DEZ

Sempre que minha rotina voltava a se tornar monótona, eu comemorava. Mesmo que ainda tivesse que ficar de olho em Bill e Abigail, tendo que dar algumas escapadas da minha família, equipe, Dorian e Mike. No geral, viver o comum me deixava feliz. 

Tirei um dia para ir até a oficina de Mike com seu avô, para enfim entregar a ele meu presente de aniversário e quando cheguei, ele estava montando mais uma parte sua moto. Era uma quarta-feira, já tinha tido meu treino de pilotagem e agora usaria o restante do dia para resolver essa e outras coisas com meu amigo. 

– Te vejo tanto na academia que já virou fantasma de lá. – ele brinca, me cumprimentando. 

– Se viesse me assistir treinar... seu avô tá sempre comigo. – ele sorri. – E aí, Wallace...

– Como vai? – ele me cumprimenta de volta. 

– Não tem graça te ver girando pra cima e pra baixo por horas consecutivas, fico aflito. Pilota todo quadrado, odeio isso. – começo a rir. 

– Isso porque torce pra mim, imagina se torcesse contra. – protesto e Mike gargalha. 

– Vou pensar sobre te ver esse final de semana. Tô achando que sou um amigo muito negligente, meu avô falou que o Dorian sempre está por lá, conversa com todo mundo e tal...

– É, ele parece gostar bastante. Pergunta se ele vai esse final de semana, assim podem ir juntos. – tiro um pigarro da garganta, tomando coragem. – Se eu te chamasse pra passar um tempo indo me ver correr na Europa, o que diria? 

– Não dá, primeiro que o som dos escapamentos me deixa atordoado, mesmo com abafador. Segundo que meu avô vai com você, tenho que cuidar da oficina. Mas chama o Dorian, ele vai gostar. – Mike confirma meus achismos.

– Beleza. 

– Torcerei por você em todas as suas corridas, sairei no soco com qualquer pessoa que falar um "a" negativo do meu melhor amigo... mas a presença vou dever dessa vez. Sobe pro Moto2 que eu prometo que vou em pelo menos uma corrida. – estendo a mão pra ele.  

– Combinado. – apertamos as mãos, sorrindo. – Toma, pra terminar essa moto de uma vez. – pego o cheque assinado pelo meu pai no bolso. – Pode descontar 500 mil. – autorizo e vejo Mike arregalar os olhos. 

Era um cheque em branco, o que dava a liberdade que eu descontasse o valor que queria. Geralmente pedia para que Mike retirasse de 50 a 100 mil dólares, mas dessa vez Davis merecia um choque maior. 

– O que? Teu pai vai matar nós dois, tá maluco? 

– Essa oficina vai ser sua, fala aí Wallace... – o avô de Mike confirma com a cabeça.

– Vai mesmo. – ele confirma. 

– E você queria fazer algumas reformas estruturais... termina sua moto e reforma esse lugar. É meu presente de formatura e pro resto da vida. Sempre que entrar aqui, lembre-se de mim. – ele confirma com a cabeça. 

– É óbvio que vou. – Mike me abraça. – Você é o tipo de pessoa que só encontramos uma vez na vida, Jensen. Sou muito grato por ser seu amigo.

– Para com essa conversa, não é uma despedida, negão. – pisco pra ele, que sorri. 

Ajudo Mike com as alterações que ele já estava montando em sua moto depois disso fomos lanchar. Esperava tomar coragem para enfim expressar o que queria que ele soubesse, mas não tinha ideia de como começar. Por esse motivo, decidi apenas colocar para fora de uma vez. 

– Preciso que guarde o maior segredo da minha vida. – começo e Mike me observa. 

– Fala. 

– Eu amo o Dorian. – o lanche de Mike cai na mesa, instantaneamente. 

Um silêncio ensurdecedor tomou conta do local por alguns segundos, enquanto ele me observava sem piscar. Com essa reação, não tinha ideia do que esperar vindo de Mike, por isso apenas continuei comendo, enquanto ele se recuperava do choque. 

– Fala pra ele, vai que cês dão uns beijos. – é a resposta de Mike. Sorrio. – Sabia que tu passava o rodo no mundo inteiro, tá certo. Com essa cara de Charlie Hunnan aí, eu também ficaria com um monte de gente. – ele brinca, voltando a comer. 

– A parte grande do segredo é que namoramos há uns meses já. – Mike crava seus olhos em mim. – É, eu sei. Desde aquele dia da minha briga com Lennon no vestiário eu nunca mais fiquei com ninguém. Pouco tempo depois comecei a ficar com o Dorian e nunca mais nos largamos. – respiro fundo. – Porra, que sensação boa. Falar isso em voz alta é muito reconfortante. – ele mantém seus olhos cravados em mim, sem piscar. 

– Tô com vontade de bater sua cabeça repetidas vezes nessa mesa. Como você tá traçando nosso melhor amigo e não me conta porra nenhuma? Você tá traçando ele, né? Ou ele tá explorando seu covil profundo? – Mike levanta uma das sobrancelhas e eu começo a rir, rio tanto que solto meu lanche por alguns segundos. 

– Sou ativo, Mike. Quer mais detalhes? – ele nega constantemente com a cabeça. – Pra ser sincero, no começo pensei que ia ser coisa pouca. Geralmente as pessoas não aguentam minha obsessão. Mas ele é tudo pra mim, no momento... depois das motos. – a última parte falamos juntos, caindo na gargalhada. 

– Ele sabe que tá me contando? – nego com a cabeça.  – Ele sabe que gosta tanto dele assim? – nego novamente e Mike respira fundo. – Tô surpreso, mas espero que sejam felizes. Sei lá, brigaria com qualquer pessoa por vocês. Sabe que nossa aliança é eterna, né? – concordo com a cabeça. 

– Confiaria minha vida, confiaria a vida do meu irmão a você. – Mike cerra o punho e eu também, nos cumprimentamos com um soquinho, voltando a comer nosso lanche. 

– Pensa em assumir esse relacionamento? 

– Tem data de validade. – Mike mantém seus olhos fixos em mim. – Ele quer construir uma família agora, quer prioridade... eu não posso oferecer isso a ele. Ele deixou bem claro que aguenta esse primeiro campeonato ano que vem, mas e depois? Os pais dele tem empresa aqui, ele aceitou ser o sucessor. Eu não vou conseguir ficar vindo e voltando pra Europa... 

– Sinto muito. Ter que abdicar de uma paixão por outra é uma merda. 

– Eu sou privilegiado pra caralho. – respondo. – Eu estou vivendo dois amores. Quantas pessoas sonham com isso a vida inteira? Um deles eu vou escolher deixar de lado. Ter poder de escolha é um privilégio. Ele vai passar duas semanas comigo na Europa quando as aulas acabarem ano que vem. 

– Então tá bem cuidado, nem vou ficar com consciência pesada. Vai estar com meu avô e com ele. – concordo com a cabeça. 

– É, depois disso cada um segue seu caminho. Quem sabe daqui 15, 20 anos a gente se encontre... eu aposentado das pistas, assumindo as empresas do meu avô e ele aqui. 

– Duas famílias milionárias se unindo, que lindo, o capitalismo falta ter um orgasmo vendo isso. – gargalhamos. 

Conversar com Mike, como sempre, lavou minha alma. Voltei pra casa mais relaxado e aproveitei para estudar para as provas, já que dezembro estava cada vez mais próximo. 

– Isso tudo é medo de ficar de castigo também? – minha mãe pergunta, entrando no meu quarto cerca de 30 minutos depois, já que a porta estava aberta e eu sorrio. 

– Não posso vacilar com as minhas notas. Na última vez que tirei notas ruins em dezembro, fiquei sem ver meus avós e sem correr por meses. – ela ri, sentando-se em minha cama. 

– As coisas naquela época eram mais fáceis, né? 

– Eram. Eram de verdade. 

– Sei o que viu seu pai fazendo. – me viro para minha mãe, olhando em seus olhos. – Não precisa dizer nada. Eu vi pelas câmeras, quando abriu a porta. O ângulo que eles estavam me deu exatamente a visão que você teve. 

– E então? 

– Vou conversar com meus advogados sobre. Sei que não vai parar depois de conseguir o primeiro lugar na Moto3, então prometo que nos próximos anos considerarei pedir o divórcio. Eu já sabia que ele não era fiel, mas fazer esse tipo de coisa dentro da nossa casa, com alguém que trabalha pra ele... – ela não termina, mas eu sabia o que ela queria dizer. 

– Fiquei com raiva, por sorte fui eu que vi. E se fosse Anista ou Tyler? é como disse, ele nunca demonstrou ser um cara fiel, mas... 

– Tudo bem. E outra coisa... sei que o Davis disse que o Dorian não pode vir, mas ele pode sim. Não importa se ele é somente o seu amigo, ou seu namorado. – penso um pouco. 

– Como soube? 

– Você deixou ele acelerar sua moto na garagem. Em 18 anos da sua amizade com Mike eu nunca o vi tocar em suas motos, muito menos na Ducati. Somente seu avô e o avô dele podiam colocar a mão dela. – ela olha em meus olhos. – Conversa comigo. Gosta muito dele? – confirmo com a cabeça. 

– Como nunca pensei conseguir gostar de alguém. Mas tem data marcada pra acabar, eu não vou abrir mão do meu sonho e ele tem um futuro inteiro demarcado aqui. Por favor, mãe, apenas não conte pra mãe dele, ele não faz ideia de como vão reagir, enfim... 

– Nunca. Em hipótese alguma te deixaria exposto. Ela é minha amiga, mas você é o amor de todo o meu universo. – me levanto e ela também. Abraço minha mãe em seguida. – Davis não sabe de nada, ele tem suposições na mente. É mais fácil o Tyler perceber, por conta sua proximidade com o Dorian, do que o Davis. Apenas continue ameno. – concordo com a cabeça. – Jim sabe. 

– O que? – pergunto. 

– Achou que ia se pegar no banheiro ao lado do escritório dele algumas vezes com seu namorado e ele não perceberia? Ele não te disse nada, porque ele é um frouxo. Mas também te apoia. Seu pai e sua mãe estão com você, tudo bem? – concordo com a cabeça, sorrindo, dando um beijo na bochecha dela e abraçando-a novamente. – Não vai poder ir com a gente para a nossa viagem anual para a Suíça, certo? 

– Tenho que treinar. – explico. – Faltam poucos meses para a primeira corrida. 

– Então convide o Dorian pra ficar aqui com você esse meio tempo. Assim, pelo menos terá um período para aproveitá-lo. Se precisar que eu fale com a mãe dele, eu falo.  – ela pisca pra mim e eu sorrio, concordando com a cabeça. 

– Depois de 00h, no Natal, vou passar com ele, tudo bem? – ela concorda com a cabeça. 

– Claro, querido. – é o que responde e eu lhe dou outro beijo na bochecha, sorrindo em seguida. 

Treinei muito e estudei mais ainda durante novembro e dezembro. Passeei com meu irmão e Dorian – de carro, por incrível que pareça, porque queria priorizar estar com os dois ao mesmo tempo. Fomos em shopping juntos, fazer compras de roupas de final de ano, fomos ao cinema, comer... chamamos Anista, mas por ela estar na fase super apegada a nossa mãe, não aceitou. Ela preferia ficar com nossa mãe e a mãe de Dorian – não julgo, minha irmã, ao contrário de Tyler, nunca foi muito apegada a mim. 

Consegui ter notas bem altas na escola, o que era excelente. Não iria aplicar para nenhuma universidade no momento, mas ter notas excelentes contaria para o final do ano letivo, no ano seguinte. 

– Erick chega que dia, mãe? – Dorian pergunta a ela, enquanto ajudamos com alguns detalhes de decoração de Natal. 

– Hoje a noite. Jensen, adianto que o Erick não é como o Tyler, tudo bem? Ele é um pouco temperamental. – Dorian sorri. 

– Não é, ele é revoltado com a vida. Mas é um menino muito bom, você consegue dobrar ele tranquilo. 

– Jensen, por qual motivo sua mãe não aceitou que fizéssemos o nosso Natal unificado, sabe? – a mãe de Dorian pergunta, claramente incomodada. 

– Porque meus avós eram bem católicos. Minha mãe não gosta de músicas, nem nada do tipo no Natal. Jantamos 00h, rezamos pelas almas dos nossos avós, choramos um pouco às vezes e vamos dormir. Todos os anos, sempre foi assim. – explico e ela parece compreender. 

– Entendi, claro. – é o que ela responde, agora mais tranquila. 

Sabia que a família de Dorian vinha tentando se estabelecer entre as famílias poderosas de Milwaukee e ter a minha por perto poderia facilitar isso, por isso quis deixar claro que o ritual de Natal da minha mãe nenhuma ligação tinha ao mundo dos negócios.  

Ajudei eles a terminarem de organizar as coisas e depois disso subimos para o quarto de Dorian. Ele me mostrou algumas roupas que pensava em usar na comemoração, mas confesso que a única coisa que eu pensava era o quanto ele era ainda mais bonito sem nada. Enquanto por anos passei a maior parte do tempo ouvindo sons de escapamento em minha meao invés de silêncio, agora meus pensamentos estavam sendo controlados constantemente por coisas como desejos de tê-lo para sempre. 

– O que pensa, quando fica viajando assim? – ele questiona, parado diante de mim, segurando uma camisa, enquanto está apenas de cueca. – Te perguntei duas vezes o que acha dessa e continua estático, pensativo. 

– Nada, geralmente só escuto sons de escapamento. – minto. – Faltam poucos meses pro começo das corridas... vou ficando nervoso. 

– Entendi. Mas é um ótimo piloto, certamente vai ser o melhor. – ele sorri e automaticamente eu tenho uma ereção. 

Pela primeira vez fico constrangido, pela forma como meu corpo reagiu a um estímulo. Esse tipo de coisa nunca tinha acontecido, então fiquei sem reação por alguns segundos. Tentei esconder essa ereção, mas obviamente pela forma como fiquei desconfortável, Dorian se aproximou, percebendo que algo de errado estava acontecendo. 

– Que foi? – pergunto e ele não diz nada, apenas passando a mão pelas minhas coxas, enquanto olha em meus olhos, fazendo com que todos os músculos do meu corpo relaxem, de acordo com seu toque. 

– Controle esse pau quando meu irmão chegar. – ele ordena, passando a mão pela minha virilha e sorrindo em seguida. 

Apenas confirmei com a cabeça, vendo Dorian aproximar sua boca do meu corpo. Não sei explicar exatamente o motivo que fez aquele momento ser tão prazeroso, mas foi. Não tirei meus olhos dele e ele também não tirou seus olhos dos meus. 

Era como se estivéssemos hipnotizados. Queria conseguir dizer a ele naquele momento o quanto o amava, mas mais uma vez não consegui. Lembro-me que o orgasmo que tive naquele dia fez cada músculo de meu corpo derreter – Dorian, por sua vez, pareceu se divertir com a forma insalubre em que me deixou.  

Não pude demorar muito na casa dele, porque como nosso Natal começava e terminava cedo, minha mãe contava com pontualidade. Ao chegar em casa, me arrumei, ajudei meu irmão com sua gravata, fiz tranças no cabelo da minha irmã e ajudei minha mãe com seu vestido. Não vi Davis até o jantar. 

Como todos os anos, 00h rezamos, agradecemos pelo ano bom que tivemos, expressamos nosso carinho pelos nossos avós e pedimos proteção. Após isso, ceamos. Ao terminarmos, coloquei Anista para dormir, para que minha mãe pudesse ter seu tempo consigo mesma, de reflexão e depois disso fiz o mesmo com Tyler. Em nossa família não cultivávamos a cultura de presentes de Natal, porque para os meus avós isso ofuscava o verdadeiro propósito da festividade. 

Bem, não sei exatamente se concordo ou discordo disso, mas o fato é que não tínhamos esse costume. Após Tyler dormir, desci as escadas e fui me despedir da minha mãe, para ir para a casa de Dorian. A abracei, sem dizer nenhuma palavra sequer e ela sorriu, voltando a se concentrar em suas orações silenciosas. Saí de casa, vendo meu pai pela janela de seu quarto, me observando. Subi em minha moto, saindo em seguida. 

– Finalmente chegou! – Dorian fala, assim que chego em sua casa e eu sorrio. 

– Precisei colocar meus irmãos para dormir. – explico, enquanto desço da moto e assim que coloco meus dois pés no chão, ele começa a me puxar para dentro. 

Sua casa estava com diversos convidados, mas ele não me deu a chance de cumprimentar ninguém. Subimos as escadas em passos rápidos, indo até um cômodo que até aquele momento eu ainda não tinha entrado. 

– Erick! – Dorian fala, abrindo a porta de repente, fazendo com que o pequeno rapaz leve um susto. – Esse é o Jensen, meu amigo. Jensen, esse é o Erick, o meu irmão foda pra caralho. – o menino sorri, ficando de pé. 

– Você é forte mesmo. – é a primeira coisa que Erick fala pra mim. – Meu irmão me ensinou a saber quando alguém é forte só de olhar. Você é fortão, treina pesado como ele? 

– Um pouco mais, até. – brinco e nós três começamos a rir. – É um prazer conhecer você. – estendo minha mão pra ele, que fica um tanto quanto intimidado. – Vamos, aperte minha mão de forma firme. Homens confiáveis tem que ser bons em dar apertos de mão firmes. – comento e ele faz, apertando minha mão em seguida. 

– Você é o novo namorado do meu irmão? – ele pergunta, deixando Dorian em pânico. 

– Se eu fosse, teria algum problema pra você? – ele nega com a cabeça. 

– Mas pros nossos pais, acho que sim. 

– Então mantenha em segredo. Se alguém não sabe de alguma coisa, essa pessoa pode permanecer sem saber. – respondo e ele concorda com a cabeça, olhando em meus olhos. Quando observo Dorian, ele parecia sem acreditar no que tinha acabado de ver.

– Se liga nesse helicóptero que ganhei de presente... – Erick me chama e sai mostrando todos os presentes que ganhou, sem se importar com o assunto. 

Fiquei cerca de uma hora e meia com ele naquele quarto, até ser liberado para descer e cumprimentar as outras pessoas – ele tinha gostado de mim o suficiente para me deixar ajudá-lo a organizar seus novos brinquedos. 

Os pais de Dorian me apresentaram para seus convidados quase como se eu fosse filho deles também e por mais que eu me sentisse muito privilegiado por todo esse carinho, era inevitável pensar se eles me tratariam da mesma forma se soubessem a verdade.

Isso, porque por mais que eles sejam legais, eu já tinha escutado falarem algo sobre quererem um neto o quanto antes – e eu sabia que adoção não seria uma opção. Pra eles, ver seus filhos construindo famílias era obrigatório – ao contrário da minha mãe, que nunca colocou nenhum tipo de cobrança sobre isso em mim ou nos meus irmãos. 

Jantei novamente com eles e conversei com praticamente todos seus convidados. A reação das pessoas ao descobrirem quem eram os meus pais fazia com que meu tempo parecesse ficar curto para lidar com tantas perguntas e aproximações. A festa de Natal da família de Dorian continuou até amanhecer. Fomos para o quarto quase 8h da manhã. 

Dorian e eu sequer dormimos. Tomamos banho juntos e quando nos deitamos na cama, a primeira reação dele foi colocar minha mão cuidadosamente em seu pescoço, como se implorasse para que eu o devorasse naquele instante. Não era como se ele precisasse me pedir por isso, já que eu nunca estava verdadeiramente satisfeito. 

Ele me seduzia com sua respiração, com a forma como revirava seus olhos e sussurrava meu nome em meu ouvido. Transar com ele era como nadar em um lago gelado de madrugada, no momento exato onde o frio deixa de incomodar e se torna dormência. Eu estava completamente dormente de desejo por ele. 

– Meu irmão gostou muito de você. – ele comenta, deitado em meu peito, enquanto eu seguro sua mão, observando-a. – Mesmo que eu saiba que é ótimo com crianças, te ver lidando tão bem, mesmo com a sinceridade cortante que ele fala às vezes, me deixou muito feliz. 

– Erick é um menino muito bom, de verdade. Tinha ficado apreensivo, pela forma como sua mãe falou sobre a personalidade dele, mas não vi nada daquilo. Ele é sincero, pode ser da idade ou da personalidade, mas isso não é um traço negativo se vocês não quiserem que seja. Ele é direto, espontâneo. Podem fazer com  que ele tenha mais tato com as pessoas, ou não, mas certamente ele vai ser popular no futuro. – explico, olhando nos olhos de Dorian. – E ele é fiel. 

– O que? 

– Seu irmão é muito fiel a você. Ele não deu o menor deslize hoje, mesmo sendo uma criança e sabendo de nós dois. Aposto que mesmo quando ele tiver nossa idade, não vai tocar no assunto, se não autorizarmos. – comento. 

Às vezes não víamos coisas diante de nossos olhos, por isso achava importante mostrar para Dorian o quão especial seu irmão é. Um surto não determina toda a personalidade de alguém, ainda mais se tratando de uma pessoa em formação.

– Ele tá na idade de eu demonstrar que isso é valioso, né? – confirmo com a cabeça. 

– Com a personalidade dele e forma de ser impositivo, se você fortalecer o quanto ser fiel é importante, ele vai se tornar uma rocha. Caso estude com o Tyler no futuro, certamente eles vão ser bem próximos, porque o Tyler também é absolutamente fiel. Sempre. – Dorian sorri, me dando beijos pelo peito. 

– Quem será que vai se apresentar? – ele pergunta e eu dou de ombros. 

– Seu irmão. – rimos. – Que isso, um rapazinho daquele, a primeira vez que vê um cara de quase 2 metros de altura olha e diz "você é forte mesmo". – rimos ainda mais. – Ele não vai ter medo de nada, o Tyler é meio retraído... eles vão ser o perfeito equilíbrio. Imbatíveis.

– Fiquei impressionado e em choque quando ele perguntou se você era meu namorado. – Dorian comenta, passando sua mão pelo meu peito. – Ainda mais em choque quando você confirmou. 

– Eu sou seu namorado. Sou seu namorado, seu macho. – ele olha em meus olhos. – Só seu. E precisa tratar esse assunto com naturalidade, responder as perguntas dele e demonstrar que não tem nada demais. Quanto mais tenta esconder, mais irritado ele vai ficar. Inclusive, sobre eu ser o seu macho... meu pai, mãe e irmãos vão viajar daqui a pouco. – olho as horas no meu celular por alguns segundos. – Vou ficar sozinho até o ano que vem, por causa do treino. Precisava muito de companhia.

– Não piso na sua casa, quer que seu pai surte? – dou de ombros. 

– A casa é da minha mãe e ela sabe sobre nós. – Dorian se assusta, sentando-se na cama. – Ela apoia, não vai contar pra sua mãe e disse que meu pai tem suposições sobre nós, porque eu deixei você encostar na Ducati. Ele não tem certeza de nada, apenas está procurando algo para me chantagear. Vem morar comigo enquanto eles estão fora... 

– Meu irmão vai passar 3 dias aqui com a gente. Posso pensar? – confirmo com a cabeça, sorrindo e ele me beija. – Então daqui 3 dias você descobre se vamos ter uma vida de casados por um tempo. 

– Espero que sim. – respondo. – Vai passar o ano novo comigo em NY? 

– Claro. – sorrio, puxando-o pra mim. 

Mais tarde naquele dia, quando acordei, respondi minha mãe, que já tinha me mandado fotos no aeroporto. Mostrei para Dorian, que sorriu ao ver meus irmãos empacotados – minha mãe tinha muito medo que eles ficassem doentes quando iam para a Suíça. 

Dormimos até tarde, agarrados e quando acordamos, fiquei fazendo cafuné em Dorian, enquanto refletia no convite que tinha feito a ele. Se eu voltasse até agosto e dissesse para mim mesmo que seria estridentemente apaixonado por Dorian, certamente eu não acreditaria. Mais do que isso, se eu afirmasse que minha paixão era tão vívida, que havia o convidado para conviver cerca de um mês comigo dentro de casa, como se fôssemos casados, eu riria por horas, sem acreditar. Então como posso estar exatamente nessa posição agora? 

Beijei seus ombros, enquanto deslizava meus dedos por sua pele, que refletia em partes o sol que clareava o dia lá fora. Dorian, então, se aproximou mais do meu corpo, encaixando-nos. Durante todo esse tempo com ele, nunca tínhamos tirado uma foto em que estivéssemos sozinhos. Talvez isso fosse um reflexo do meu trauma, após a exposição de Brie, mas o fato é que percebi naquele momento que apenas tínhamos construído nossas memórias em mente. Era sufocante. Gostar tanto de alguém tirava completamente o meu ar. 

Enquanto Erick esteve conosco, saímos com ele e Mike. Por incrível que pareça, mesmo que ele e Mike tivessem um temperamento relativamente semelhante, eles não tinham se estranhado. Levamos Erick para jogo de basquete, parque de diversão e para conhecer o campo onde o time da nossa escola treinava. No último, ele pareceu se encantar.

– Quero estudar aqui no meu ensino médio. – é o que ele fala e eu observo Dorian. 

– Vai ter que mostrar que mudou para os nossos pais, demonstrar que os ouve melhor. – é o que Dorian comenta. 

– Ah, eles não me entendem. – Erick protesta.

– Imagino. – respondo e ele me observa. – Mas você também não os entende, então estão na página zero disso tudo. Eles também estão vivendo pela primeira vez. Quando se fala, não escuta... e por mais que discorde, precisa ouvir e entender pra saber explicar o motivo pelo qual discorda. 

– Tudo bem. – é o que ele responde e Dorian e Mike me observam, surpresos por ele não rebater. 

Quando Erick precisou voltar para o colégio interno, percebi o quanto Dorian ficou abatido. Tentei animá-lo, dizendo que eles poderiam conversar bastante pelo telefone, agora que tudo estava esclarecido e ele sabia que seu irmão não tinha os sentimentos negativos que ele acreditava que tinha. Na verdade, pelo olhar de Erick, ele faria tudo e mais um pouco pelo irmão. Dorian era seu herói. 

Mesmo nas férias eu não abandonei minhas atividades com Bill. Eu ainda estava em sua cola e por incrível que pareça, nas férias as movimentações dentro da casa dele se intensificaram ainda mais. Em uma dessas movimentações, foi quando flagrei a professora Abigail beijando um garoto da nossa turma, enquanto Bill observava. Ele parecia se divertir com aquilo. Tirei fotos de tudo que vi de estranho e as revelei, guardando na minha caixa, que tinha ganhado do meu avô há alguns anos. 

Em um dos dias que estava espiando, acabei encontrando um colega de time. Aproveitei para questionar a ele sobre o cara que mais via com Bill e não conhecia, alegando que ele tinha me chamado pelo nome na rua. Descobri que o cara se chamava Paul Anderson, de Nova York, amigo próximo de Bill. A partir daí, descobrir por onde esse homem andava foi fácil, mapeei tudo e organizei para que, durante minha viagem, conseguisse me aproximar – já que ele não me conhecia. Dessa forma seria mais fácil entender quem era Bill e a totalidade de suas atividades, no mínimo, criminosas. 

As coisas ficaram ainda mais estranhas, quando eu vasculhava seu lixo. Encontrei diversos papéis sobre compra de materiais químicos, importações, números de telefone, entre outras coisas. O mais correto seria queimar tudo isso, certo? Mas a constante sensação que eu tinha sobre Bill, é que ele pensava sempre estar acima de toda e qualquer suspeita. 

Quando Dorian foi morar comigo – com a autorização de seus pais, já que minha mãe manteve a palavra e pediu ela mesma autorização a eles, informando que ficava preocupada de me deixar sozinho por tanto tempo – nas férias, parei um pouco de seguir Bill. Isso, porque ele tinha uma rotina muito demarcada, sempre se encontrava com as mesmas pessoas e não saía muito de casa. Aproveitei, então, para conviver de verdade com Dorian e aproveitar nosso tempo juntos. 

Por incrível que pareça, esse foi o nosso maior período de intimidade sem relações sexuais. Cozinhamos juntos, tomamos banho de piscina – inclusive ele me ajudou a melhorar meu nado – e eu pude ensiná-lo a pilotar minha moto. Ele me acompanhou em absolutamente todos os meus treinos, todos os dias sem esboçar qualquer expressão de descontentamento e respeitou todos os momentos que tirei para estudar sobre pilotagem. 

Nunca tive alguém tão imerso dentro da minha vida como ele esteve – e eu gostava muito, mesmo com o sabor agridoce que acompanhava isso tudo. Saber que era passageiro, independente dos nossos sentimentos, era cortante. Todos os dias, quando Dorian precisava ir até a loja para ter reuniões com seus pais, fornecedores, processos de criação e passava horas sem conversar comigo, eu entendia que nossa realidade infelizmente era muito diferente. 

– Que saudade. – ele diz, deitando-se sobre mim, no sofá da sala. Eu estava assistindo televisão, mas abaixei o volume assim que ele chegou. 

– Como foi o dia? – pergunto, brincando com seu cabelo. 

– Bem, minha mãe quer lançar uma nova coleção ano que vem. Então estávamos discutindo sobre como poderia ser feito, porque ela quer usar a cultura escandinava como inspiração. 

– Minha mãe é sueca. – comento e ele me encara por alguns segundos. 

– E muito linda. – ele sorri. – Será que ela aceita ser nossa modelo? As mãos dela são lindas também... 

– Acho que sim, posso falar com ela. – ele me beija. – Seus pais reclamaram de você estar aqui? 

– Que nada, se acha que a nossa libido é alta, tem que ser a deles. Acho que estão felizes com as férias, até o cabelo da minha mãe tá mais bonito. – começo a rir. – Ela só tá chateada que você nunca mais foi lá, mas expliquei que treina o dia inteiro e quando termina, dorme o restante do dia. Ela acha bonito o quanto você batalha pelo seu sonho. 

– Deve ter puxado isso dela, então. Essa coisa de se apaixonar por pessoas apaixonadas. – ele sorri, concordando com a cabeça. – Fiz uma coisa pra você... – ele sai de cima de mim e eu me levanto, guiando-o até a cozinha.

Não estávamos usando a mesa de jantar, por sermos apenas duas pessoas. Dessa forma, vínhamos almoçando a jantando no balcão da cozinha, então organizei um jantar por ali mesmo. Quando Dorian viu o que fiz, me deu um beijo de agradecimento, se aproximando para avaliar as comidas. Era delicioso vê-lo animado.

Um dia antes da virada de ano fomos para NY – que estava completamente cheia. Não sabia como aquele lugar conseguia caber tantas pessoas. Pela primeira vez, nesse dia, tiramos foto juntos, nos beijando e pudemos demonstrar sermos um casal, sem termos medo do julgamento de qualquer outra pessoa. 

Acontece que eu também estava ali a trabalho. Marquei com Dorian de encontrá-lo em um bar que ele queria conhecer cerca de 3h antes da virada e depois disso saí do hotel, indo atrás de Paul, em outro bar, onde meus informantes comentaram que ele frequentava bastante – todos os dias. 

Quando cheguei, o vi de longe, sentado exatamente no mesmo lugar que se sentava todos os dias – no balcão. Me sentei ao seu lado, em silêncio, pedindo uma bebida. 

– Cidade cheia não dá pra respirar direito, né gatinho? – ele pergunta e eu o observo, sem responder. – Crianças podem beber?

– Deixei de ser criança há bastante tempo, então acho que vou ficar bem. – é o que respondo, enquanto ele me fuzila com o olhar. 

– Não, eu não me engano. Filhote tem cheiro de leite. E eu gosto muito desse cheiro. – ele rebate. 

– Por que acha que sou menor? Tem muitos nesse bar? 

– Claro. Muitos meninos aqui não têm atenção em casa e buscam quem dê. Bem, eu dou. – ele sorri. – E você, gosta do mesmo? Se gostar, podemos conseguir algum juntos. 

– Como faríamos? – questiono e ele sorri. 

– Acho que me confundi. – ele coloca a mão no meu ombro. – Caça e caçador às vezes compartilham do mesmo cheiro. – olho nos olhos de Paul. – Pó. Sabe, tenho uma equipe bem grande, que vem se expandindo bastante atraindo esses meninos com isso. Desde a escola eles já se interessam por coisas erradas, é fácil controlar quando controlamos os desejos deles. Fica fácil até gravar e isso dá uma grana boa. Imagina ganhar dinheiro enquanto sente o melhor prazer da sua vida... Você não faz ideia do quão gostoso é... – antes que ele termine, seguro a mão de Paul e giro seu braço, prendendo seu rosto no balcão. 

– Se acha esperto? – sussurro pra ele. – Tem muita coragem de falar esse tipo de coisa pra um policial. – Paul claramente congela, apavorado. 

– Espera. – ele suplica. Rapidamente o solto, me misturando entre a multidão que ali estava. Precisava sair daquele lugar, antes que ele pudesse me seguir.

Estava completamente em choque com que tinha escutado. Jamais imaginei que as coisas estivessem tão sérias. Corri de volta para o hotel e quando cheguei, percebi que Dorian ainda estava lá, terminando de se arrumar. Deslumbrante. 

Vê-lo foi como entrar em uma zona de paz no meio da guerra. Ele caminhou até mim, questionando se tinha algo de errado e neguei, sorrindo pra ele. Não queria destruir sua noite – talvez esse tenha sido mais um dos erros que cometi durante a vida. Afinal, se ele entendesse o nível que as coisas estavam, talvez focasse o quanto antes em se distanciar daquela escola e garantir que Erick nunca pisasse naquele lugar. 

Tomei um novo banho e troquei de roupa. Não queria ficar com a roupa que Paul tinha tocado. Me perguntava, durante a noite, o que mais aquele bêbado me contaria se eu tivesse tido um pouco mais de estômago para aguentar. Bem, acho que com o direcionamento que tive, pelo menos conseguia saber o que esperar dali em diante. 

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