o pedido de casamento
Foi com muita relutância que Grace apagou toda a sua conversa com Thomas. Não queria que o seu namorado visse que havia conversado com Thomas e que, mesmo que de modo sutil, ele tivesse falado coisas demais para ela. Partia seu coração fazer aquilo, sabia que estava tudo errado. Desse modo, o fim de semana de Grace e Matthew foi livre de qualquer discussão ou de qualquer mal entendido. Resolveram esquecer todo aquele assunto sobre Thomas e fizeram com que tudo ficasse normal. Foram ao shopping, visitaram os parentes de Matthew e no domingo foram à igreja.
Grace havia ficado um pouco incomodada com as pessoas que perguntavam para eles quando é que iam se casar. Matthew dizia com um sorriso de orelha à orelha que em breve, e Grace dava um sorriso simpático, concordando com o namorado. Logo no final do culto, quando estava se despedindo de Matthew, o viu mais nervoso do que o habitual para pegar o ônibus de volta a Boston.
Sabia o que acontecia quando ele fazia uma surpresa para ela. Ele ficava com uma cara preocupada e meio que saía de si. Aconteceu a mesma coisa no dia dos namorados, quando ele apareceu com um buquê de flores. No aniversário dela, quando ele fez uma serenata. No natal, quando ele se vestiu de duende do papai noel. Coisas assim. Ela sabia o que viria. Se não estivesse muito enganada, em poucos minutos, estaria noiva.
Ali na rodoviária, Grace viu que alguns conhecidos estavam passando. E, de repente, a rodoviária estava lotada, num círculo gigante em volta dos dois. Matthew se ajoelhou.
— Amor, não precis—
— Grace Mercer Daves... — Matthew sorria nervoso, olhando para ela e para toda a multidão que os ouvia. Grace levantou os olhos e viu seus pais. Sua mãe estava chorando e seu pai sorria, sem graça. Ela não podia se casar, não agora, não com ele — Você aceita se casar comigo?
Dentro de toda aquela multidão, viu Lydia sorrindo para ela e dizendo para ela aceitar logo.
Mas também conseguiu avistar Thomas, bem no fundo. Ele estava triste. E impotente.
Ela estava com o futuro nas mãos. Pena que, diante de quase toda a North Adams, aceitar era a sua única opção. Ou seria capa de todos os jornais municipais, ou estaduais, ou até nacionais. Estava acabando com a sua vida, mas tinha que aceitar, mesmo que doesse mais do que tudo aceitar casar com alguém que não parecia ser a pessoa certa.
Quando estava decidida a aceitar... Se viu desmaiando.
Acordou num susto.
Olhou para os lados. Estava exatamente na sua cama, nada havia acontecido. Sem pedido de casamento. Olhou para a mão direita, nada de anel de noivado. Respirou fundo. Não sabia nem ao menos que dia era. O importante era que tudo não passava de um sonho.
— O quê?
Segunda-feira, oito horas da manhã. Não podia acreditar que havia perdido a primeira aula! Lembrou-se do que havia acontecido. Eles realmente foram ao shopping, visitaram os Thompson, foram à igreja. Depois do culto, Matthew fora simplesmente embora. E ela dormira demais. Precisava correr para, ao menos, conseguir chegar a tempo para a terceira aula.
Apesar do sentimento angustiante de ter perdido a hora, estava aliviada por não estar noiva. Não ainda.
•••
Pegou dois ônibus para chegar na escola e se espantou por não haver ninguém por lá. Subitamente, se lembrou. Terceira segunda-feira de fevereiro, Dia do Presidente. Feriado. Por que tinha que ser assim, tão desligada? Tudo porque havia sonhado com um pedido de casamento. Precisava de uma carona. Ligou para a mãe, mas ela não atendia. Não conhecia ninguém tão próximo que pudesse dar uma carona. Resolveu ir a pé para casa. Mesmo que chegasse lá no outro dia.
O sol estava causticante. Era somente primavera, mas em North Adams as estações pareciam não ter voz alguma. Ali havia um clima próprio. Suando e com a cabeça quente de tanto calor, não esperava o que estava prestes a acontecer. A verdade é que nem sabia onde era a casa de Thomas, mas havia passado bem em frente, exatamente naquele momento. Thomas estava lavando o seu carro com uma mangueira e um balde de sabão. Não a viu, por isso Grace olhou para ele e riu da situação.
— Ei, Thomas!
— Grace? O que faz por aqui? — Ele largou a mangueira dentro do balde.
— Eu tava indo para casa...
— Espera. — Olhou para a mochila nas costas da amiga. — Você não foi à escola, foi? — Antes que ela respondesse, começou a rir.
— É... Eu tive um pesadelo e perdi a hora... Daí, me esqueci que hoje era o Dia do Presidente e...
— Incrível como você é uma lerda mesmo! — Thomas ainda continuava a rir.
— Besta! Não me insulte! — Grace tentou dar uma de durona, mas não aguentou segurar o riso.
— Se eu fosse você, não me chamaria de imbecil, estou armado — Levantou a mangueira com água corrente.
— Não faça isso, Thomas! — Grace protegeu o rosto como um reflexo.
— Não vou. — Desligou a torneira. — Sua tonta.
— Ei, crianças! Querem uma xícara de chá? — Uma mulher de meia idade surgiu da porta da casa de Thomas, como se ela já soubesse que Grace viria.
— Mãe! Chá? Nesse calor?
— É chá gelado, Tom!
— Você quer, Grace? — Thomas perguntou, um tanto sem jeito.
— Ah, essa é a Grace? — disse a mãe de Thomas, aproximando-se e abrindo os braços para abraçá-la — Mas que linda! O Tom fala tanto de você! Prazer em conhecê-la, finalmente.
Grace tentou entender que aquilo era gentileza da mãe de Thomas, ou que ela estivesse a confundindo com outra pessoa, coisa assim, mas a cumprimentou do mesmo jeito.
— Prazer em conhecê-la, Sra...—
— Taylor. Me chame de Taylor.
— Minha mãe tem nome de homem — Thomas tentou não deixar Grace constrangida, mas não conseguiu.
— Você que tem, Thomas! — Taylor retrucou. Grace pensou que, como ela, a mãe de Thomas também não sabia muito bem como insultar alguém.
— Sou muito grato por isso, mulher!
— Mas, meninos... Um chá? — ela tornou a perguntar.
— Não, obrigada, Sra. Taylor. Estou bem.
— Tão fofinha, ela, Tom! — Grace se perguntava porque as pessoas tinham o costume de falar sobre ela como se não estivesse ali.
— Tá bom, mãe. Mas ela veio para tomar um sorvete comigo.
— Vim? — Grace ficou sem entender e sem saber como reagir.
— Então tá bom! Voltem logo!
'O quê? Que garoto presunçoso! Será que ele vai me cobrar pelo domut que eu não paguei?', pensou Grace meio que carinhosamente.
— Pode ser? — insistiu Thomas quando viu que Grace não saía do lugar.
— Po-pode sim, Thomas — ao mesmo tempo que ele era presunçoso, Grace não conseguia dizer não ao que ele pedia tão gentilmente e, infelizmente, não entendia o motivo.
•••
Chegaram numa sorveteria italiana bem próxima à casa de Thomas. Apesar de ser bem pequena, era uma das mais conceituais da cidade. Havia sabores exóticos e de todo tipo de cor que você possa imaginar.
Thomas colocou tantas bolas de sorvete quanto achou que comeria. Já Grace, que sabia que ele, talvez, quisesse pagar, porque foi ele quem a convidou, foi singela em sua formação de gelato. Os dois se sentaram juntos. Grace viu que Thomas havia feito algo curioso. Ele havia escrito "GRACE" com a calda de chocolate sobre o seu sorvete e ficou ali esperando-a olhar.
— Cara, você é mesmo idiotão, né? — Grace disse olhando em seus olhos.
— Por que, colega? — Falou como se nada tivesse acontecido.
— Por nada, babaca — de repente, Grace percebeu, aquele antigo ar de não-quero-te-ver que ela alimentara por Thomas há muitos anos deu espaço para um olhar de admiração, e aquilo parecia inevitável, e mais, parecia irrevogável.
Eles não conversaram muito, queriam só se refrescar e curtir o momento raro juntos. Pela primeira vez, Grace não se sentia nervosa sobre estar ao lado de Thomas. Havia se convencido de que eram somente amigos... mas aconteceu algo estranho.
Bem no momento em que os dois estavam rindo de alguma coisa que viram, como uma criança se lambuzando de sorvete, Lydia passava pela calçada. Estava indo para a casa de seus avós quando passou bem de frente àquela pequena sorveteria. Estava mesmo pensando em, mais tarde, ir à casa de Grace para contar que estava achando Thomas um tanto estranho. Havia momentos da conversa dos dois em que Thomas só dizia "como a Grace é?", ou então "o que Grace acharia disso?". Lydia, mesmo que amasse a sua amiga, estava cansada de tanta "Grace" em sua conversa.
Naquele momento, teve a plena convicção de que foi um erro ter apresentado os dois, mas ainda era cedo para isso. Ela não queria sentir ciúmes por uma coisa boba, afinal Grace iria casar com Matthew, era isso que sempre ouvira dos dois.
Enquanto ela passava, nem sequer pensou em olhar para dentro da sorveteria... porém acabou escutando uma gargalhada já conhecida. Olhou para o lado e, espantosamente, viu a cena mais inesperada de toda a sua vida.
A única coisa que ela conseguiu pensar foi: 'Que besteira eu fui fazer apresentando esses dois?' e 'Por um acaso, eu já não sabia que eles eram perfeitos um para o outro?'
Indignada, Lydia passou reto e nem sequer se deu ao trabalho de olhar novamente para eles. O ódio e o desespero tomaram conta de Lydia. Ela queria, desesperadamente e de forma errônea, gritar ao Thomas que o amava. Nem por amá-lo tanto assim, mas porque via que Thomas tinha muito mais em comum com sua amiga, e queria muito que ficassem longe um do outro. Mesmo que os dois ainda não soubessem, Lydia sabia que, se nada fizesse, absolutamente tudo conspirava para que os dois se tornassem grandes amigos.
Por outro lado, para os dois, a manhã ainda continuava perfeitamente agradável. Foram caminhando até a casa de Thomas novamente. Grace seguiu Thomas até um banco de balanço, bem no quintal da casa. O quintal era bem grande, tinha um espaço cheio de cadeiras, o que Grace imaginou ser a igreja deles. O banco em que se sentaram era de ferro, mas estava cheio de almofadas, e fazia um leve barulho enquanto se mexia para frente e para trás.
— Agora, vai. Me conta — Thomas rompeu o silêncio e encostou as costas no banco.
— Contar o que? — Grace havia acabado de terminar o seu sorvete e levantou os olhos para Thomas. Colocou o potinho num cantinho embaixo do banco e condicionou a sua mente a lembrar dele para jogá-lo no lixo mais tarde. Também se encostou no banco. Suas pernas não conseguiam chegar até o chão agora, então resolveu dobrá-las como fazia quando era criança, segurando as pernas dobradas com os braços.
— Do seu pesadelo, oras.
Grace não queria contar, aquilo não podia ser classificado como um pesadelo... Estava mesmo com vergonha. Isso a fez corar e esconder o rosto no ombro de Thomas.
Thomas não pôde deixar de notar um novo tipo sentimento passar por seu corpo. Pela primeira vez, ela o tocou. Mesmo que fosse só no ombro, sentiu que tudo mudava quando ela estava ao seu lado. Achou engraçado quando Grace fez isso. Durante a conversa, Thomas sentiu que estava meio tímida para que o olhasse nos olhos. Então abaixou um pouco o ombro para que ela aconchegasse a cabeça e se sentisse à vontade para contar qualquer coisa desse mundo que a afligia. Ele tinha certeza que, fosse o que fosse, conseguiria livrá-la de qualquer mal. Foi desse jeito que Grace começou com a mania de conversar com Thomas e, carinhosamente, encostar a cabeça no seu ombro. Ela achava que ali tinha proteção e, para ele, quando a tinha ali, era como se estivesse completo.
— Eu sonhei que o Matthew me pedia em casamento.
— U-hum! Agora a parte dos dragões, bruxas e fantasmas... — ele realmente não esperava que aquele fosse mesmo o próprio pesadelo.
— Não, foi só isso. Ele me pediu em casamento e eu fiquei triste em ter que aceitar.
— Você teve que aceitar por quê? Vocês foram prometidos a casamento, essas coisas?
— Não... — Grace riria disso se não estivesse quase chorando nos ombros de Thomas — É que é o meu destino...
— Como você sabe o seu destino? Você tem ido à cartomante? Achei que você fosse uma digna cristã do norte dos Estados Unidos — Thomas estava tentando amenizar as coisas, mas não podia negar que estava surpreso com o que Grace estava lhe contando. Ficou com medo de que, do seu ombro, Grace pudesse ouvir as batidas do seu coração.
— Para de ser idiota. Eu tô chorando — na verdade, foi depois de dizer isso que ela desabou a chorar mesmo.
— Ei, ei! — Thomas segurou o rosto de Grace nas mãos — Não chora, por favor.
— Desculpa! — Grace fungou.
— Não pede desculpa por chorar. — E ele a viu chorar ainda mais. — Não, ei. Ai, céus, Grace! Vem cá.
Deu um abraço tão forte em Grace que ela podia jurar que ele estava tentando arrancar toda a sua dor. Tomar para si. Algo assim.
— Você não sabe qual é o seu destino. Tá me ouvindo? — Thomas segurou o rosto de Grace novamente — E você está muito enganada em achar que o seu destino é qualquer coisa. Você é a minha amiga. Ou melhor: você é muito importante para mim. E eu nunca vou permitir que você seja infeliz, entendeu?
— Obrigada, Tommy.
Só a mãe dele o chamava assim. Sempre odiou aquele apelido. Mas, ouvir aquilo soar da boca de Grace e com a voz de Grace, fez com que aquele apelido se tornasse o mais agradável possível. Como o próprio nome dela traduz, ela era "graciosa" e fazia qualquer coisa se tornar graciosa na vida de Thomas. Ele percebeu que algumas tradições foram criadas. Como dar seu ombro para ela descansar, ouvi-la o chamando de idiota, e de Tommy. Tinha certeza que aquilo aconteceria mais vezes. Torcia para que acontecesse para sempre.
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Não esquece a estrelinha. ⭐
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