Capítulo VII - Rosas Sangrentas e Irish whiskey com Ginger Ale

- Então, você vai com a gente? - perguntei ao telefone pela décima vez sem acreditar na resposta

- Pela milionésima vez, sim - riu - eu não aguento mais ficar nessa casa lembrando e me torturando. Vai ser ótimo me distrair por uma noite ainda mais com tão belas companhias.

- Porque  será que eu acho que você está sorrindo descaradamente do outro lado dessa linha? - ironizei.

- Por que eu estou - era ótimo ouvir a voz dele alegre outra vez e sendo assim deixei aquela sem resposta - e por que será que eu acho que você revirou os olhos?

- Por que eu revirei - foi a minha vez de dar risada e ele acompanhou - Então tudo certo Jhonny a gente se vê hoje lá no pub. Se tiver alguma amiga pra apresentar a Dandara... - sugeri.

- Olha e não é que eu tenho? Mas não sabia que Dandara era lésbica ela tinha ficado no maior clima com... com  " ele" - pigarreou - que eu achei até que eles fossem dar um olé na gente.

- Acho que estavam mais pra amizade pelo que ela me falou, mas enfim - cortei o assunto - não fura ok? Estaremos te esperando.

- Pode deixar chefia. Até lá.

- Até. - desliguei me jogando no puff da sala.

Eram nove horas da manhã de sábado e como eu iria sair com Dandara resolvi chamar o engenheiro pra vir conosco. Por mais que achasse que ele não iria aceitar fiz o convite mesmo assim, sabia que era algo que de estava precisando nessa fase do luto.

De repente a porta bateu com estrondo e a psicóloga entrou correndo no apartamento abanando o celular na mão, enquanto tentava em vão pronunciar alguma coisa que a falta de ar tornava impossível de dizer.

- Resolveu correr uma maratona e não me contou? - brinquei.

- Muito...engraçado - ofegou - O assunto...é sério.

- Então senta aqui - me levantei e a puxei pelo braço a levando ao sofá - e respira enquanto eu vou buscar um copo com água pra você. 

Ela abanou as mãos e estendeu o aparelho parecendo trazer a notícia de que a Terceira Guerra tinha eclodido.

- Olha...olha a matéria principal.

Olhei pra ela desconfiada e peguei o telefone com cautela. Quando olhei a manchete do site de notícias que estava aberto entendi por que ela estava tão aflita.

" Rasgada ao meio, proprietária de livraria é encontrada morta perto de casa "

Arregalei os olhos tentando enxergar direito e ver se meus olhos não estavam me enganando quando vi a imagem da vitima. Olhei para Dandara que me encarou de volta em uma conversa muda.

- Lorelei MacDonnel - comecei a ler  - era dona de uma rede de livrarias irlandesas espalhadas por todo o território nacional. A empresária de cinquenta e três anos de idade vivia uma vida pacata em Bray onde administrava uma de suas lojas longe da agitação de Dublin. - minha voz falhou e limpei a garganta pra prosseguir.

- Nesta manhã de sábado, (14), foi encontrada por sua filha mais velha no quintal da residência onde morava, com o corpo aberto na vertical e com a região do abdômen dilacerada.

" Mamãe sempre acordava com o sol pra ir aguar as plantas e cuidar dos animais lá de casa. Então sempre que eu levantava ela estava lá no Jardim depois de deixar o café pronto. Quando fui atrás dela poucas horas atrás, ela estava lá, em cima da roseira vermelha e naquele estado horrível!" - declarou Denise McDonnel a filha de Lorelei. A polícia ainda investiga e pelas informações atuais faltava o intestino delgado no corpo da vítima. A inteligência irlandesa associa esse homicídio ao de Dave Hughes na sexta feira passada (6), e cogita potencialmente a existência de um Serial Killer."

Sem saber o que fazer ou como agir, fiquei em silêncio.

Lorelei estava morta. Eu havia trocado apenas algumas poucas palavras com ela, mas saber que morrera dessa forma era assustador.

Outra vez o assassinato fora brutal e sangrento. Outra vez levaram um órgão e deixaram os outros intactos. Outra vez fora alguém que eu conhecia.

- Eu até agora estou sem acreditar nisso - Dandara começou - como que alguém corta uma pessoa ao meio, pega as tripas dela e sai andando sem ninguém ver? - Ela mesma foi a cozinha buscar a água e falou de lá.

- Eu não sei - suspirei - isso parecia tão surreal, tão "coisa de filme " há dias atrás e de repente se torna rotina? - passei as mãos no cabelo aflitamente.

- Hey não precisa ficar assim - Dandara se aproximou - Eu sei que isso dá muito medo, mas vai ficar tudo bem com a gente. Vem cá - Ela passou os braços por mim e eu retribui o abraço.

Eu não estava com medo. O que realmente estava me corroendo era uma sensação de culpa.

Eu sentia que de alguma forma eu era responsável por aquelas mortes. Eu não conseguia acreditar que fosse mera coincidência as pessoas com quem eu tive contato desde que cheguei aqui serem as vítimas.

E se os próximos fossem Jhonatan e Dandara?

- Você não acha melhor ficarmos em casa hoje Dandara? - perguntei receosa - a gente desmarca com o Jhonny e...

- Não não e não, nada disso, negativo senhorita. - balançou a cabeça de um lado pro outro - Eu me recuso a deixar você se afogar em pensamentos mórbidos que eu sei que estão passando pela sua cabeça. A gente vai sair, vai se divertir e vai beber até você esquecer por uma noite todas essas barbaridades e relaxar a cabeça. - começou a me empurrar em direção ao quarto - Agora vai lá tomar um banho.

- Banho? Você quer começar a se arrumar agora? Não passou nem a hora do almoço! - protestei

- Nós vamos ter um "Dia de Spar no apartamento ". Nada melhor que cuidar do corpo pra cuidar da mente agora anda, vai vai vai! - Ela literalmente me enxotou pra suíte e saiu do meu quarto.

E realmente foi o que aconteceu. Ela tinha todo um estoque de essências e óleos  naturais, hidratantes, cremes pras mãos, pro rosto, esfoliantes, tudo que existe pra cuidado da pele e dos cabelos existente no mundo devia ter ido parar em minha casa.

E confesso que foi algo muito renovador. Eu nunca tinha sido até então uma pessoa muito vaidosa, mas depois de descobrir ser tão extremamente prazeroso eu fiz minha própria coleção de produtos.

Foi um dia delicioso cheio de chá, vaidade e música boa. Meu cabelo e minha pele estavam tão hidratados e macios que eu custei a acreditar que era realmente eu. E ela estava certa, havia feito muito bem pra minha cabeça, que de certa forma se desafogou um pouco do que estava acontecendo.

Quando já eram nove e meia da noite chegamos ao pub marcado. Jhonatan já se encontrava lá e tinha pego uma mesa a quatro onde ele e uma outra mulher estavam. Ele usava uma camisa vinho aberta no peito e calças jeans - que ficaram ótimas nele diga-se de passagem - e quem o acompanhava era uma bela loira de cabelos longos e pontas coloridas de azul, com um vestido também da mesma cor.

- Olá meninas - Jhonny se antecipou - estão lindas, como sempre.

- Você também não está nada mal - o cumprimentei com um beijo no rosto.

- Nada mal? - questionou em um falso tom de ofendido.

- Quer que eu te chame de que? Príncipe? - arqueei as sobrancelhas. A loira deu risada. - Já que Jhonatan ainda não fez, prazer, eu sou  Rebecca. - me dirigi a ela.

- Eu sou Elizabeth, ou lizzie. - Mais uma leva de beijo no rosto e Dandara fez o mesmo.

- Então garotas, vamos pedir? - eu sentei ao lado de Dandara, de frente pra mim estava Jhonny, e dela Elizabeth.

- Eu não sei, queria experimentar alguma coisa daqui, só que sem ser a cerveja.

- Eu tenho uma sugestão, mas ela não costuma ser pra amadores - estreitei os olhos pro moreno.

- Está nos desafiando? - Dandara se antecipou - diz logo que bebida é essa.

- É um drink com nosso Wiskey Irlandês. - ele olhou pra nós.

Eu e Dandara nos encaramos e sorrimos uma pra outra respondendo em uníssono:

- Topamos.

- Eu também estou dentro - Elizabeth se pronunciou na mesma hora em que um garçom aparecia.

- Okay então. Pode trazer as doses do Irish whiskey com Ginger Ale pra quatro. - pediu ao atendente

- Vocês estão gostando daqui? - Elizabeth puxou assunto jogando o cabelo com mão pro lado.

- Bastante. Eu já estou quase conseguindo arrumar as burocarias pro meu escritório de psicologia e Rebecca já está mais que ajustada no emprego novo. - Ela lançou um olhar sugestivo pra mim e Jhonatan e eu a repreendi a olhando de volta - Que foi? Não disse nada demais. - Ajeitou o volume dos cachos.

- Você trabalha com o que? - perguntei a nossa convidada.

- Eu sou gerente de um Hostess aqui em Dublin, ele é da minha família.

O garçom voltou com os copos cheios da bebida dourada com rodelas de Lima dentro. 

- Essa é a sua bebida " para fortes "? - zombei olhando pra Jhony e pegando meu copo da bandeja.

- Não julgue antes de provar - lançou um olhar malicioso em minha direção.

- Isso vale pra mais alguma coisa? - sustentei os olhos dele com os meus.

- Elizabeth você tem isqueiro ou fósforo aí? - Dandara cortou.

- Pra que? - Ela retrucou confusa.

- Pra acender as velas que estamos segurando aqui - a loira riu - joga sinuca?

- Desde de sempre, vamos? - perguntou se levantando.

- Agora! Minha vela já derreteu. - A cacheada deu uma risada e saiu no encalço de Elizabeth com os copos em mãos.

- Vai ficar enrolando pra beber? - a voz do moreno me puxou de volta a atenção.

Em resposta eu virei um longo gole do drink na garganta. Era refrescante, mas forte e fechei os olhos com força antes de colocar o copo de volta a mesa.

Jhonatan virou a mesma quantidade completamente confortável e obviamente acostumado com a sensação, e com um sorriso debochado pousou o recipiente na tábua lisa.

-  Não é tão ingênua quanto aparenta não é?

- É - olhei pro copo - me surpreendeu, mas é muito gostosa. Espera só eu me acostumar com ela. - dei outro gole.

- Já que elas foram pra Sinuca o que acha de dardos? - se levantou.

Em resposta apenas o segui em direção ao círculo do jogo pregado na parede.

- Eu já mencionei - me posicionei de frente ao alvo com o objeto pontiagudo em mãos - que eu tenho uma pessima mira?

- Ninguém aqui é profissional - ele riu.

- Não é isso, e se eu acertar isso no olho de alguém? - virei de frente pra ele que estava ao meu lado.

- Olha não tem segredo - Jhonatan se colocou atrás de mim e ergueu meu braço direito com o dardo apontando pro centro do círculo - o segredo está mais nas mãos que nos olhos. Não pode deixar que ela fique dura demais nem mole demais, faça o movimento do pulso na hora da finalização com o braço.

Ele simulou o movimento de acordo com o que falava em demonstração. Eu poderia ter reclamado dele se aproveitar da situação se eu não tivesse me aproveitado dela também.

- Assim? - fiz o que ele falou faltando pouco pra acertar o centro e virei o rosto pro lado encontrando perigosamente o dele que se postava no mesmo lugar.

- Você já sabia atirar não é? - perguntou retoricamente. A proximidade me fez sentir sua respiração em minha pele e o cheiro do seu perfume - posso dizer que me sinto usado.

- Chumbo trocado não dói. E além do mais eu nunca disse que não sabia atirar dardos. Disse que minha mira não era boa.

- Eu ia pegar leve com você por ser " principiante ", mas já que é assim com licença senhorita. - trocamos de lugar para que ele jogasse.

- A vontade "mestre".

Ironizei e fui buscar mais Irish whiskey com Ginger ale, aquela bebida era uma das melhores que já tomei. Não sei quanto tempo ficamos bebendo e jogando, eu só sei que uma certa hora já não haviam pessoas ao redor e acho que era por medo de serem acertados pela mulher chapada, que no caso era eu.

Sei também que em determinado momento onde era minha vez de jogar, eu parei e fiquei a olhar Jhonatan. Ele percebeu obviamente e se aproximou de mim a passos lentos, eu já nem lembrava mais de Dandara naquela altura da noite, mas provavelmente tinha ido com Elizabeth pra casa.

- Algum problema? - questionou.

- Na verdade sim - cheguei ainda mais perto a ponto de ficarmos cara a cara - mas ele é de fácil solução.

- E qual seria? - ele sabia o que era, mas fez questão de conferir nos meus olhos.

Em resposta puxei-o pra mim com volúpia, e suas mãos agarraram minha cintura com força me colando ainda mais a ele enquanto uma das minhas foi parar em seu cabelo.

Diferente do beijo roubado que estava mais para uma brincadeira, esse tinha um desejo contido que foi liberado aos poucos enquanto misturávamos nossas temperaturas.

Tínhamos ficado nessa ânsia desde que nos conhecemos, eu fui embora por ter trabalho no dia seguinte antes de irmos para um lugar mais reservado e depois veio a morte de Dave e toda a situação do luto. Essa vontade havia sido empurrada pro canto da mente até a bebida tirá-la de lá.

- Já cansou dos dardos? - sussurrou contra minha boca.

- Prefiro outro tipo de jogo - foi a vez dele capturar meus lábios e entrelaçar os dedos em meus fios escuros.

É, se eu queria esquecer os acontecimentos dos últimos dias ao menos por uma noite, eu tinha conseguido.

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