mundo que começava a fazer sentido e entrei em outro irracional. Estava perdido em pensamentos quando senti alguém segurar meu braço.

— Ei, York, tenho um plano genial! — era Ravi. Ele se inclinou mais do que o necessário para ser ouvido. — Eu vou passar supercola nas mãos e tentar me grudar no teto! — enquanto explicava, ele tentava dançar no ritmo da música, mas mais parecia um pato grudado em chiclete.

 Como ele havia ficado tão bêbado nos poucos minutos que o deixei?

— Pra quê você quer se grudar no teto?

— Eu não sei! Vou buscar a cola!

— Melhor não. Vamos para casa.

— O quê? Nem pensar!

— Onde está Eloise?

— Os pais descobriram a fuga e ela precisou voltar para casa. Por que não está se divertindo? York aburrido!

— Legal saber que você fala espanhol quando está bêbado, mas precisamos ir.

— Não seja otário. Vou buscar a cola.

 Mesmo sabendo que as chances daquilo dar errado eram do tamanho da Torre Eiffel, eu o deixei ir.

 Dei uma volta pela festa. O número de gente caída havia aumentado e o de vômito no jardim também. Fiquei de olho nas escadas para ver se a dona da casa reaparecia, mas não a vi descer. Ravi retornou com as mãos levantadas, como se estivesse detido.

— Estou pronto para o melhor momento da minha vida! — ele gritou.

— Cara, você não vai fazer isso.

— Por que não? Não tem como dar errado... — alguém esbarrou nele, jogando-o para frente. Eu o segurei antes que ele acabasse grudado em algo.

— Foi mal, meninas. — Zac disse parando a nossa frente. Luke Parker e Finn Evans em cada um de seus ombros. — Ei, o que você tem aí, Raviolli? — perguntou observando as mãos erguidas de Ravi.

 Raviolli? Parecia xingamento de jardim de infância.

— Por que vocês não vão esfregar a masculinidade de vocês uns nos outros? — Ravi gritou na cara deles. Ele era meio baixinho, então precisou se esticar bastante. — Ei, Finn, como vai as hemorróidas que o Terceiro Olho nos mostrou no mês passado?

— Ravi... — chamei, mas ele continuou.

— Zac, ouvi dizer que sua mãe queria tanto uma menina que você nasceu com uma deficiência no desenvolvimento do peruzinho.

 A gente ia apanhar. Muito.

— E Luke, o que é isso na sua boca? Também pegou herpes do Tyler?

 Como o álcool podia deixar alguém tão destemido, ou melhor, tão estúpido.

 Luke agarrou a frente da blusa de Ravi e o puxou para frente.

— Esperem, tenho uma ideia melhor. — Zac anunciou. Passou um braço pela cintura de Ravi e o levantou com facilidade, o colocando no ombro. Ravi se debateu, mas com medo de acabar grudado em Zac, evitava tocá-lo.

— Luke, pegue a supercola. — e, aumentando o tom de voz para todos ouvirem, continuou — Todo mundo para o jardim! — o pessoal gritou de volta, animado.

 Zac parou em frente a um bebedor para pássaros no jardim dos Green. A turma toda formou um círculo ao redor dos dois. Com a ajuda de Luke e Finn, Zac passou mais cola nas mãos de Ravi, depois as grudou na pedra, fazendo o indiano abraçar o bebedouro. O pessoal gritou e vaiou quando Ravi tentou se soltar, inutilmente. Eu abri caminho entre eles e me agachei ao lado de Ravi, tentando soltá-lo.

— Eu disse que isso não ia dar certo. — reclamei.

 Alguns dos caras me puxaram para trás.

— Já deu! Já fizeram a gracinha de vocês! — gritei, irritado.

— Não, não! Agora vem a melhor parte! — Zac anunciou. — Eu bebi muita cerveja, preciso me aliviar. — ele parou em frente ao bebedouro, no lado oposto ao de Ravi e afastou as pernas uma da outra.

— Merda. — soltei ao perceber o que ele ia fazer.

 Zac enfiou a mão dentro da calça e gritou:

— Banheiro comunitário!

 Zac parecia estar realmente bem cheio, porque o alívio em seu rosto não poderia ser falso e o jato de mijo durou um bom tempo. Ravi não sabia se tentava se soltar, se evitava que o líquido pingasse em seu rosto ou se tentava não olhar para o peruzinho com deficiência no desenvolvimento de Zac. Por fim, ele ficou vazio, mas uma fila se formou atrás dele para usar o banheiro comunitário. A cada cara que se aliviava, a multidão gritava enlouquecida, como se estivessem em um campeonato.

 Luke e Finn me seguravam pelos braços, me impedindo de fazer alguma coisa. Depois que cada membro masculino do Eureka secou, todos voltaram para dentro, restando apenas um bebedouro cheio de mijo, Ravi com ânsia de vômito e eu.

 Acordei atrasado.

 O barulho do carro dos meus pais entrando na garagem foi o que me arrancou do sono. Sentei atordoado. Tinha algo errado, eles chegavam do hospital vinte minutos antes das oito. Lembrei que meu celular havia descarregado noite passada, por isso não alarmou.

 Pulei de pé e vesti o mesmo jeans que havia usado na festa. Encontrei uma camisa debaixo da cama enquanto procurava meus sapatos e coloquei tudo. Peguei a mochila, saí pela janela e corri até a casa do Ravi. Foi a avó dele quem atendeu.

— Ravi não vai para a escola hoje, querido. Está doente.

— Doente?

— Sim, coitadinho. Chegou da sua casa com dor de cabeça, enjoo...

 Aquele indiano safado estava com uma bela de uma ressaca. E com muita vergonha por ter servido de enfeite para o banheiro comunitário.

— É melhor eu correr, então.

 Não havia tempo para arrastar Ravi para fora da cama.

 Ouvi o sinal tocando quando estava a alguns metros do colégio. Corri ainda mais rápido, sem parar nos armários, freei na porta da sala de inglês.

— Srt. Davis? — chamei, sem fôlego.

— Outra vez atrasado. — a professora acusou.

— Acordei tarde por ter ficado elaborando o melhor trabalho de inglês de toda minha vida.

 Algumas pessoas riram, certamente as que me viram na festa.

— É mesmo? — perguntou, cínica.

— Sim.

— Vamos ver no fim do semestre, não é?

— Você ficará surpresa.

— Entre e sente com Sophie, estamos trabalhando em duplas, hoje.

 Obedeci. Encontrei minha parceira na primeira mesa à esquerda. Deslizei para o lado dela.

— Olá. — ela cumprimentou, me lançando um olhar rápido.

— Oi.

— Muito bem, pessoal, a essa altura vocês já devem ter terminado o livro, ou deveriam. Quero que juntos, montem a árvore genealógica dos Earnshaw e dos Linton.

 Minha mão foi automaticamente para a mochila, mas lembrei que não havia parado no meu armário e estava sem minha cópia do livro.

— Hum... Estou sem o Morro. — confidenciei para minha parceira.

— Você já leu o livro, citou sua passagem preferida lá na frente, não precisa do exemplar. — ela me olhou com as sobrancelhas erguidas, um tanto divertida.

— Ah, é  claro. Eu monto a dos Earnshaw, então.

— As árvores se juntam quando Catherine se casa com Edgar, não lembra? Vamos usar apenas um papel. — ela começou a montar o trabalho. Eu podia ouvir ou alunos reclamarem e perguntarem uns aos outros os nomes dos personagens.

— Sophie?

 Ela ergueu o olhar direto para a srt. Davis, um segundo depois pareceu perceber algo, então virou para me olhar.

— Você me chamou de Sophie? — ela perguntou.

— É o seu nome, não é?

 Ela continuou a me olhar, tempo suficiente para eu baixar a cabeça.

— Você juntou esses dois nomes. — falei para ela parar de me encarar. Não havia lido o livro, mas sabia que Heathcliff e Linton eram dois personagens diferentes.

— Esse é o filho do Heathcliff e da Isabella Linton.

 Fiz uma careta para a falta de variedade de nomes naquele livro.

 Ainda meio desconcentrada, ela voltou para o trabalho.

— Sophie? — chamei novamente.

— Sim?

— Por que gosta tanto desse livro?

 Ela escreveu mais um nome antes de responder.

— Porque é um livro onde mostra que o amor pode ser destrutivo. Todos os outros retratam o amor como algo redentor, algo que às vezes é falso. Nesse livro o amor torna Heathcliff vingativo, Cathy não liga para o sentimento, apenas para o dinheiro, e Linton mostra como o amor pode deixar alguém idiota. As personagens são verdadeiras, retratadas como seres humanos cruéis ou não cruéis, ponto. Elas não oscilam na personalidade.

— E a sua passagem favorita? A que eu li há algumas aulas?

— Na verdade, eu tenho outra favorita agora. A que está destacada no meu livro. — um sorriso meio triste apareceu em seus lábios por um curto momento.

— Eu li.

— Essa passagem fura o que acabei de dizer. Nela, Heathcliff sofre verdadeiramente, sem maldade, sem vingança, sem ódio, apenas amor. E eu gosto de uma contradição.

 Puxei um pouco a memória para lembrar.

— Sem ódio? Ele amaldiçoa Catherine, que estava morta.

— Por amor. Amor doente e louco, mas amor no fim. Ele amaldiçoou o espírito dela para permanecer com ele. Heathcliff preferiu uma vida assombrada por Catherine do que uma vida sem ela.

— Ele era maluco. — constatei depois de pensar por um minuto.

— Mas e você? Por que é a sua preferida? — novamente ela lançou aquele olhar meio debochado. Comecei a desconfiar que ela sabia que eu nunca tinha lido o livro e estava jogando comigo. Mesmo assim dei de ombros e respondi.

— Apenas porque é.

 No fim da aula, Sophie me parou na saída.

— Na hora do almoço vou esperar você no ginásio para falar sobre o Teste Três.

 Eu vinha evitando Willow o máximo possível, o que foi fácil por ela estar brava comigo. Na aula de cálculo, percebi que a irritação havia passado, porque ela havia colocado seu boné da Nike guardando o lugar da frente para mim. Aquele sempre fora o sinal de quando ela estava a fim de dividir suas respostas comigo.

 Sentei na cadeira e coloquei o boné na cabeça, depois virei para olhá-la. Aqueles poucos dias sem contato me fizeram notar algumas coisas que eu provavelmente não notaria se nunca tivesse me afastado um pouco. Primeiro, e o mais inacreditável, Willow estava deixando o cabelo crescer. Eu quase poderia dizer que o corte passara do curto masculino para moderno feminino, quase. Notei também que ela usava uma pulseira delicada demais para entrar no estereótipo dos homens.

— Ouvi dizer que você estava na festa de Rhonda ontem. — Willow falou.

— Você guardou um lugar só para seguir com a discussão?

— Foi só um comentário, York.

 Eu a estudei, parecia realmente estar de boa.

 O sr. Harris entrou pedindo silêncio. Mandou eu guardar o boné e que formássemos duplas. Outro trabalho, ótimo. Já estava buscando um parceiro quando Willow arrastou sua mesa para o lado da minha.

 Passei o boné e ela o guardou na mochila. Pegamos nossos livros e começamos a trabalhar. Era estranho estar tão perto dela sabendo o que se passava comigo. Detalhes que antes eu não reparava agora me deixavam alerta. Ela estava verificando meus cálculos para ver se estavam certos ou para ficar mais perto de mim? Será que ela ficava me olhando quando eu estava com a cabeça baixa? Todos os esbarrões de braços eram acidentais ou uma forma de manter contato físico? As perguntas eram absurdas, mas estavam presentes.

 Eu sabia que tinha que falar com ela, enfrentar a situação, mas eu não tinha coragem. Não sabia se a ideia dela confessar seu amor e tentar me beijar me aterrorizava mais que a ideia dela me dar um soco típico de Willow por eu pensar aquilo.

 No fim da aula me escondi detrás de um grupinho de geeks e liguei para Ravi.

— Se você é um anjo da morte avisando que passará mais tarde para levar minha alma, peço que se apresse. — o indiano falou.

— Sinto muito, mas sou apenas um mortal. Mas se quiser posso chutar a bunda da sua alma para fora dessa cama.

— Por favor, York, diga que estou realmente doente, por isso tive alucinações ontem.

— Alucinações onde acabou colado em um bebedouro para pássaros cheio de mijo?

— Foi real, merda.

— Foi. Mas também foi real a parte que Eloise estranhamente foi atraída por sua pele dourada e ignorou sua cara.

— Isso é bom. Como conseguiu me desgrudar? Não lembro direito.

— Água quente e força braçal.

— Isso explica porque minhas mãos estão sem pele.

— Liguei para falar sobre Willow, não sei o que fazer.

— Não faça nada, deixe como está.

— Ela vai perceber que tem algo errado. Fico me afastando dela como se fosse passar uma doença contagiosa para mim.

— Qual o problema de uma garota gostar de você?

— O problema é que ela usa cueca.

— Você nem sabe se ela realmente usa. Acho que ela só comprava pra sair com você. Se esse é o problema, vá até a casa dela e espione a gaveta de calcinhas. Tire a dúvida. Problema resolvido.

— Não é apenas isso. Seria como sair com você.

— Só um minuto, preciso vomitar.

— Exatamente.

— Não é a mesma coisa, Willow não é homem. Ela é bonita e, cara, eu vi ela correndo de camiseta e moletom e... Bom.

— Você está dizendo para eu sair com ela?

— Seria uma boa. Sua paixão por Rhonda é doentia.

— Sem chance.

 Ravi suspirou.

— York, sinto que tenho um coro de igreja cantando I’m Gonna Let It Shine desafinadamente dentro da minha cabeça. Se você não vai ouvir meus conselhos, peço licença para voltar ao meu estado de sofrimento.

— Você é um péssimo amigo, sabia?

— Verdade, talvez eu nutra uma paixão avassaladora por você também.

— Espero que você se engasgue com o próprio vômito.

 Desliguei. Ravi era um babaca por não me ajudar. Me afastei dos geeks, passei pelo refeitório e entrei no ginásio. Meus passos ecoavam no espaço vazio e imenso.

— Rhonda? — chamei.

— Aqui.

 Guiado pela voz dela, a encontrei sentada no chão, entre uma parede e o armário onde o treinador guardava as bolas.

— Por que você tá aí?

— Porque os segredos precisam ficar em lugares pequenos, senão eles crescem e tentam nos dominar.

 Sentei de frente para ela, fora do esconderijo porque não me caberia ali.

— Você fica bonita no escuro.

— Claro, por que na luz sou a esposa do Corcunda de Notredame? — ela riu.

— Não foi o que eu quis dizer.

— E o que você quis dizer?

— Que seu cabelo parece estar quente quando está contra o fundo escuro. E seus olhos como os de um gato, verdes como se pudessem hipnotizar qualquer um que os olhasse por muito tempo.

 Ela pensou naquilo por um minuto e sorriu.

— Se acha que dizendo essas coisas vai fazer o Teste Três fácil, esqueça.

— Quão ruim?

 Em resposta, ela puxou uma folha de papel do bolso e me entregou.

— Você precisa providenciar isso aí para hoje à noite.

— Jaqueta de couro? Jeans escuro? Jujubas? Perai, identidade FALSA?!

— Não esqueça das jujubas.

— Por que vamos precisar de documentos FALSOS?!

— Porque com nossa idade VERDADEIRA não vão nos deixar entrar.

— Entrar onde?

— Surpresa!

— Ah não, não vou ser preso.

— Não vamos ser presos.

— Vamos usar documentos falsos, isso é crime.

— Crime como invadir o cemitério? Como circular álcool em festa de menores de vinte e um? Esse tipo de crime todo mundo comete, seus pais já cometeram, aposto.

— Rhonda...

— Vou buscar você às onze. Esteja pronto.

— Eu não vou.

— Aqui está o endereço para a documentação falsa. Vá depois da escola para ficar pronto até a noite. Leve cem dólares e alguns cigarros.

 Fiquei de pé e ela também.

— Dessa vez é sério, Rhonda, encontre outro teste.

 Ela me olhou por um minuto curiosa, então deu um passo para frente, restando uns três centímetros entre nossos corpos. Deslizou o papel dentro do meu bolso traseiro e manteve a mão ali por um segundo a mais que o necessário. Sem tirar os olhos dos meus, pegou minha mão direita e a senti traçar a linha já quase inexistente do ferimento. Sussurrou:

— Você prometeu ir até o fim.

 Depois se afastou, me deixando ali completamente sem ar.

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