primeiro encontro?
O sinal para o intervalo havia soado. Thomas e Grace conseguiram sair da escola para uma padaria ali perto. A padaria era uma das maiores da cidade, com uma área acima coberta de mesas para cafés da manhã e lanches da tarde. Chegaram na padaria um pouco fatigados, afinal correram muito para chegarem ali, tudo porque Grace não podia perder a aula.
— Não posso perder a próxima aula — falou pela trigésima vez. — Temos que ser rápidos.
— Tá bom, senhorita. Não vamos nos atrasar. É só um lanchinho rápido.
Pararam no balcão e cada um escolheu o seu donut. Grace escolheu um igual ao que havia pedido no dia anterior, de chocolate com granulados coloridos. Thomas escolheu um de doce de leite com flocos de arroz. Pegaram os donuts e subiram para sentarem-se na mesa mais próxima. Era uma pequena mesa de só dois lugares, um de frente para o outro.
— Vai querer beber alguma coisa? — perguntou Thomas.
— Não. Acho que só o donut está ótimo.
— Certo.
Começaram a comer. Grace estava tomando cuidado para que não acabasse se lambuzando de chocolate, sem sucesso algum. Donuts foram feitos para sujar os cantos das bocas.
— Mas, e aí? Alguma novidade? — Grace perguntou, achou Thomas calado demais.
Depois de mastigar por uns bons segundos, Thomas respondeu.
— Não.
— Você sempre demora para responder quando está comendo?
— Comer é sagrado. Sem contar que é falta de educação falar de boca cheia e sujar toda a cara como você.
— O quê? — perguntou Grace, limpando os cantos da boca com o dedo.
— Não... — Thomas pegou um guardanapo, afastando as mãos de Grace do rosto. Grace sentiu que ele iria tocar seus lábios com o guardanapo, como nos filmes romântico-clichês que ela já havia assistido, o que fez com wue ela ficasse meio apreensiva, mas ele acabou desviando um pouco e limpou uma grande mancha de chocolate da bochecha dela, nada romântico. — Desculpe a intromissão, mas estava nojento — ele disse sem disfarçar o riso.
— Você é muito indelicado.
Levou uns longos segundos até que Thomas parasse de mastigar um outro pedaço para responder.
— Eu não tenho culpa se você não sabe comer.
A verdade é que Grace estava nervosa. Não queria mesmo perder a aula e havia comido rápido demais. A sua ansiedade também tinha outro nome: não queria que alguém a visse ali com alguém que não fosse o seu namorado. Sabia que, mesmo a padaria estando vazia, havia uma grande probabilidade de que alguém os visse e espalhasse para a cidade quem era a mais nova namoradinha de Thomas Fraser. E se Lydia soubesse daquilo? E se Matthew ouvisse falar daquilo?
Estava quase nas últimas mordidas quando Thomas percebeu o quanto ela olhava para fora da padaria e mastigava rapidamente.
— Ei, calma! Ainda faltam vinte minutos...
— Tudo bem... — Grace respirou fundo para tentar se acalmar.
— Você sempre foi assim?
— Assim como?
— Assim... —Thomas apontou para ela com o seu donut — Nervosa.
— Não gosto de perder as aulas.
— Entendi. — Voltou a comer tranquilamente o seu donut de doce de leite. Algo dizia que aquele donut estava muito mais gostoso do que o dela.
— Você nunca foi muito de ir às aulas, não é?
— É... Às vezes eu gostava de ver uns desenhos animados... — Thomas brincou.
— E seus pais nunca ligaram?
— Não... Minha mãe não gostava muito que eu fosse para a escola, na verdade. Ela gostava de me ensinar em casa.
— Sério? Tipo homeschooling?
— É. Eu gostava... Não precisava ir à escola e aprendia muito mais...
— Então é por isso que você sempre foi bem nas provas?
— Tudo culpa da mamãe — Thomas disse com um sorriso no rosto.
— Me fala um pouco dos seus pais... — Grace tentou esquecer um pouco o quanto estava nervosa para voltar à escola.
— Hum... — Thomas levantou uma sobrancelha. — Sério?
— Sim. Eu adoraria saber.
— Meus pais nasceram em Plymouth e se mudaram para cá quando eu tinha—
— Cinco anos. — Grace revirou os olhos. — Não é disso que eu quero saber. Como eles são?
Thomas engoliu mais um pedaço do seu donut, deixou em cima do seu prato e esfregou as mãos para começar a falar.
— Minha família — fez uma cara pensativa, — minha família é ótima. Minha mãe é a mulher mais inteligente que eu conheço. Meu pai é bem legal. Meu irmão está na faculdade, faz engenharia mecatrônica e ama essas coisas tecnológicas que, dizendo ele, revolucionarão o mundo daqui uns anos.
— Só isso que tem a dizer?
— É que eu não contumo falar muito sobre a minha família. Na verdade, ninguém nunca me perguntou sobre eles.
— Entendi — pensou em qualquer coisa para interrogá-lo, não queria pensar na escola. — E você pretende fazer faculdade do que? Espera, deixa eu adivinhar... Ciências!
— Oi? Eu não sei ainda.
— Sério? — Agora foi a vez de Grace levantar a sobrancelha. — Eu jurava que você tinha tudo planejado.
— E aí você achou que eu queria ser professor de ciências biológicas? — Thomas franziu o cenho, porém rindo.
— Não. Eu achei que quisesse ser astronauta.
— Astronauta? — Thomas soltou um riso abafado, quase alto. — De onde você tirou isso?
— Oras. Da sua facilidade com todas as matérias. Da sua capacidade intelectual. Da sua olimpíada de astronomia...
— Isso não quer dizer nada... — Thomas voltou a ficar sério. — Acho que o grande problema é esse. Ser bom em todas as coisas e não conseguir se decidir sobre nada.
— Uau! - Grace fez uma careta de quem estava impressionada. — Problemas de nerds.
— Não... — Thomas riu. — Você não me entendeu. Eu quis dizer que eu sou bom em quase tudo, mas não bom o suficiente em uma coisa só.
— Tá, eu entendi.
— Entendeu mesmo?
— Acho que você tem um outro problema... — Grace sorriu.
— Qual?
— Você não consegue expressar quem você é em palavras. Às vezes soa arrogante.
— Você também acha que sou arrogante? — Thomas soltou seu donut no prato, esperando pacientemente sua resposta.
— Não. Acho que você não faz o uso correto das palavras. E as pessoas te consideram arrogante por isso.
— Você ainda acredita que eu seja arrogante?
— Não.
— Isso é suficiente. — Voltou a comer seu donut.
Thomas parecia realmente preocupado com o que Grace pensava sobre ele. Tanto que chegou a enrijecer o rosto quando perguntou para Grace se ela o considerava arrogante e, quando ela respondeu que não, sua expressão foi de alívio. Grace pôde notar um sorriso tranquilo aparecer no rosto de Thomas e quase se convenceu de que gastara muitos anos de ódio em vão. Ele não era o que ela havia pensado.
Aquele pensamento fez os dois ficarem calados por algum certo tempo. Um silêncio constrangedor, mas também muito revelador. Grace quis romper com aquilo imediatamente.
— Posso te perguntar uma coisa?
— Sim. — Thomas levantou os olhos depois de uma mordida no seu donut.
— Seu donut está bom?
— Você quer um pedaço, não quer? — Thomas sorriu.
— Não... É que eu nunca comi um que não fosse de chocolate com granulados coloridos em toda a minha vida.
— Você não pode deixar que as coisas boas da vida, como um donut, irem embora, Grace Daves! — Disse Thomas, esticando o braço para que Grace pudesse provar uma parte do seu donut que não estivesse mordida.
Grace deu uma mordida singela no donut. Não queria que Thomas a considerasse uma devoradora de donuts. Enquanto mastigava, pensou seriamente no que Thomas havia dito sobre 'as coisas boas da vida que não devem ir embora'. Pensou em sua vida. Será que estava deixando alguma coisa passar? Será que estaria se conformando com uma realidade que talvez não fosse tão boa assim? Se a sua vida fosse um donut de chocolate com granulados coloridos, Grace havia acabado de perceber que o donut de doce de leite com flocos de arroz era muito melhor. Mas isso não fez sentido algum. Desde quando a vida pode ser comparada com um donut? Por ser defensora do uso das metáforas, Grace até se perdia nas que construía.
— Que tal? — Perguntou Thomas, vendo que Grace não iria falar nada.
— Perfeito.
— Então você não perde por esperar! Você vai adorar os donuts de chocolate com avelã, mirtilo e morango... Vou te apresentar um novo mundo de donuts.
Grace sorriu. Ainda confusa sobre a sua metáfora. Essa última frase de Thomas se encaixava de alguma maneira no que havia pensado.
— Acho que temos que voltar, Thomas.
— Sim. Cinco minutos. Temos que correr.
Desceram para o balcão e Grace se arrependeu amargamente do que disse quando chegaram ao caixa para pagar o donut um do outro.
— Você vai mesmo fazer a mocinha pagar o donut bem no primeiro encontro? — Era para ser só mais uma brincadeira, mas não conseguia que as brincadeiras soassem tão bem com Thomas.
— Isso foi um encontro? — Thomas não pôde deixar de se sentir impressionado com a frase de Grace, levantando mais uma vez uma sobrancelha.
Grace tinha que resolver aquela situação o mais rápido e naturalmente possível.
— Não, idiota. É só porque eu esqueci de trazer dinheiro hoje. Estou te devendo uma.
— Ah, sim. Não faz mal. Eu te disse que meus amigos só me dão prejuízo. Nunca deixaria uma amiga como você na mão.
Foi assim, com essas solenes palavras, que Thomas e Grace tornaram-se grandes amigos.
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Não esquece a estrelinha. ⭐
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