CATORZE

Minha equipe entrou em conflitos intensos após falecimento de Diego – segundo a mídia, era visível a rachadura. Era perceptível que todos se perguntavam como conseguiríamos prosseguir, com uma carga tão pesada. Ele e Kygo receberam homenagens do campeonato, que atribuía o acidente a falta de manutenção na pista, após uma chuva forte que tinha ocorrido dias antes, mas pra muitos a responsabilidade deveria ser atribuída a mais pessoas. 

É importante ressaltar que motos são mais sensíveis a desníveis e problemas de infraestruturas que carros. Enquanto pilotamos, precisamos entender perfeitamente as inclinações para curvas, as condições dos asfaltos, áreas de escape e estabilidade. Pilotar era uma ciência que poderia gerar graves acidentes se analisada de forma errônea ou negligenciada. 

De repente, mesmo quando voltei aos Estados Unidos, tive que dar entrevistas sobre o acidente fatal do meu colega. Fui questionado se tinha desistido daquela temporada pelos riscos e precisei deixar claro, mais uma vez, que nada do que aconteceu tinha sido proposital da minha parte. 

O tom dos questionamentos eram como se eu tivesse premeditado colocá-lo no meu lugar, porque tinha medo de ser a vítima fatal de um acidente naquela pista. A realidade era que eu apenas tinha tido sorte. Não sabia por quanto tempo ela sorriria para mim, mas sabia que tinha sido sorte. 

Minha equipe decidiu, então, se retirar da competição Moto2 aquele ano, por respeito a Diego. Mesmo se entrássemos com outro piloto e ganhássemos naquela temporada, não seria justo que sua imagem fosse apagada por isso. Além disso, também foram movidas solicitações para manutenção em todas as pistas a partir daquela data, até 24h antes de todas as corridas. Era como se todas as pistas necessitassem de uma última averiguação antes de qualquer competição. 

No final, enquanto me mantive nos Estados Unidos, toda a minha agenda foi reduzida. Por mais que quisessem me encher de entrevistas, minha equipe sabia que minha cabeça não estava boa para tais atividades. Isso, porque eu expus sobre não estar conseguindo dormir, nem comer direito. Eles sabiam que eu precisava de um tempo.

Chorava constantemente enquanto tomava banho, lembrando das vezes que Dorian me surpreendia nesse momento. Acordava no meio da madrugada com espasmos, buscando-o pela cama. Tinha uma dificuldade severa em sorrir, mesmo que antes fosse relativamente sociável, pois antes, todas as vezes que eu sorria, recebia um selinho dele. 

Essa dificuldade de me ligar com o momento atual, então, fez com que questões antigas voltassem e aproveitei meu tempo em Milwaukee para voltar a seguir Bill, mapear seus novos passos e finalizar meu dossiê de denúncia contra ele. Após meu aniversário viajei até NY e segui Paul mais vezes, dessa vez vendo que ele agora andava também com um garoto – parecia novo demais para se meter com tanta coisa errada, mas ali estava ele.

Acontece que ao voltar para Milwaukee, para finalizar minha investigação contra Bill, ele percebeu minha presença. Aconteceu 2 dias antes de eu voltar para a Europa, para começar uma nova temporada no Moto2, quando o segui até a casa de um dos homens que mais convivia com Bill. Fui cercado por ele, com vários rapazes armados.

– Tira o capacete. – Bill ordena.

– Não quer fazer isso. – protesto, com as mãos levantadas. 

– Anda logo, caralho. Fica me seguindo o tempo inteiro, pensa que não te percebi? Tira. Agora. – ordena mais uma vez e faço, olhando nos olhos dele. – Que merda. O que quer, Jensen? Se não me deixar em paz, eu vou estourar sua cabeça e mais do que isso, vou estourar seu irmão. De todas as formas que imaginar.

– Você não vai. Não vai, porque vai parar de ser treinador naquela escola e Abigail vai deixar de ser professora. – ameaço, sem sair de cima da minha moto. 

– Ou o que? – ele questiona e eu dou de ombros, ainda olhando em seus olhos. 

– Ou todos os arquivos que tenho sobre vocês serão encaminhados para a delegacia. – ele sorri.

– O que te faz acreditar que vai sair daqui agora? 

– Se eu não voltar pra casa em no máximo 4 minutos, a pessoa que tem posse desses arquivos vai publicá-los. Eu te sigo há tempo o suficiente pra entender quem você é. Conheço o Paul, sei onde ele mora. Tenho dinheiro e coragem o suficiente pra acabar com vocês. – Bill parece entrar em um conflito. 

– Está mentindo.

– De forma alguma. Pergunta pro Paul, ele sabe bem que não sou uma pessoa que gosta de brincar. Na nossa conversa em NY ele entendeu bem que tinha que ficar espero. – Bill coça a cabeça, olhando para os outros rapazes que estavam ali.

– Some. Mas não estou brincando, Jensen. Vou esfarelar você se continuar vindo atrás de mim. – é o que Bill responde e eu ligo minha moto, saindo dali em seguida, passando por entre os caras que estavam me cercando.

Os vejo discutir pelo retrovisor, mas acelero para longe, virando a esquina antes que decidam me dar alguns tiros nas costas. Agora o radar dele estava ligado e direcionado a mim, o que era péssimo. 

Já tinha conseguido muitas provas contra Bill e companhia. Poderia apresentá-las, quando terminasse a próxima temporada, mas tinha medo do que poderia acontecer nesse meio tempo.

Isso, porque queria, também, começar a fazer uma faculdade e me estabilizar de fato em algum país da Europa (provavelmente Inglaterra ou Espanha) – e uma parte importante para que esse plano se realizasse seria passar despercebido. Agora tudo estava relativamente instável. 

Bem, estudar e me estabilizar na Europa eram coisas que eu sabia que teria que fazer, mas vinha atrasando pela vontade de voltar e ver Dorian. Agora que não o tinha mais, não tinha mais tantos motivos para voltar. Poderia conversar com Tyler e convencê-lo a vir morar comigo no futuro – e meu outro motivo de voltar estaria resolvido. 

Os dias foram passando e não saí muito de casa, por conta do que aconteceu com Bill. Mike veio me visitar algumas vezes, tentando arrancar o que eu estava sentindo, mas isso não era o tipo de coisa que eu costumava falar. Estava feliz por ele, porque finalmente tinha terminado a reforma na oficina e vinha conseguindo equilibrar seu emocional com o profissional – pra ele essa era uma conquista imensa. Não sabia se estaria vivo pra ver ele namorar pela primeira vez, mas se esse milagre acontecesse eu certamente estaria na primeira fila, feliz pelo meu amigo. 

Jim também veio me ver nesse meio tempo, mas acredito que pra ele era igualmente visível o quanto eu não estava disponível para conversar. Antes eu usava a minha tática de desligar os ouvidos apenas para pessoas inconvenientes, mas com o passar do tempo acabei estendendo isso para todos que conhecia. 

De qualquer forma, antes de voltar para a Europa, chamei meus pais para conversar.

– Ano que vem o Tyler vai para o ensino médio. – começo a falar. Estávamos nós três na sala de jantar. Em agosto meu irmão finalmente iniciaria o primeiro ano do ensino médio e isso me preocupava. 

– Sim.

– Queria pedir para que ele não viesse para a minha antiga escola. – falo de uma vez e meus pais se encaram, sem entender. 

– Por qual motivo? O que aconteceu com Brie, aconteceu há muitos anos. Desde que o Jim voltou para a política, as coisas têm melhorado. Os pais de Dorian trouxeram ele para estudar em West Bend. Sabe o quão longe é levar e trazer? – meu pai protesta.

– Não, mas imagino o quão dolorido pra eles foi perder o Dorian. – olho nos olhos do meu pai, mentindo. Sabia que os pais de Dorian eram inflexíveis sobre o que aconteceu, mas precisava tentar. – E mesmo que o pai dele tenha causado essa reação, certamente se ele pudesse fazer as coisas serem diferentes agora que conhece as consequências, faria.

– O que quer me dizer?

– Pra tomarem a decisão certa e manterem o Tyler longe daquela escola. – peço.

– Tudo bem. – minha mãe fala, deixando meu pai surpreso. – Vamos ver o que fazemos ano que vem, quando ele se formar no fundamental. Analisaremos a melhor escolha, tudo bem? – ela pergunta eu concordo com a cabeça.

Após minha conversa com meus pais, me preparei para voltar para a Europa mais tranquilo. Pensava ter resolvido o maior problema que tinha naquele momento. Antes de voltar, ainda fui ao cemitério mais uma vez. Deixei flores aos meus avós e depois disso deixei para Dorian, me sentando de frente ao seu túmulo. Fiquei ali por cerca de 30 minutos, encarando em silêncio sua foto em sua lápide. 

– Quando volta? – me assusto com Erick, que sorri. – Desculpa. 

– Tudo bem. – fico de pé, o cumprimentando. Após isso, nos sentamos. 

Observo Erick por alguns segundos. Ali, era visível sua semelhança com Dorian. Cílios longos, cabelo escuro liso... mas ainda assim, Erick tinha suas particularidades. Olhos mais claros e maiores que os de Dorian, tom de pele mais pálido e rosto sem sardas. Era como se ele lembrasse Dorian, um vislumbre mais jovem e polido do irmão mais velho, mas sem perder sua própria identidade.

– E então, quando volta? – pergunta novamente, me trazendo de volta de meus devaneios. 

– Não sei. Dessa vez eu não sei. Temos previsão de ter uma seletiva do MotoGP ano que vem aqui. Mas não é certeza... – informo e ele respira fundo. 

– Eu admiro sua coragem em amar o meu irmão mesmo após o falecimento dele, sabia? – o observo. – Mas precisa deixar ir. Assim como deixou ele entrar no seu coração, precisa deixar ele ir embora. Se continuar desse jeito, vai continuar definhando em vida e não deixando que ele descanse. – Erick olha nos meus olhos. 

– Não, eu só vim pra... – procuro palavras, sem achá-las e ele sorri. – Eu não estou definhando, eu... 

– Está. É visível. Seu peito tá pesado, é como se andasse se arrastando por aí. Pode ser o peso de amar alguém que já se foi, ou pode ser o peso de nunca estar satisfeito... quem sabe os dois. Vocês tiveram algo forte, é memorável. Precisou de coragem pra viver, mas precisa de muito mais pra enterrar isso e seguir em frente. Sua história não pode ficar dando voltas e parando no mesmo lugar. – ele aconselha. 

– E como é pra você viver isso? 

– Péssimo. Todas as vezes que eu esqueço, vou até o quarto dele perguntar alguma coisa... e aí eu lembro. É como se eu carregasse correntes pesadas presas aos meus pés. – ele conta e eu coloco minha mão em seu ombro, olhando em seus olhos. 

– Também não pode carregar esse fardo. 

– No meu caso meu fardo está no meu sangue. Meu irmão me criou, ele corrigiu todos os erros que nossos pais fizeram ou falaram. Agora estou completamente sem minha régua moral. É como se estivesse à deriva. – puxo Erick para mim e o rapaz começa a chorar. 

Ele tinha a mesma idade de Tyler e me perguntava como seria se o mesmo acontecesse com o meu irmão. Não sabia exatamente se era um fardo ou uma qualidade me colocar tanto no lugar das pessoas, mas definitivamente isso não era uma coisa que eu queria mudar. 

Aquele jovem chorando copiosamente precisava de ajuda e isso era visível. Acontece que, depois de alguns minutos, eu também comecei a chorar e de repente as coisas mudaram. Além de Erick, eu também era um jovem que precisava de ajuda. 

Não fazia a mínima ideia de como superaria aquele momento difícil em minha vida, já não tinha certeza sobre o lugar que queria ocupar... tudo era tão confuso que acredito que se perguntassem meu nome, não saberia responder. 

– Sempre que quiser, pode me mandar mensagem, Erick. Não apenas quando precisar, é sempre que quiser. – olho nos olhos dele, enquanto seguro seu rosto. As lágrimas desciam de seus olhos de forma silenciosa e calma, mas era visível que elas estavam afogando-o de dentro para fora. – Eu sou o seu irmão também. 

– Obrigado. – ele me abraça com força e eu retribuo. 

Enquanto abraço Erick, observo a foto de Dorian mais uma vez. Nela, ele estava sorridente, como sempre, com cabelos relativamente grandes, mas muito menor do que a última vez que eu tinha o visto. Quando fechei meus olhos, senti mais uma vez em minha memória o beijo que ele tinha me dado em nossa última despedida. Era cortante. 

Ainda naquela semana fui visitar os pais de Brie, antes de voltar para a Europa. Dei a notícia para eles sobre me mudar para a Europa e os convidei para que me visitassem, quando fosse possível. Na minha viagem de volta, apenas pensei em como seria entrar em uma pista para correr novamente. 

Dei diversas entrevistas sobre o ocorrido na última temporada e expliquei um pouco melhor o que tinha me feito dar uma pausa. Expliquei que já estava com a cabeça cheia pelo falecimento de um dos meus técnicos mais memoráveis – Wallace – e que tinha tido outros problemas pessoais. Dessa vez, todos pareceram entender. 

Na volta, percebi que tinha perdido parte da minha destreza em pista. Era como se estivesse descalibrado. A partir daí, uma corrida contra minha própria vida começou. Meus treinos ficaram ainda mais intensos do que já eram, mas pelo menos agora eu não tinha mais dores e conseguia controlar minha própria mente. 

As primeiras corridas foram devastadoras. Não consegui boas colocações, o que me deixou cada vez mais desacreditado de conseguir ser o campeão daquele ano. Isso, até algo acontecer. Me lembro bem de acordar em um dia de quinta-feira, para treinar, e começar a recordar de todos os meus macetes para pilotar. Era como se minha memória muscular estivesse começando a me dar retorno sobre tudo o que passei a vida inteira estudando. 

Minha colocação continuava não sendo nada favorável, mas coloquei em mente que precisava lidar com um passo de cada vez. Precisava me preocupar com uma corrida por vez e ao invés de focar no placar geral, precisava ter em mente que a cada circuito eu tinha uma nova chance. Aos poucos, comecei a ultrapassar todas os os meus concorrentes. Vencendo uma corrida de cada vez, minha somatória de pontos começou a extrapolar a dos meus colegas.

Provavelmente o que fiz, foi canalizar meu remorso em dedicação. Em nenhuma das minhas corridas reclamei de dores, mesmo que as sentisse com frequência. Compensar qualquer desbalanço com o braço não era mais um problema. E cada vitória, pra mim, se tornava visceral.

Fiz muitos amigos pilotos, enquanto corri, mas confesso que não chegavam aos pés dos meus verdadeiros amigos. A cada festa do campeonato, eu percebia o quanto era feliz e não compreendia. Fora que meus pensamentos ecoavam para "e se eu, quando desloquei o ombro, tivesse ficado e permanecido?".

Isso, porque para o Jensen de um ano atrás, era absolutamente impossível experimentar a felicidade sem a vitória de ser um piloto MotoGP, mas agora, mesmo eu estando tão próximo, o sabor era bem amargo. Por mais que eu sempre tenha dito que pagaria um preço por uma escolha consciente, preciso admitir que nunca imaginei que seria um preço tão alto.

Ganhar o Moto2 pela segunda vez, foi recompensador. Mais uma vez era como se eu calasse a boca de todas as pessoas que diziam que eu tinha vindo do nada e para nada. Naquele mesmo ano muitas pessoas descobriram sobre o meu avô e algumas matérias saíram sobre a nossa semelhança física. 

Bem, acredito que demorou bastante para isso acontecer, tendo em vista que corro desde pequeno e ele foi meu treinador. De qualquer forma, era muito confortável perceber que eu estava ocupando o lugar que deveria ocupar. 

Por outro lado, minha comemoração foi dentro de uma banheira gelada. Mesmo com diversos convites para festas imensas, preferi, pela primeira vez, preservar meu corpo um pouco. E por incrível que pareça, durante todo o final do mês de novembro, fiz tratamentos intensos para dor e procurei uma nova equipe, com uma moto em posição menos agressiva e com melhor desempenho.

Dessa forma, eu não precisaria ter que exigir tanto do meu corpo em pista. Por mais que fosse grato a equipe na qual tanto tinha caminhado junto, tinha que começar a considerar que estava na hora de deixar a fidelidade de lado pela minha saúde.

Ainda no novembro daquele ano não fui aos Estados Unidos, minha família veio até mim. Eles não poderiam ficar comigo até o Natal e Ano Novo, por esse motivo aproveitei o final de novembro como nunca. Passeando juntos, eles moraram comigo no hotel que eu vinha morando há algum tempo e enfim pude conversar com minha mãe sobre faculdade.

– Vou ficar pela Inglaterra mesmo. – digo. – Ano que vem tem seletiva do MotoGP em Milwaukee, quando passar, quero me estabilizar. – ela sorri.

– Porque acha que já vai alcançar seu maior sonho e está procurando novas metas? – sorrio.

– Também. Ninguém me para mais, eu acho. Ano que vem vou correr nesse campeonato e depois vou ganhar ele todos os anos, até me aposentar. Acho que preciso focar em alguma coisa além... – comento e ela me observa por alguns segundos. 

– Por que não faz sua seletiva aqui? 

– Porque aqui tem muitas pessoas que eu não gosto. Quero fazer em casa. Eu sobrevivi a essa temporada, mãe, pelas mensagens de apoio. Você sabe que ano passado foi meu inferno na Terra. Minha casa e minha família me reergueram. Isso me fez vencer tudo que aconteceu. – respiro fundo e ela brinca com meu cabelo. 

– Eu sinto muito, meu filho. Por tudo que precisou passar. – observo minha mãe. – Você é muito novo pra lidar com tudo isso. Agora que vai fazer seus 20 anos e carrega tantas coisas nas costas, nunca reclama...

– Não paro de pensar o quanto meu egoísmo demarcou o destino dele. – meus olhos se enchem. – Ele lutou muito por nós, deu tudo que tinha, me amou intensamente e eu... o mais engraçado é que quando soube que ele não estava bem, larguei uma corrida 5 minutos antes de ela começar. Será que correr era realmente mais importante que ele pra mim? – olho nos olhos de minha mãe.

– Ele foi seu primeiro amor, é mais intenso e dolorido. Mas tenho certeza que ele não te culpa por nada, porque independente de qualquer coisa, você fez o que achava que era correto para si. Lembra quando apoiou seu irmão por defender Anista, mas disse a ele que tudo tinha consequências e que a consequência da atitude dele era ficar de castigo, mesmo estando certo? – concordo com a cabeça. – Você escolheu seu sonho, acima de tudo, qualquer coisa e qualquer pessoa. Sempre deixou isso claro, porque sempre foi um homem sincero. Se infelizmente algo trágico aconteceu no caminho, tinha que acontecer.

– A coisa mudou de figura, porque antes eu tinha várias opções para poder escolher correr. Agora correr é tudo que tenho, que posso e que devo fazer. – ela me puxa para si, encostando nossas cabeças.

– Mamãe ama você. – ela diz. – Mas saiba que meu coração ainda fica apertado vendo suas corridas. Principalmente depois do que aconteceu com seu colega. 

– Nunca vai conseguir se entregar completamente, né? – ela nega com a cabeça.

– Quando te vejo em cima de uma moto meu coração gela. Sempre. E eu sei que você respeita isso, por isso quando tinha 12 anos parou no meio da corrida para salvar aquele garoto. 

– Se lembra disso? – pergunto e ela confirma com a cabeça. – Ele foi a primeira pessoa que não pude salvar. Depois dele vieram muitas outras. O que adianta tentar fazer o certo, se o meu certo sempre dá errado? 

– A vida não se importa se está tentando fazer o certo ou não. Ela anda no ritmo e nas regras dela. O que importa é se está seguindo os valores que tem, as coisas que aprendeu ao longo da sua vida. – ela segura meu rosto. – Você é meu menino de ouro, e sempre será assim. É a luz que ilumina meu caminho todos os dias, por isso tenho medo de te perder. Se acontecer, Jensen, não sei o que vou fazer. 

– Por que veio me apoiar aqui esse ano? – pergunto e ela dá de ombros. 

– O Jim me disse que se eu continuasse irredutível, na primeira oportunidade que você teria, me tiraria da sua vida. – nego com a cabeça, sorrindo. 

– Sou um pouco cabeça dura, mas será que isso vale pra você? – pergunto.

– Claro que vale. – rimos e ela me dá um beijo na bochecha. – Seu pai tem uma nova amante. – observo ela. – Marina. Ela é bonita, inteligente, ele anda viajando bastante com ela nesses últimos dias. 

– E a separação? 

– Se tudo der certo, todas as documentações estarão reunidas até a metade do ano que vem. O que vai ser excelente, porque o Tyler já vai estar entrando no segundo ano. – ela comenta. – Não desisti da promessa que te fiz. Você tem uma força descomunal, Jensen. Me inspiro nisso. 

– Obrigado. – é o que respondo. – E como foi esse começo de primeiro ano do menino? – ela sorri. – Colocou ele na escola que eu indiquei?

– Sim, ele ficou chateado, porque queria ficar perto de casa, mas acho que já está se acostumando. Mas te digo, tenho sérias inclinações a trazer ele pra sua antiga escola. A nova é longe, o Vante tem trabalho em dobro com ele e Anista... 

– Ele ainda está no meio do ano letivo. Vai por mim, ele vai se adaptar, ano que vem ele faz 16 e pode tirar a carteira... – ela me observa. 

– Não dê uma moto a ele. – minha mãe pede e eu sorrio. 

– Ele vai ficar dezembro comigo, tudo bem? Dia 2 de janeiro ele volta pros Estados Unidos. Eu vou dia 10 para a seletiva e pra encerrar um problema. Tudo bem? – ela confirma com a cabeça, impaciente. Abraço minha mãe. – Não sai da minha cabeça, desde que aquilo aconteceu, que eu poderia ter evitado. De todas as formas possíveis. Sabíamos que os pais de Dorian eram problemáticos...

– Deveria ter dito. Mas até onde sei, o amor dele pelos pais o sufocava. Acho que todos os seres humanos têm esse defeito, filho, de não dar importância às coisas, até que tudo se torne irreversível. Sempre achamos que teremos uma nova chance. – ela comenta e eu concordo com a cabeça. 

– Esperava ter a oportunidade de voltar e conversar com ele um dia, de resolver. No fundo eu acreditei que por mais que os pais dele fossem complexos, eles não seriam capazes de fazer nada tão brutal... – engulo seco a saliva que rasga minha garganta. 

– Você é imperfeito. – olho nos olhos dela. – Muito, assim como todos nós. E às vezes essa imperfeição nos traz um fardo mais pesado do que nossa alma consegue carregar. É como se nossa alma permanecesse arrastando correntes por toda a existência. Eu sinto muito que tenha que lidar com isso tão jovem... e em silêncio. – ela acaricia meu rosto e uma lágrima solitário desce pelo meu rosto. 

– Todos os dias eu penso em como me tornar alguém melhor, mas parece que meus erros se tornam ainda piores. O meu silêncio custou a vida de duas pessoas incríveis... parece que eu só retrocedo. Não mereço compaixão ou compreensão, eu mereço deixar de existir. Acho que as coisas seriam melhores assim. 

– Nunca mais repita isso. Você é uma pessoa boa, Jensen. E todos os dias as pessoas aprendem contigo, tiram de você algo de bom para se espelhar. Eu aprendi... se não, ainda seria veementemente contra seu sonho e agora estamos aqui, contigo. – sorrio. – Eu te amo, meu filho. 

– Eu... – travo por alguns segundos. 

– Termina. – ela pede, olhando em meus olhos e eu respiro fundo. 

– Eu também te amo, mãe. – falo, enquanto minhas mãos tremem e ela as segura, sorrindo. Isso era muito difícil pra mim. 

No final, toda a minha família era um pouco inflexível quando o assunto eram suas convicções. Desde o meu avô até eu, era como se nascêssemos com uma marca, costume ou um objetivo, que não podia ser modificado em hipótese alguma. Felizmente, no entanto, agora na minha geração eu tinha conseguido mudar um pouco o curso das coisas, tornando relativamente mais fácil mediar conflitos. 

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