DOZE

O episódio me rendeu uma luxação no braço, porque ele saiu do lugar. Enquanto recebia o diagnóstico, com minha mãe e Davis dentro do quarto, Steve e Catriel discutiam feio do lado de fora. Eu sabia que eles estavam pilhados por um erro de principiante custar tanto, já que faltavam menos de 3 meses para o início das corridas do Moto2 – e para todos, até aquele momento, eu não poderia correr mais naquele ano. 

Para Catriel, era absolutamente irreal terem me escolhido para testar a moto, já que eu era seu principal piloto. Para Steve, o problema não era apenas a moto e sim a pista que também precisava de manutenção, já que desde que eu fui realocado para Europa, eles nunca mais tinham feito as manutenções necessárias. 

O clima era de desespero, arrependimento e condenação. Eles não conseguiam chegar em uma conclusão e enquanto o médico conversava com meus pais, conseguia sentir, principalmente o maior problema de toda essa situação: o questionamento. Se eu não poderia correr para o Moto2 no ano seguinte, quem poderia? 

– Tenho chance de recuperação até fevereiro? – questiono, cortando o papo do médico com meus pais e ele me observa. 

– É claro, sempre tem. É atlético, não fuma, tem bom desempenho corporal. Bem, vai precisar realizar um trabalho bastante intensivo, na medida do possível, mas é possível sim. – o médico explica e vejo meus treinadores entrando no quarto depois disso. 

– Vou me recuperar, vou correr pelo Moto2 e ganhar esse ano e o seguinte. – respondo ao médico, enquanto sou fuzilado pelo olhar de todos que estavam no quarto. 

Catriel parece incomodado, porque em todos esses anos ao meu lado, ele nunca tinha me visto cair. Eu sabia que eles tinham um sentimento de culpa em relação ao que aconteceu, mas eu preferia enxergar esse momento como algo a ser superado do que uma derrota parcial. 

– Tem certeza? Não temos pretensão de desistir do seu contrato se não puder correr esse ano. Foi vítima de um erro nosso. – é o que Catriel pergunta, olhando em meus olhos e eu concordo com a cabeça. 

– Eu sei. Mas não posso perder um ano inteiro por causa de uma dorzinha de ombro. – sorrio para Steve, que confirma com a cabeça, rindo em seguida. – Não tenho medo de perdê-los, sei que não me colocariam na geladeira. Eu que não posso fazer isso comigo mesmo. 

– Eu não vou aguentar isso. – minha mãe protesta. – Não pode levar esse acontecimento como um motivo para parar? Para se dedicar em nossas empresas e viver a vida como uma pessoa normal? 

– Eu sou normal. – respondo e ela respira fundo, se apoiando na cama. – Mas não vou desistir. Talvez seja um defeito meu ser tão cabeça dura, mas nunca foi um defeito meu correr dos meus objetivos. – ela dá as costas, saindo do quarto em seguida, junto com Catriel, meu pai e o médico. 

Observo Steve, que se mantém apreensivo, assim como todos. Eu sabia que ele estava sentindo a pressão nas costas, por ter sido quem me escolheu para esse momento, mas sinceramente o que aconteceu não tinha como voltar atrás. 

– Tira esse fardo das costas, não gosto disso. – comento e ele me observa. 

– O que?

– Se aconteceu, era pra acontecer. Tira esse fardo das costas, Steve. Às vezes ter me acidentado aqui de forma branda, me protegeu de me acidentar lá de forma violenta. 

– Como consegue ficar em paz dessa forma? – ele pergunta e eu dou de ombros, pegando minha mochila. Minha mãe tinha trazido minhas roupas nela. 

– Sei lá, acho que é a certeza de que minha história não acaba aqui por conta de um detalhe. Essa queda vai me lembrar de visitar e conhecer todas as pistas daqui para frente. – sorrio com ele, que me segue, enquanto saio da sala em que estávamos. 

– Os seus colegas de equipe foram avisados, eles mandaram desejos de melhoras e que volte logo. É engraçado, mesmo sendo um cara completamente reservado, as pessoas realmente gostam de você. – Steve comenta e eu sorrio. 

– É, é porque sou político. Sei o que falar e a hora de falar. Deveria apreciar isso, Steve, já que agora aparentemente vou ter que te ajudar a não ser demitido. – comento, olhando nos olhos dele e começamos a rir em seguida, caminhando até a saída do hospital. 

Mesmo que tivesse brincado sobre isso, aconteceu de verdade. Naquele mesmo dia fui convocado para uma reunião em relação ao acontecimento, e me foi dito que caso eu me sentisse desconfortável em continuar trabalhando com Steve, poderia protestar sobre que me ouviriam. 

Reforcei que Steve cuidava de mim desde os meus 15 anos e que nada daquele tipo jamais tinha acontecido antes. Informei, ainda, que ele era um ótimo treinador assistente, que ajudava Catriel com fidelidade e que não permaneceria na equipe se Steve fosse prejudicado. Ele tinha sido escolhido a dedo pelo meu avô para me acompanhar e eu não aceitaria mudar isso. 

Steve estava presente, juntamente com Catriel, que não negou nenhum dos meus pontos. Quando saímos da reunião, Steve apenas me abraçou, sem dizer uma palavra sequer. Eu sabia que ele estava grato, mas era curioso ver como ele tinha dificuldade de expressar seus sentimentos – assim como eu. 

Quando Mike e Dorian souberam do meu pequeno incidente, foram me visitar, assim que cheguei em casa. Como agora eu ficaria mais tempo por ali, seria mais fácil me manter perto dos meus amigos... foi o que pensei, mas no começo de janeiro Wallace faleceu. De repente, toda a sensação de estar em casa se tornou uma constante sensação de volta até um trauma que pensei ter guardado no fundo do meu coração. 

Em seu velório, a mesma chuva que me acompanhou nos velório de meus avós, voltou a me cumprimentar. Me lembro de passar horas com Mike na chuva, observando a cerimônia, completamente em silêncio. Senti como se mais uma vez minha mente tivesse sido devastada pela sensação de perder uma rede de apoio. 

Sem tempo para chorar, no entanto, não demorou muito até que tivesse que começar minhas sessões de fisioterapia. Para que a vida não ficasse tão dolorida, equilibrei-as com saídas com Dorian, passeios com meus irmãos e acompanhei minha mãe em jantares de negócios – por conta da participação dela no lançamento da nova coleção da joalheria dos pais de Dorian. Em praticamente todos esses jantares Dorian e eu dávamos um jeito de fugirmos um pouco. 

Mesmo que eu estivesse apreensivo sobre meu futuro no mundo das corridas, pelo menos tinha tempo para me distrair com outras coisas. No começo, a fisioterapia parecia dolorida o suficiente para me fazer pensar em desistir. Ao fechar meus olhos dia a pós dia, no entanto, me lembrava do olhar orgulhoso de Wallace com minha vitória e todas as conversas que tivemos semanas antes de seu falecimento. 

O tom de voz que ele me tratou quando cheguei em dezembro lembrou tanto o de meu avô, que não tive coragem de cogitar a desistência, nem por um segundo sequer após perceber isso. A cada dia que se passava eu sentia como se meu corpo tentasse reagir ao que estava sendo proposto e me dedicar totalmente a cada sessão fez uma diferença perceptível. 

Incontáveis noites acordei com uma dor incômoda, que só passava, quando estava com Dorian – porque ele fazia uma massagem, para aliviar. Me flagrei diversas vezes, em banho, questionando sobre o caminho que estava seguindo e me perguntando se valeria a pena. Ao mesmo tempo, no entanto, cobrava minha equipe de fisioterapeutas que aumentassem a frequência do tratamento.

Dorian me acompanhou em praticamente todas as minhas sessões de fisioterapia e continuava sendo um porto seguro pra mim, mesmo depois do nosso término de alguns meses. Quando voltei, era como se pra ele nada tivesse mudado – e isso me assustava um pouco, porque eu sabia que ele merecia muito mais do que estava recebendo. Além disso, ele ainda não fazia ideia de que eu estava treinando tanto, para conseguir me recuperar até março – talvez se soubesse, não estaria tão presente. 

Já Mike, assumiu a oficina de seu avô. Ele parecia sobrecarregado em relação a isso, por esse motivo passei a frequentar o local para dar apoio moral – já que não conseguiria ajudar ele com nenhum tipo de atividade. 

– Administrar esse lugar é difícil. Meu avô cuidava de todas as contas e de repente eu não posso, sequer, perguntar o que fazer. – comenta e eu sorrio. 

– Você consegue. – ele me observa. – Enquanto ele estava hospitalizado, você cuidou desse lugar muito bem. Conseguiu fazer ótimas reformas, captou novos clientes, fez uma rede social forte e popular... – olho ao redor. – Nasceu pra isso. Sabe gerir pessoas. 

– Para com isso. – ele protesta e eu sorrio. – Eu te entendo, sabia? A dor parece não passar. Aconteceu há algumas semanas, mas as ferramentas dele estão no mesmo lugar, desde quando ele foi pra Europa te acompanhar. O cheiro dele ainda está no macacão que ele usava... o celular permanece com as mesmas chamadas perdidas. – me aproximo de Mike. 

– Vai continuar doendo por muito tempo. Todas as vezes que entrar aqui, vai se lembrar dele. Esse aqui era o sonho de vocês dois e acredite, eu sei o que é compartilhar o sonho com o avô e ver isso se tornar uma dor. Mas é nesse momento que você vai perceber que vocês tinham realmente o mesmo sonho. – digo e Mike confirma com a cabeça, fazendo com que uma lágrima escape de seu olho. 

Abro meus braços e nos abraçamos pela primeira vez em muito tempo. Mike não gostava de muito contato físico, porque ele se lembrava de sua avó que tinha falecido quando ele era criança. 

Ela gostava muito de abraçá-lo, fazer cócegas e dar beijos no rosto – era muito amorosa não só com ele, como com todos que a conheciam. Mike, após seu falecimento se distanciou tanto de contatos físicos que evitava até mesmo ficar com as pessoas. Bem, não posso julgar o processo do luto de alguém, mas ficava feliz de ver que ele confiava o suficiente em mim para aceitar meu ato de amorosidade. 

– E o Dorian? Sabe que vai voltar pra Europa pra correr o próximo campeonato? – pergunta, assim que nos soltamos e ele volta a fazer a manutenção que estava terminando. 

– Não faz ideia. Ele acha que estou indo no ritmo normal de fisioterapia... – Mike me observa brevemente. – Eu sei que vai ser a gota d'agua pra ele. 

– É egoísmo não contar. – ele informa algo que eu já sabia e eu dou de ombros. 

– É. Acho que esse é, definitivamente, meu maior defeito. – meus olhos marejam. – Ele tinha me dito que queria me aproveitar ao máximo antes do término, então eu fico pensando que estou fazendo algo por ele também, quando sei que a verdade é outra completamente diferente. 

– Considere falar. – Mike pede e eu confirmo com a cabeça. – Como se sente com isso? 

– Eu queria muito poder ficar com ele. Poder trazer ele comigo, ser feliz ao lado dele, mas ele não vai largar o osso e eu também não. Somos pessoas certas em locais e tempos errados. – explico, tentando controlar minha emoção. 

– Nunca tinha te visto chorar de paixão por alguém antes. – sorrio. – Realmente, quem diria que você seria um gayzão desses. 

– Vai se lascar. – começamos a rir. 

– Admiro isso em você. – Mike respira fundo. – Mesmo com as limitações, você deu a chance para viver algo tão significativo. Eu não tenho essa coragem. Sou covarde ao ponto de aceitar que não quero me relacionar com ninguém. 

– Mas pode mudar isso quando quiser. É bonito, inteligente, tem seu próprio negócio... – ele dá de ombros. 

– Tenho tudo que consigo administrar com destreza, Jensen. Tudo que tenho é seguro, mas você teve coragem de realmente arriscar em algo. Sabe quantas pessoas tem sua coragem? Vai machucar, mas você foi. Vai dar errado, mas você foi, amou tanto alguém a ponto de chorar pela falta que essa pessoa vai fazer na sua vida... isso é memorável. Ensine isso ao Tyler, ensine ele a não entrar em conflito quando se sentir apaixonado, mesmo que seja por um cara. Ele vai ser eternamente grato a você. – Mike fala e eu mantenho meus olhos nele por alguns segundos. – É inspirador. – confirmo com a cabeça. 

Naquela semana minhas atividades continuaram as mesmas – muita fisioterapia, reuniões com minha equipe e compromissos familiares. Mesmo que eu não pudesse correr, ainda podia pilotar minha moto pessoal – a Ducati que eu tanto sentia falta quando estava na Europa. Desse modo, Tyler aproveitou minha permanência para me pedir diversos favores. Aceitei todos, mas ensinei a ele que sempre me pagasse um tanque cheio e um lanche quando precisasse de mim. 

Na primeira vez ele até que reclamou, alegando que eu era muito mais rico que ele – já que, segundo ele, não passava de um herdeiro menor de idade. Eu concordava com isso, de fato eu era muito mais rico que ele naquele momento, mas meu irmão precisava entender que as coisas tinham que ser recíprocas. Ninguém devia nada a ele e às vezes o tempo de alguém precisava ser recompensado. 

– Como soube que queria pilotar? – ele me pergunta, enquanto lanchamos. Naquele dia Tyler tinha me chamado para comprar alguns equipamentos para seu treino de futebol americano. 

– Nasci pilotando. – rimos. – É sério, nosso avô me colocou nisso antes que eu conseguisse caminhar direito e assim foi. 

– Sim, eu sei. Mas como soube que queria pilotar? Sem a parte de ser condicionado a isso. Sempre ouviu falar que tinha que herdar as empresas da família em algum momento, mas negou, porque não queria. Então qual é a diferença? 

– Quando caí a primeira vez, a mamãe queria que eu parasse. Ela e o vovô discutiram feio, ele disse que era assim mesmo e que todas as vezes que eu caísse, bastava que eu soubesse como fazer para não me machucar. E aí ela disse que não era um pedido, que ela era a mãe, minha responsável e que não autorizaria mais aquilo. – respiro fundo. – E aí eu pedi ao nosso avô, então, que aceitasse se tornar meu responsável, porque eu não queria parar. 

– O que a mamãe disse? 

– Que se eu morresse, o sangue estaria nas mãos dele. E então eu olhei pra ela e disse "eu amo pilotar, como você ama ser minha mãe. É essencial pra mim. Se tornou uma parte de mim". – os olhos de Tyler marejam por alguns segundos e ele fica pensativo. – Mas certamente eu não amaria, se não tivesse sido guiado a encontrar isso. 

– É por isso que insiste tanto com essas besteiras de quebra cabeça pra mim? – sorrio, concordando. 

– É claro, o único problema é que você é resistente. Realmente é preguiçoso, tenho até medo que use o que eu te ensinei sobre não ouvir as pessoas, para ser ainda mais preguiçoso. Se me ouvisse, se seguisse o que tento te direcionar, não ficaria tão incomodado. – protesto. 

– Incomodado? 

– É. Te estudo durante toda a sua vida, Tyler, é visível como você fica incomodado em não ter uma "vocação". Acontece que você tem uma, mas ignora isso com todas as forças, porque te tira da sua zona de conforto. – digo e ele termina de tomar seu refrigerante. – Tento te direcionar, assim como fui direcionado.

– Mas você foi direcionado pra uma coisa irada. Ser piloto é incrível, eu não quero ser o inteligente que fica dentro de uma sala lendo coisas de inteligente. – ele rebate. 

– O que? Os trabalhos que usam a cabeça são os melhores. 

– Por quê? 

– Porque nem todo mundo que quer, pode fazer. Você nasceu com uma mente de titânio. Tudo que eu tento te ensinar, só preciso ensinar uma vez. Precisa começar a usar sua inteligência. – ressalto, terminando de tomar meu refrigerante em seguida. 

Minhas sessões de fisioterapia seguiram quase que diariamente. Aos poucos as dores começaram a diminuir e mesmo que esse processo ainda fosse delicado, minha equipe se mantinha empenhada nisso. Atividades que antes demandavam muito incômodo começavam a se tornar corriqueiras novamente, posições e movimentos também.  

Nas minhas redes sociais, centenas de pessoas estavam constantemente online, acompanhando minha melhora. Desde que tinha sido anunciado sobre meu acidente, o público do Moto2 vinha se perguntando se eu me recuperaria a tempo de ter uma boa corrida. Acompanhava os noticiários sobre o campeonato, que deixavam claro a indecisão sobre o tema, o que não me alegrava muito – eles pareciam não acreditar muito em mim. 

Para tentar abafar isso, minha equipe acabou por assumir uma posição ativa nas minhas redes sociais, mostrando meu dia a dia com a recuperação – como se fosse um diário. Meus patrocinadores pareciam gostar disso, principalmente porque me tornava mais "humano" para aqueles que acompanhavam os campeonatos. 

Fora que como estava em uma zona que me sentia relativamente confortável, eu conseguia ser mais alegre com meu público. Quando precisava dar alguma entrevista sobre minha recuperação, tentava arrancar risadas dos repórteres e diminuir o drama em cima desse tema. Acontece que uma coisa seria um tanto quando inevitável: um conflito com Dorian sobre minha volta. 

No final de janeiro, enfim tivemos que ter nossa conversa sobre isso. E aconteceu justamente quando eu estava em sua casa, após transarmos. Dorian estava deitado no meu peito, como sempre, passando a ponta de seus dedos pela minha pele. Assisti aquilo por algum tempo, até tomar coragem. Não tinha mais como escapar desse conflito. 

– Volto para a Europa no começo de fevereiro. – digo a Dorian, que me observa. 

– Ainda não está totalmente recuperado, sente dores. – ele protesta, sentando-se na cama e eu desvio o olhar dele por alguns segundos, pensando em como conseguiria continuar com aquela conversa. 

– Não posso perder o começo da temporada. – é o que consigo dizer e ele parece ficar desacreditado. 

– Claro que pode. – rebate. – É a sua saúde, não pode colocar moto acima de absolutamente tudo em sua vida, Jensen. Se não tiver saúde, isso pode te prejudicar nas suas próximas corridas. O que é perder apenas um ano? 

–Bem, não sei se percebeu, mas moto está acima de tudo em minha vida há um tempo e perder um ano é importante demais pra alguém que está em transição de campeonato. Eu sou importante demais pra ficar com minha bunda sentada em uma cadeira. Tenho dores, mas os médicos disseram que a lesão se recuperou, agora só preciso tratar o pós. – me sento na cama. 

O olhar de Dorian era afiado, me cortava durante todo o tempo em que estava direcionado a mim. Ele estava bem irritado e não conseguia disfarçar isso.

– Até mesmo se eu te disser que se for, mesmo machucado, dessa vez não tem volta? – Dorian pergunta, sério, olhando em meus olhos. – Eu amo você, Jensen. Eu sou completamente apaixonado por você. E exatamente por esse motivo não vou aguentar te ver definhar pelo seu sonho. Sei que precisa correr e se esforçar o dobro por não ser Espanhol... sei que precisa de pontuação pra alcançar o MotoGP antes dos 22, como quer, sei que precisa de muitas coisas. Mas pra tudo isso, precisa de saúde. E eu não vou assistir isso de camarote, enquanto sei a realidade. 

– Então é aqui que seguimos caminhos diferentes. – é o que respondo, vendo os olhos dele se encherem. – É o melhor para nós dois, porque não deixo de pilotar, a menos que morra. 

– É. Porque você me ama, mas ama moto muito mais. Não é? – confirmo com a cabeça, em silêncio. – Saiba apenas que poderíamos ter construído algo muito maior aqui. Mas amor sem dedicação é corroído pelo tempo. Quer dizer, você sabe disso. É por isso que se dedica tanto pela sua carreira... deixa pra lá. Quem sabe quando se aposentar. – ele me lança um sorriso de lado, frouxo, levantando-se da cama em seguida.

– Você é uma pessoa muito especial. Precisa buscar alguém que te o máximo que pode oferecer, porque o mínimo não supre sua grandeza. – é o que falo, me levantando. 

Ele não me olhou enquanto eu me vestia, sequer se despediu e após eu colocar minhas roupas e pegar minhas coisas, caminhei lentamente até a saída.  Quando a porta bateu atrás de mim, senti como se tivesse levado um soco no estômago. Desci as escadas de sua casa com o coração apertado, me despedi de seus pais como se tudo estivesse sob controle e fui para minha casa. 

Apenas quando me sentei em minha cama e as lágrimas começam a sair compulsivamente de meus olhos. Passei a mão no rosto, encharcando-a, sem entender como não conseguia ter controle do meu próprio corpo. A dor que senti naquele momento estremeceu tanto a minha carne, que parecia ser física, como se agulhas me espetassem. 

Um arrepio subiu pela minha espinha, enquanto a dor no estômago tomava conta do meu tórax, alterando meu ritmo respiratório. Tentei evitar de fazer qualquer barulho, para não chamar atenção das pessoas que trabalhavam em casa, mas me forçar a tentar ter controle da dor que sentia foi a pior coisa que poderia fazer comigo. 

Poucos dias após nosso término, chegou o dia de ir embora dos Estados Unidos, dessa vez sem uma data certa pra retornar. Me despedi dos meus irmãos na noite anterior ao meu voo, com um  jantar, porque minha mãe me levaria para o aeroporto de madrugada e quando chegamos no aeroporto, Dorian estava ali, para minha surpresa.

Minha mãe nos deu licença e assim que a perdemos de vista, ele me beijou. Por incrível que pareça esse foi o beijo mais dolorido e gostoso de toda a minha existência. Nós dois choramos enquanto nos beijávamos. Sabíamos que a partir dali não teria volta. 

– Eu amo muito você, do fundo do meu coração. – é o que ele diz, enquanto eu o observo. Estávamos com nossas testas coladas, enquanto ele sussurrava. 

Não consegui responder, por esse motivo o abracei com força, enquanto as lágrimas silenciosas saíam de meus olhos. Dorian era uma pedra preciosa, valioso demais para se dedicar por alguém como eu e nós dois sabíamos disso – por isso era tão doloroso viver algo assim. 

Nos minutos seguintes minha equipe chegou e nos afastamos. Durante o tempo que ficamos ali, o olhar de Dorian era cortante pra mim. Queria conseguir dizer o quanto meu peito doía naquele momento, o quanto ele merecia mais, o quanto torcia por sua felicidade verdadeira, sem despedidas ou dores desnecessárias... mas não consegui. Será que Mike me acharia corajoso se me visse nesse momento patético? Bem, não sei, o que sei é que quando minha mãe retornou, todos já estávamos lá. Acredito que a despedida foi, no mínimo, indigesta para ela também. 

Minha equipe de fisioterapeutas americana foi comigo para a Europa – por saberem exatamente as condições das minhas sessões atuais – e lá mantivemos as sessões, enquanto me preparava para treinar para o campeonato. Precisei fazer diversas entrevistas sobre o que aconteceu, para ressaltar que tinha sido apenas um acidente corriqueiro, mesmo com uma consequência tão inesperada. 

Fiquei surpreso pela preocupação e pela quantidade de pessoas que foram até a frente do prédio da coletiva para demonstrar seu apoio a mim. Nunca tinha presenciado tamanho carinho por parte dos europeus para um piloto de fora. Me sentia lisonjeado por ser alvo de algo tão bonito. 

No entanto, acredito que precisar superar o luto de enfim ter vivido o término com Dorian, enquanto estava em um momento tão instável da minha vida profissional – e ainda lidando com o luto da perda de Wallace – gerou o maior momento de pressão da minha vida. Dali em diante, todos dias quando acordei a dor física não parecia chegar nem perto do que se passava em minha mente. Estava anestesiado. Eram mais perdas do que sentia que conseguiria aguentar.

A tristeza era tão profunda que nada me assustava. A possibilidade de errar e cair não me causava qualquer sentimento de precaução ou cuidado, apenas era indiferente. Não fazia ideia do quanto amava Dorian até saber com certeza que não tinha mais volta. Sentia seu cheiro em minhas roupas, lembrava do seu toque e acordava durante as madrugadas – não conseguindo dormir de novo, quando percebia que ele não estava ali – e sempre que fechava meus olhos, ao lembrava de seu olhar. 

Além disso, todas as vezes que chegava para treinar, ouvia a voz de Wallace machucar minha memória, como acontecia com a voz de meu avô. Toda essa pressão começou a me afetar negativamente de uma forma que passei a errar coisas básicas – o que fazia com que eu tivesse tempos péssimos, faltando menos de duas semanas para o começo da nova temporada. Era apavorante. 

O ciclo, de qualquer forma, se instaurou novamente: comia bem, para conseguir fazer minhas atividades com a fisioterapeuta, depois disso voltava aos poucos com as pilotagens – por conta da posição agressiva que precisa assumir na moto. Quando faltava menos de uma semana para o começo das corridas, já conseguia manter um ritmo bom de treinos, mas mantinha minhas sessões com a equipe fisioterapeuta, para garantir que meu braço não tivesse problemas durante as corridas – no entanto, meu tempo ainda era péssimo. 

Minha primeira corrida no campeonato Moto2 foi no Qatar. Tive uma boa pontuação, mas ainda distante do que geralmente fazia – principalmente pela condição fisicamente desfavorável que me encontrava, se comparado com outros pilotos, além de estar com uma moto mais pesada do que já estava acostumado. Além disso, como se não bastasse o que eu mesmo já achava sobre meu tempo e performance, os comentários eram negativos sobre minha presença no campeonato. As pessoas diziam que eu ainda não estava pronto o suficiente, que não conseguiria honrar a vaga e passaram a ignorar totalmente o que tinha passado nos últimos meses. Me senti péssimo. 

Na corrida seguinte, na Argentina, o mesmo. Enquanto minha equipe fazia de tudo para melhorar a forma como eu mesmo vinha me tratando, por conta das posições que estava alcançando, eu me maltratava cada vez mais. Na terceira corrida, no entanto, algo mudou. Ela ocorreu nos Estados Unidos e "correr em casa" pra mim foi renovador. Isso, porque as pessoas que simpatizavam comigo estavam ali, torcendo por mim. 

A corrida aconteceu em um autódromo do Texas e toda a torcida gritava pelo meu nome. Eu não fazia ideia da quantidade de pessoas que sabiam quem eu era, até aquele dia. Ouvi-los fez com que meu sangue esquentasse o suficiente para conseguir dar o meu máximo. Minha família foi até o autódromo me ver correr e abraçar meu irmão após conseguir o primeiro lugar aquele dia fez com que eu sentisse que estava pronto para retornar ao local onde eu deveria estar. 

A partir daí algo mudou dentro do meu cérebro. Conseguir uma excelente pontuação nos Estados Unidos foi responsável por impulsionar todo o meu desempenho no campeonato aquele ano. Mesmo que eu chorasse de dor muscular, ou precisasse constantemente de tratamentos fisioterapêuticos, tudo valia a pena. 

Mesmo que naquele ano eu não tenha tido mais corridas nos Estados Unidos, aquela corrida ditou e cravou minha determinação. Determinação essa que foi chave importante para que eu ganhasse o campeonato em primeiro lugar, na minha estreia na Moto2. A cada corrida meu tempo e pontuação foram ficando cada vez mais altos, o que tornou impossível que qualquer outro piloto conseguisse me alcançar. 

Sem precisar rebater as críticas que tinha recebido, forcei que todos os comentaristas se redimissem sobre terem questionado minha capacidade. Segurar a taça de primeiro lugar me deu consciência completa de que estava a cada dia mais próximo de realizar meu sonho e ao mesmo tempo em que foi incrível, tornou-se incômodo. Eu ainda queria mais.  

Ser ambicioso não mudava o fato de que me tornei o piloto mais novo a conquistar um título no Moto2, mas meu único pensamento era o próximo. Queria conseguir pelo menos dois, antes de fazer o teste para ir ao MotoGP. Com dois pódios no Moto3 e dois primeiros lugares no Moto2 eu tinha tudo para conseguir subir. Mas então, foi quando fui visitar minha família que algo aconteceu.

Me lembro que, mais uma vez, voltar para casa com um título foi agridoce. Nessa altura do campeonato os Estados Unidos não soava mais como um lugar em que eu queria estar, lá apenas tinham pessoas que eu queria ver. Isso tudo era incômodo e por esse motivo eu tinha decidido ir para passar pouco tempo. 

Nesse meio tempo, precisei me encontrar com Mike. Ele estava mudado, mais velho, mais sério. Assumir uma empresa grande tão novo tinha lhe dado calos grossos o suficientes para que ele se tornasse um homem de respeito – enquanto eu sentia que ainda era o mesmo, ele parecia uma pessoa completamente diferente da que eu tinha conhecido e convivido há algum tempo. 

Nos encontramos em um fastfood onde sempre comíamos juntos. Conversamos sobre o andamento de seus projetos e empresa, ele deixou claro o quanto tinha aprendido nesse último período e me contou as novidades sobre a cidade. Bem, nada tinha mudado significativamente, até ele tomar um gole de refrigerante e me encarar seriamente. 

– Tenho notícias pra você. – Mike avisa, claramente apreensivo. 

– Se não tivesse eu ficaria preocupado. Do jeito que estava falando, pareceu que nada mudou. Que foi? Está namorando? 

– Eu não, mas o Dorian está. – meu sorriso se desfaz. – Bem, esses dias ele me chamou pra conversar e disse que vai assumir o relacionamento para os pais dele... achei que como seu amigo, seria melhor se ouvisse de mim primeiro. 

– Espero que ele seja feliz. – é o que respondo, com os olhos marejados. 


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