(...) novos começos
Foram cinco minutos de completo silêncio, caminhando pelo caminho oposto ao que estavam Brenda e sua mãe. Grace estava andando com duas pessoas que sabia que, em todo o mundo, mais tinham motivo para odiá-la. Ela achava, ingenuamente, que conseguiria resolver tudo entre eles com perdão, mas isso estava longe de acontecer.
Matthew parecia mais magro, ressequido. Os meses distante dela pareciam ter feito aquele homem perder todo o cuidado próprio. Deixara o cabelo crescer, as roupas lhe pareciam pequenas e sujas demais, uma grande barba cobrindo boa parte de sua face, feições de quem envelhecera 10 anos em poucos meses. Quando percebeu que ela não responderia, continuou a falar, aproximando-se aos poucos.
— Não me entenda mal, fiz isso por amor... — ele disse, agachando-se bem à sua frente. — Eu entendo você ter sumido para espairecer, pensar um pouco. Eu também precisava de um tempo, foi bom — ele sorria enquanto dizia: parecia acreditar em todas as palavras que dizia. — Mas agora já podemos ficar juntos, certo?
Grace não reconhecia o rosto a sua frente. Por haver passado quase três anos com ele, seu desespero aumentava ao se questionar: que versão de Matthew era verdadeira? Ele havia enlouquecido? Ele realmente era tão possessivo assim antes? Nunca conseguiu perceber. Não sabia bem o que responder. Tinha medo de que qualquer coisa que falasse pudesse fazer com que ele cometesse algum ato imprudente. Então somente assentiu, tremendo dos pés à cabeça para aquela nova versão grosseira e assustadora do homem com quem um dia considerou se casar.
— Primeiro vamos tirar esse seu agasalho, amor, liguei o aquecedor — ele disse, como se aquilo fosse muito natural. Ela o deixou retirar seu cardigã, sentindo seus dedos gelados e ásperos darem choque em sua pele aquecida.
•••
— Ela não está na loja, não está no carro, não está nas boutiques ao redor. A Grace sumiu! — Brenda gritou, mais para si mesma do que para Lúcia, a mãe de Grace.
— Eu vou ligar para o meu marido — Lúcia disse, trêmula, revelando seu primeiro pensamento: havia dias que estava conversando amigavelmente com Arthur, as coisas pareciam estar caminhando para, pelo menos, a paz. Arthur sempre foi seu porto-seguro, e agora não seria diferente.
Brenda andava de um lado para o outro perguntando se alguém havia visto alguém semelhante a Grace pelo local, mas ninguém parecia querer contribuir.
— Mas que droga! — Brenda disse, chutando uma pedra do meio do caminho em que acabara de tropeçar. Ela olhou para o céu e orou pela primeira vez: — Deus, Deus da Grace... me ajude a achar essa garota!
"Preciso avisar ao Thomas", ela pensou, como se ele pudesse fazer alguma coisa do outro lado do mundo.
•••
— Que saudade desse teu cheiro — Matthew segurava Grace em um abraço desajeitado, ela não o estava retribuindo, e ele não parecia se importar com aquilo.
"Eu sinto que perdemos muito tempo ficando longe um do outro. Vamos ficar sentados aqui, igual quando eu ia na sua casa e tinha que fingir ser comportado", Matthew deu uma risada estranha, a qual Grace não sabia que ele possuía.
"Eu sento aqui no sofá... e você também", Matthew a segurou forte pelo braço, puxando-a para se sentar ao seu lado. "Agora você faz carinho na minha cabeça...", ele disse, e ela não o fez. "Faz", ele gritou, autoritário. E ela, com muita relutância, passou os dedos por seu couro cabeludo oleoso. "Isso", ele suspirou, inclinando a cabeça no sofá.
Agora que ele havia aberto uma janela — por sinal, gradeada —, Grace podia notar o caos que estava aquele barracão. Tudo estava jogado ao chão, televisões quebradas, CDs e fitas espalhados, comidas pouco saudáveis como Cheetos e Doritos pisados e esfarelados pelo chão. Era como se um furacão tivesse virado tudo de cabeça para baixo. Era como se aquele cômodo refletisse a própria mente perturbada de Matthew.
— Agora é a minha vez. Deixa eu fazer uma trança em você, como nos velhos tempos...
Matthew fazia com delicadeza a trança em Grace, aproveitando para passar sua mão suja de salgadinhos pela extensão de seu pescoço, como se aquilo fosse seduzi-la para si. Grace, por outro lado, sentia vontade de vomitar cada vez que seus dedos gélidos e sujos a tocavam. Enquanto de costas para ele, tentava procurar algum objeto com que se defender, se ele avançasse sobre ela. Percorreu os olhos por toda aquela bagunça e só conseguiu notar uma novidade:
Ele havia trazido sua maleta preta, onde guardava sua réplica perfeita de pistola. Ela sabia que ele usava aquela arma falsa para jogar Airsoft com os garotos da faculdade, vestindo-se de verde militar, pintando a cara e fingindo-se de soldado em plena trincheira na Primeira Guerra Mundial. Ela sabia que o máximo que aquela arma fazia era soltar bolinhas de aço com uma velocidade que, no máximo, matava alguns passarinhos.
Pelo menos ele não estava armado de verdade. Ou estava?
— Ficou perfeito. Vou mandar uma foto para um amigo meu, só para deixar isso um pouco mais divertido...
•••
— É sério mesmo? — Thomas perguntou ao seu irmão, jogando-se no sofá da sala para se deitar de bruços. — Você pede a garota em casamento, e ela prefere passar o dia inteiro escolhendo um mero vestido do que conversando com você?
— Você sabe que minhas experiências são equivalentes a zero, certo? — Jake II respondeu, sem olhar para o irmão, estava vidrado no celular. — Mas a Mattilda também não me responde mais.
— Mattilda? — Thomas perguntou, estranhando por um momento, até se lembrar da garota misteriosa de North Adams que Jake II havia conhecido virtualmente. — Ah, Mattilda...
— É... ela é louquinha — Jake II ria enquanto olhava o celular. — Me mandou um milhão de mensagens, não parava de falar. Disse que queria me ligar, mas estava com vergonha... eu não quis forçar nada, sabe? — Jake II tentou se explicar. — Mas ela não parava de me perguntar sobre nossa família, parecia bem solícita... Difícil encontrar alguém tão bom de papo.
— Meu... Você está gostando da garota... da garota virtual — Thomas disse, a fim de irritar o irmão.
— Não é virtual... ela é tecnicamente da nossa cidade... — Jake II explicou. — E eu não estou gostando... ela só é meio exagerada, excêntrica... Só que agora ela sumiu.
— E você está sentindo falta... — Thomas caçoou. — Eu sei como é.
Jake não respondeu. Após alguns minutos, deu um leve sorriso de lado.
— Olha! Não sou tão rejeitado quanto você. Ela me mandou uma foto agora — Jake sorria, triunfante, mas tentava entender a foto escura, dando um zoom com os dedos. — Mas não é uma foto dela. Ela disse: "Eu também sou boa em fazer tranças nas minhas amigas" — Jake II não conseguiu entender aquela aleatoriedade e começou a rir, jogando o celular para Thomas. — Eu não disse? Essa garota é louca!
Thomas analisou a foto com cuidado. Olhou a trança malfeita na menina de costas para a foto, o cabelo castanho-escuro realçava sua pele alva. Uma pequena marca em forma de América do Sul, já bem conhecida por ele das vezes que se sentava atrás de Grace na sala de aula, fazia contraste, apesar de toda aquela escuridão.
— Mas essa marca no pescoço... eu conheço isso... — Thomas sentiu um misto de dúvida e agitação. Não fazia ideia do que aquilo significava, mas tinha quase certeza de que aquela garota era Grace. Mattilda seria alguma amiga engraçadinha de Grace? Aquilo não fazia sentido.
Foi aí que seu celular tocou. Era Brenda.
— Oi? — Thomas atendeu, já desconfiado. O celular de Jake II com a foto aberta não saía de sua mão.
— A Grace desapareceu; e eu não tenho ideia de onde ela foi parar; ela sumiu, eu procurei por todos os cantos; eu juro que procurei; meu Deus, ela está com você? — Brenda disse, sem pausar para respirar. — Isso é humanamente impossível, eu sei, mas talvez ela tivesse deixado um recado para você, não sei. Meu Deus, eu estou desesperada. Se ela morrer, eu juro... eu...—
— Ei! Brenda — Thomas tentou acalmá-la, mesmo que seu nervosismo fosse evidente. — Explica melhor. Onde você está? Você está com a Lúcia?
— Sim, no carro, em frente à loja, foi aqui que a perdemos — Brenda disse, aos prantos.
— Certo. Você já ligou para a polícia, correto? — Thomas tentou recuperar um pouco da sanidade mental.
— Não... eu... nem me lembrei disso. — Brenda bateu na cabeça com a mão.
— Ok, liga para a polícia assim que desligarmos. Eu tenho uma vaga ideia do que pode ter acontecido. Acho que alguém está com ela, recebi uma foto. — seu coração estava sendo despedaçado ao dizer aquelas palavras, era como se o pesadelo tivesse acabado de chegar no seu clímax.
— Você quer dizer que... que isso tudo foi premeditado? Não tem como. — Brenda pôs a mão na boca e mordeu um dedo, como fazia quando pequena.
— Você tem alguma ideia de como é que chegaram tão fácil a ela? — Thomas questionou.
— Eu... — Brenda começou a dar socos fortes na cabeça, o que assustou a Lúcia, que estava chorando na ligação com seu marido. — Eu... sou idiota. Eu postei todo o percurso até aqui no meu Snapchat. — Brenda suspirou. — É tudo culpa minha. Eu não sabia que aquele, aquela Mattilda me seguia por lá também...
— Mattilda? — Thomas se espantou, Jake II franziu o cenho quando ouviu o irmão dizer aquele nome — Quem é essa?
— É o Matthew. O Matthew está com a Grace.
•••
— Para onde nós vamos fugir? Nice, na França? Dizem que é um lugar muito romântico — Matthew sugeriu enquanto amarrava as mãos de Grace com um grosso barbante.
"Acho que tem que ser um lugar mais histórico... pensa em algum lugar onde ninguém possa encontrar a gente", ele disse, um tanto incomodado por Grace não estar respondendo. "Onde é que Romeu e Julieta moravam?", Grace o olhava com muito medo...
"DROGA!", ele esbravejou, "fala alguma coisa!".
Grace então percebeu que teria que jogar seu jogo enquanto não via uma saída.
— Ve... Verona — Grace gaguejou, mas conseguiu responder.
— Isso, vamos para a Itália! — Matthew gesticulou ao bom estilo italiano, como se isso fosse muito engraçado, mas aquele senso de humor causava repulsa em Grace e lhe transmitia, na verdade, um medo de que ele estivesse delirando. E, se estivesse delirando, o que ele não seria capaz de fazer com ela?
•••
— Aquele infeliz! Desgraç—
— Ei! — Jake II gritou enquanto via seu irmão correndo de um lado para o outro na casa, procurando sua carteira, passaporte e dinheiro. — Do que você está falando?
— O ex dela. Ele sequestrou minha noiva. Mattilda é um perfil falso. — Thomas explicou, seus níveis de adrenalina estavam altíssimos, não conseguia encontrar a carteira que estava bem a sua frente. — Eu vou para lá.
— Vamos — Jake II respondeu com prontidão, pegando a carteira do irmão e dando-lhe nas mãos.
— Não. — Thomas interveio. — Você fica e tenta descobrir onde o Matthew está. Seremos inúteis no avião, sem qualquer contato com o mundo.
— Eu vou descobrir — Jake II assentiu, tentando transmitir segurança ao irmão.
— Eu sei. Vou arrumar ajuda. — Thomas pensou na última pessoa que ele acreditava que o ajudaria, aquele que ele costumava chamar de amigo até pouco tempo: Luke, a quem ele havia dedurado para uma garota.
— Vai com Deus, irmão — Jake II disse por fim, vendo o irmão se aproximar da porta.
— Você sabe que ficando você fará muito mais do que eu, certo? — Thomas disse, como se essa fosse sua despedida.
— Eu sei, eu vou tentar resolver isso — Jake tentava aliviar um pouco a tristeza de seu irmão, mas só um olhar de compaixão e fraternidade foi trocado entre os dois. Não precisavam falar mais nada, sabiam que podiam contar um com o outro sempre.
•••
— Parece que nosso amigo ficou muito interessado em tranças ultimamente — Matthew brincou, olhando o celular.
Grace não fazia ideia de quem se tratava. Será que Thomas? Ela resolveu interagir um pouco, fingir que estava bem.
— Que amigo? — ela perguntou.
— Ah... — Matthew levantou uma sobrancelha. — É um amigo em comum... Acho que ele está feliz em te ver. Mas não é da sua conta.
— Hum... — Grace respondeu, um tanto deprimida. Ele não falaria quem era.
— Precisamos nos apressar... Acho que ele está vindo.
— Quem? O nosso amigo? — Grace perguntou, enquanto era puxada pelos braços.
— Não... esse outro não é nosso amigo.
•••
— Liguei para a polícia. Eles vão sondar aqui pelo bairro. Liguei para o Thomas, acho que ele está vindo para Boston — Brenda explicou para Lúcia.
— Arthur está a caminho — Lúcia ainda soluçava enquanto falava.
— Foi aquele desgraçado do Matthew — Brenda disse.
— Como pode ser? — Lúcia disse, inconformada. — Colocamos esse rapaz dentro de casa.
— Ele está alucinado desde que eles terminaram. Nessa situação, eu não sei do que ele seria capaz — Brenda disse, sem ter a delicadeza de medir as palavras para a própria mãe da vítima ao seu lado. Ela viu Lúcia derramar sua cabeça sobre o volante e tentou consolá-la — Mas vai ficar tudo bem...
— Eu vou ligar para ele — Lúcia subitamente disse, com ódio no olhar.
Brenda não quis contestar. Lúcia parecia ser aqueles tipos de ursas quando perdem um de seus filhotes. Ninguém deveria se colocar em seu caminho, ou seria devorado.
Número inexistente.
Isso era esperado.
Ali, paradas no carro, perceberam que estavam literalmente perdidas. Não sabiam por onde começar suas buscas, nem mesmo sabiam onde estavam. O GPS não funcionava, e os celulares estavam com pouquíssima bateria. Pensaram em começar a procura indo até a Universidade de Boston, mas nem mesmo sabiam em qual direção ficava.
Se ao menos conhecessem alguém morasse em Boston...
Brenda odiou ter que recorrer a isso, mas acreditava que era a sua única chance.
— A senhora tem o número da Lydia aí?
•••
— Não consigo comprar passagens pela internet sem levantar suspeitas. Parece que tem polícia atrás de nós. Divertido, não? Somos aquele amor impossível. Nós contra o mundo. Que inutilidade! Eles ainda não encontraram a gente... Esperar cansa.
— Vamos esperar a polícia chegar? — Grace perguntou, sem entender.
— Eu quero uma prova pública do seu amor... Quando eles chegarem, você vai mandá-los embora e dizer que está aqui por livre e espontânea vontade — Matthew disse, suas palavras eram firmes; ele realmente parecia estar se divertindo com a situação que criara.
— Está bem — Grace concordou.
•••
O próximo voo de Edimburgo para Boston seria em meia hora. Thomas tinha aqueles minutos para resolver todas as coisas, antes que embarcasse numa viagem de oito horas rumo ao desconhecido, sem qualquer contato com o mundo aqui embaixo e o celular em modo avião.
— Alô? — Uma voz familiar e desconfiada atendeu a ligação.
— Luke? É o Thomas — ele respondeu, um tanto ansioso.
— Thomas? Quem é vivo... — Luke respondeu, Thomas não conseguiu decifrar se com sarcasmo ou se foi só uma de suas velhas piadinhas.
— Eu preciso de um favor seu. Onde você está? — Thomas falou rapidamente.
— Está tudo bem? Estou em Boston — Luke respondeu, preocupado com o amigo. Thomas sentiu um súbito alívio por saber que o amigo estava em Boston, ainda que não tivesse total certeza de que ele realizaria seu pedido.
— A minha noiva... ela estava em Boston... e tudo indica que ela foi sequestrada...—
— Sequestrada? — Luke repetiu, julgando não ter entendido direito.
— Sim... e eu preciso da sua ajuda. Estou pegando um avião agora de Edimburgo para Boston.
— Mas você só vai chegar de madrugada... — Luke constatou.
— É por isso que preciso da sua ajuda... — Thomas engoliu todo orgulho e vergonha ao dizer cada palavra. — Eu não tenho mais ninguém aí a não ser você.
— Pô, mano. — Foi a única coisa que o Luke emocionado conseguiu dizer.
— Eu sei que eu vacilei contigo... — Thomas começou. — Falei coisas sobre você para a Mary que eu não...—
— Não diga que você não devia ter falado essas coisas para ela. Você sabe que você devia.
— Eu, hum... — Thomas ficou sem saber o que dizer.
— Você me detonou para ela. Mas ela continua comigo... e tem sido meu relacionamento mais duradouro, acredita? É como se eu precisasse daquelas verdades vindas dela para que eu caísse na real. Eu entendi o quanto eu estava errado, mas eu queria fazer dar certo com ela. E tem dado certo, graças a Deus. Eu sei que esse é o pior momento para te falar sobre a minha vida. Mas a verdade é que eu estava criando coragem para falar com você, para te agradecer de alguma forma pelo jab indireto com que você me nocauteou, só que foi um soco que me fez levantar.
— Você não pode estar falando sério, cara! — Thomas se emocionou ouvindo aquilo.
— Eu vou fazer por sua garota o que você fez pela minha. Se não ficou claro, eu vou salvar a sua noiva enquanto você não chega.
— Eu não sei como agradecer — Thomas disse com dificuldade, a saudade de seu amigo agora era evidente.
— Vamos considerar que estamos quitados, amigo.
•••
— Como você pode ter me deixado? — Matthew questionou, de costas para Grace, mexendo em sua maleta.
— Eu não tive escolha. — Grace falou qualquer coisa que veio à sua mente.
— Ele fez a sua cabeça. — Matthew apontou a arma para Grace, como se o objeto fosse uma parte do seu corpo. Aquilo fez Grace saltar, mesmo que ela soubesse que a arma não era de fogo. — Acho que agora você está em juízo pleno...
— Sim — Grace concordou.
— Estou gostando desse seu jeito novo. Finalmente concordando comigo em tudo. Antes você era muito marrentinha. — Ele largou a arma na maleta e se aproximou da frágil Grace, sentada no sofá, de mãos amarradas num grosso e apertado barbante.
A cada passo mais perto, Grace ficava um pouco mais desesperada. Existiam novos níveis de desespero que nunca havia atingido antes. A incerteza sobre o que Matthew planejava e o medo de que ele a ferisse, ferisse alguém que a amava, a dominavam.
Ele sorria com malícia até chegar na frente de Grace. Seja lá o que fosse fazer, Grace agradeceu a Deus porque o celular de Matthew tocou naquele mesmo instante.
— Esqueci de desligar a internet. Esse nosso amigo não para de mandar mensagens.
•••
— Como assim a Grace foi sequestrada? E pelo Matt? — Lydia soltou o tom mais agudo que sua voz já foi capaz de alcançar.
— É... — Brenda disse impaciente. — E precisamos da sua ajuda para chegar até a B.U., para a gente descobrir o número e endereço do Matthew.
— Mas eu tenho o núm— Lydia começou, até ser interrompida por Brenda.
— Esse número já não existe — Brenda revirou os olhos. Ela nunca suportou Lydia. — Vai levar a gente à B.U., ou não?
O caminho foi longo até a Universidade. Algumas pessoas estavam sentadas nos bancos do jardim da entrada do campus, estava realmente lotada para um dia de sábado. Talvez rolaria algum evento?
— Esperem aí. — Brenda fez Lydia e Lúcia pararem de correr. — Tem uma pessoa muito idiota me ligando. — Ela explicou enquanto apertava o botão para atender. — Estou muito ocupada.
— Você está na B.U.? Acena para mim. Tô aqui — Luke disse, enquanto corria pelo campus.
— O quê? Como você sabe? — O coração de Brenda bateu mais forte só de saber que Luke estava se aproximando dela após meses do fatídico dia em que ela lhe confessou seu grande amor por ele, e ele simplesmente a rejeitou.
As três avistaram um rapaz alto e robusto correndo ao seu encontro.
— Ah, encontrei vocês. Temos que encontrar esse filho da mãe.
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— Já sabemos que você está com ela. O que você quer? — Matthew deixou o áudio enviado por Jake II soar. Grace sentiu um grande alívio ao ouvir a voz de Jake. Primeiro pensou que fosse Thomas, afinal o timbre dos dois era bem parecido. Mas depois, pelo contexto da conversa e pela rouquidão um pouco mais evidente, percebeu que só poderia se tratar de Jake. — Deixe a Grace ir embora. Você sabe que ela não merece isso.
— Você não percebe que ela está aqui porque me ama? Ela quis vir. — Matthew rebateu.
— Eu vou pegar você, sua aberração — Jake II ameaçou num outro áudio.
•••
— O plano é o seguinte... — Luke começou a falar enquanto adentravam o campus.
— Ah, ele tem um plano! — Brenda revirou os olhos.
— Essa garota poderia ser um pouco mais empática! — Lydia constatou.
— Por favor! Foco! É a vida da minha filha que está em jogo — Lúcia disse, um pouco estressada com a birra, mas a tristeza em seu olhar era evidente.
— O plano é o seguinte: Na faculdade, geralmente, cada um tem seu coletivo, grupo ou república. Vocês sabem se o Matthew participava de algum? — Luke sugeriu.
— Não — as três responderam em conjunto.
— Isso complica um pouco. — Luke deixou os ombros caírem, decepcionado.
— Mas ele gosta de música... E de videogames... Isso! — Lydia concluiu, satisfeita consigo mesma pela sua perspicácia — A Grace falava sobre ele sair para campeonatos de videogames. Ele definitivamente deve participar de grupos de jogos.
— Tipo um coletivo de Gamers? — Luke apontou para um cartaz azul colado na parede com um grande desenho de um controle remoto ao fundo.
Havia uma pequena lista de inscritos no coletivo bem no canto do cartaz, indicando o nome, endereço e telefone dos principais gamers. Curiosamente, o nome Matthew Thompson estava rabiscado com certa fúria, mas ainda dava para ser lido. Seu endereço não estava riscado, indicando que morava num apartamento não muito longe dali. Seu número estava riscado, tornando impossível a identificação.
— Se, pelo menos, pudéssemos ver o número... — Luke lamentou, pensativo.
— Mas temos o endereço — Lúcia se precipitou. — Vamos até lá.
Enquanto os quatro entravam no carro e se dirigiam ao apartamento de Luke, algo os incomodava:
Por que justamente o nome dele estava rabiscado? Ele não estava querendo ser achado? Se assim fosse, por que não rabiscar seu endereço?
•••
— Como estou sendo ameaçado por um cara que mal conheço, comecei a me divertir com isso. Acho que vamos ficar e ver no que dá — Matthew constatou, por fim, sentando-se ao lado de Grace no sofá e estendendo um braço ao redor da cintura dela, num abraço de lado que fazia todos os músculos de Grace ficarem rijos diante da possibilidade de ele ficar ainda mais próximo dela.
•••
Enquanto isso, Jake pesquisava como um grande detetive digital sobre toda a vida de Matthew. Em pouco tempo descobriu que ele participava de um grupo de gamers na faculdade, tinha uma irmã mais nova chamada Sabrine e um canal no YouTube com músicas sobre decepções amorosas. Jake descobriu os últimos likes em vídeos que Matthew dera: "Boa Noite Cinderela, Clorofórmio e outras técnicas de sedação". Existiam memes ligados ao nome de Matthew no grupo da faculdade, mas Jake não conseguia entender o sentido.
Conseguiu o número do celular da irmã de Matthew, Sabrine, com muita facilidade em sua página no Instagram. Mandou-lhe uma mensagem. Sem obter resposta, julgou que ligar seria o melhor caminho.
— Alô? Quem é? — uma voz fina e um pouco infantil atendeu a ligação.
— Sabrine Bowen? Quem fala é um amigo do seu irmão. Queria saber se você pode me passar o novo número dele.
— Você só pode estar brincando. Meu irmão não tem amigos.
— Como assim? — Jake perguntou, sem entender.
— Você não ficou sabendo? Ou está ligando só para zoar?
— Eu não estou sabendo de nada.
Após muita relutância, Sabrine explicou:
— Certo. Meu irmão surtou há alguns dias. Ele estava jogando com uns amigos no coletivo e não gostou de ter perdido a partida. Mas é claro que não era só por aquilo. Havia meses que ele estava mal por causa da ex-namorada. Então ele quebrou tudo o que tinha dentro do lugar onde eles mantinham o clube. Ele quebrou televisões, videogames e todos os objetos que encontrava pela frente. Então ele foi expulso do grupo. Riscaram o nome dele de todos os campeonatos que ele participou e ganhou. Tiraram o nome dele da lista de amigos. Meu irmão ficou sozinho. Veio para cá pensando em suicídio. E esses trouxas ainda ficam fazendo gracinhas na internet com a condição dele. Ele não parava de falar da Grace. Ia na casa dela sempre, mesmo que ela não estivesse lá. Bem, acho que ele melhorou. Ele saiu bem feliz daqui de casa ontem.
Sabrine contou mais alguns detalhes supérfluos, mas só aquilo já era suficiente para Jake perceber que Grace se encontrava em grande perigo.
Jake convenceu a garota, com bastante relutância por parte dela, a compartilhar o novo número de Matthew. Finalizada a ligação, Jake enviou o número para Brenda.
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— É inútil, não tem ninguém aqui — Brenda reclamou quando chegaram no apartamento de Matthew, a porta estava estranhamente aberta, e tudo lá dentro parecia ter sido revirado por um vândalo.
— Ele pode ter deixado pistas falsas. Quer fazer a gente perder tempo. — Lydia constatou.
— Jake acabou de me mandar o novo número do Matthew — Brenda disse, olhando para seu celular. — Aqui está dizendo: "essa é com você, Luke". — Olhou para Luke, sem entender. — Como assim ele me manda uma mensagem se dirigindo a você?
— Acho que sei muito bem por que o Thomas me convocou para isso aqui... — Luke disse, com um sorriso no rosto.
Há alguns anos, quando ainda era um calouro na faculdade, Jake criou um aplicativo para rastrear celulares a partir no número. Luke e Thomas foram os únicos a baixarem o aplicativo, passando aquele verão inteiro perseguindo Brenda por onde ela andava. Ela nunca entendeu como eles a encontravam todo final de semana.
— Segundo esse aplicativo — Luke continuou enquanto digitava o número que via na tela de celular de Brenda —, o Matthew está no meio do nada. Vamos mandar a polícia para lá.
•••
Faltavam ainda muitas horas para que Thomas chegasse a Boston. Estar ali naquele avião, fazendo uma viagem tão longa e, ao mesmo tempo, tão improvisada, tendo apenas a roupa do corpo que vestia por bagagem, fazia com que Thomas se sentisse impotente.
Ele sabia que aqueles momentos iniciais eram cruciais para o desfecho da situação, e nem ao menos podia saber o que estava acontecendo lá embaixo. Sentia seu coração bater novamente com bastante força e se perguntou se deveria ter tomado algum remédio para controlar sua pressão, algo assim.
Ao mesmo tempo, ele havia deixado o caso nas mãos de pessoas muito competentes e de confiança. Ele não podia fazer muito, apenas orar para que Deus a livrasse daquilo.
"Deus, eu não sei o que dizer, só guarde-a... Me ajuda... essa angústia e ansiedade estão me matando. Eu sei que não posso fazer nada, ela está em Tuas mãos..."
Thomas passou todo aquele tempo no avião dizendo algo semelhante, lembrando-se do lema dos dois: "Aquietai-vos". Aos poucos, seu coração foi entendendo que precisava confiar e descansar. Grace estava em Melhores Mãos.
•••
Num momento de distração, Matthew abriu a porta para jogar uma coisa fora, e Grace tentou escapar, sem sucesso. Ele fora mais rápido, segurando-a com muito mais força do que antes e amarrando os pés de Grace aos pés do sofá.
Grace chorava baixinho, soluçando um pouco alto demais, o que deixava Matthew um tanto irritado. A polícia acabara de cercar o barracão, deixando Matthew ainda mais enlouquecido, com um quê de excitação no olhar.
— Me prometa que vai ficar comigo — ele implorou, sacando a réplica de pistola da maleta.
— Certo — Grace confirmou.
— Não tem escapatória, ouviu? Eu vou até o fim do mundo se você fugir de mim de novo. — Ele se aproximou e passou levemente o cano da arma pelo rosto de Grace. Ela acabou por comprovar que a arma era realmente falsa. Seu pequeno detalhe laranja na ponta estava porcamente envolto com fita isolante.
— Tudo bem — Grace assentiu.
•••
Já estava escurecendo, o grupo constituído por Luke, Brenda, Lydia e Lúcia estava por trás da armada policial. Todos ansiosos por notícias.
Um som de megafone soou de uma das viaturas: "Liberte a garota, você está cercado".
Não houve qualquer resposta.
Os policiais tentaram fazer negociações, mas sem sucesso. "Nós vamos invadir", eles avisaram.
Subitamente, Brenda, Lydia e Lúcia pegaram nas mãos umas das outras e se abraçaram. As três choravam e se consolavam mutuamente.
— Eu mandei uma mensagem para ele — Luke falou, de repente.
— Seu estúpido! Você mandou mensagem para um louco! — Brenda o repreendeu.
— Ele disse que está armado — Luke mostrou seu celular para as mulheres, junto a uma foto terrível de uma arma apontada para a cabeça de Grace, Matthew no fundo da foto, segurando-a pelo pescoço.
Luke correu para avisar aos policiais, que agora recuavam em sua tentativa de invasão.
Brenda orou a Deus pela segunda vez naquele dia, mais naquele dia do que em qualquer outro. Ela sabia que sua vida não seria mais a mesma após aquele acontecimento.
•••
Aflito pelas notícias, Jake enviou novas mensagens para Mattilda, Matthew, como você julgar melhor. Para sua surpresa, Matthew ligou por videochamada para Jake em poucos segundos.
A cena era grotesca. Matthew segurava uma arma, apontando-a para a cabeça de Grace. A garota estava com o rosto vermelho, os olhos um tanto arrocheados, os músculos da face gerando microexpressões de nojo, tristeza e pânico.
— O seu irmão... eu quero ver o seu irmão — Matthew solicitou.
— O meu irmão não está aqui. — Jake disse, firme.
— Então vamos ter que esperar ele chegar. — Matthew sorriu para a câmera.
Jake olhou novamente para Grace. Ela parecia indicar alguma coisa com o olhar. Sua cabeça se inclinava cada vez mais para o lado oposto da arma que lhe estava apontada na cabeça. Seus olhos indicavam a própria arma, como se tivesse algo nela que Jake deveria perceber. Mas ele não estava entendendo absolutamente nada.
Grace, então, fez um movimento que ninguém em sã consciência faria. Mexeu a cabeça freneticamente, deixando Matthew confuso. A arma acabou parando bem na testa da garota.
Jake já estava prevendo: ela morreria ali, bem numa chamada de vídeo.
Mas Grace não parecia temer a arma que lhe estava pressionada bem no meio da testa. Ela olhava para cima, tentando indicar mais alguma coisa com os olhos.
E então, Jake viu, bem na ponta da arma, um detalhe laranja que Matthew deixara escapar. Sua arma estava longe de ser de fogo. Ele tentou disfarçar um sorriso de compreensão para a cunhada, algo que indicasse que entendera, mas ela ainda tentava com todas as forças inclinar um pouco mais o ângulo para que o detalhe se tornasse visível.
Jake teve que tomar a decisão mais difícil de sua vida: confiar em sua intuição, num mínimo detalhe que havia notado, e autorizar uma invasão policial num local onde sua cunhada estava sendo feita refém.
Thomas ainda estava na metade do caminho, mal cogitava que o pesadelo estava prestes a ter seu desfecho.
Jake não desligou a ligação, mantendo Grace ao seu olhar, incerto de que isso fosse o certo a se fazer. Ele avisou a Brenda por mensagem que Matt não está armado, pedindo para que ela autorizasse a invasão da polícia.
Aquela angústia de horas terminou em frações de segundos. Assim que os policiais arrombaram a porta do barracão, Grace fugiu e Matthew foi capturado. Grace correu para uma viatura de polícia qualquer, esbarrando-se com Lydia e a abraçando subitamente. Ambas choraram juntas, até serem abraçadas por Lúcia e por uma hesitante Brenda.
Luke tentava ligar para Thomas a fim de avisar que estava tudo resolvido, mas sem sucesso. Ainda faltavam três horas para seu avião aterrissar.
Grace foi encaminhada ao hospital para realizar alguns exames, uma vez que não se lembrava de muita coisa desde que desmaiara. Aparentemente, não havia nada de errado com ela, necessitava apenas de um banho e uma comida sólida. Um dia inteiro sem se alimentar e com fortes experiências a havia deixado fraca, precisava de um pouco de descanso.
•••
As notícias de que tudo estava bem não paravam de chegar assim que o avião se preparou para pousar, quando Thomas, ansioso por novidades, tirou seu celular do modo avião.
Luke: Amigo, deu tudo certo.
Jake II: Sua garota está a salvo. Que dia louco foi esse!?
Mãe: Você foi pra Boston sem me avisar, Thomas?
Jake me explicou o que aconteceu.
Ela está bem, graças a Deus.
Brenda: Deus é bom!!!!!!!!!!!!!!
Arthur havia chegado primeiro a Boston e ao hospital. Assim que Thomas chegou ao hospital, não deixaram que ele entrasse. Ele se encontrou com Luke, Brenda e Lydia na sala de espera.
— Thomas! — Brenda gritou e saltou ao seu encontro, envolvendo-o num abraço saudoso. — Graças a Deus, deu tudo certo.
— É, cara... foi loucura — Luke assentiu para o amigo quando Thomas desvencilhou-se do abraço de Brenda.
— Temos muito o que conversar — Thomas o envolveu num abraço apertado e curto.
— Oi — Lydia acenou timidamente.
— Oi, Lydia — Thomas fez uma cara de dúvida para Brenda, sem entender como tinham envolvido Lydia naquilo. — Muito obrigado. Eu tenho certeza que cada um de vocês foi essencial.
— Fora o fato de que não vou com a cara de nenhum desses dois — Brenda apontou de Lydia para Luke. — A gente fez uma boa equipe.
— Concordo — Lydia sorriu, um tanto incomodada com a conversa, ou com a presença de Thomas.
Brenda se surpreendeu que Luke não fizesse nenhuma gracinha sobre a contradição de dizer, no passado, que o amava e agora dizer que o odeia. Aparentemente, ele estava disposto a esquecer aquele assunto. Posteriormente, Brenda também se descobriu disposta a esquecer aquilo.
— Vocês conseguiram entrar? — Thomas disse, ansioso para ver sua noiva.
— Não. Só a família pode entrar, por enquanto. — Brenda revirou os olhos.
Os quatro ficaram sentados ali na sala de espera por meia hora, até que Lydia se levantou, depois de passar todo aquele tempo calada.
— Aonde você vai? — Brenda perguntou, ajeitando-se na cadeira.
— Embora. Acho que não tenho mais nada a fazer aqui mesmo. — Ela deu de ombros.
— Como não? Ela não é a sua melhor amiga? — Luke perguntou, sem saber de um terço da história entre as duas.
— Bem... a gente já se falou quando ela saiu do cativeiro. Eu não tenho mais nada para falar...
— Tem certeza? — Thomas procurou o olhar de Lydia, mas ela parecia querer focar em qualquer outra coisa no momento, menos nele. — Eu acho que ela gostaria muito de conversar contigo.
— Hoje não é o dia para essa conversa — Lydia concluiu, sem olhar para Thomas, despedindo-se dos outros dois e simplesmente desaparecendo por trás da porta de vidro.
Brenda e Thomas encararam a porta, incrédulos, enquanto Luke olhava para a porta, para Brenda e para Thomas num ciclo infinito, com uma interrogação quase que visível acima de sua cabeça.
— Alguém pode me explicar o que acabou de acontecer aqui? — Luke questionou.
— O Thomas já pegou ela — Brenda tentou segurar a risada.
— Eu não... peguei ninguém — Thomas a repreendeu, chutando de leve seu pé.
— Ela gosta dele — Brenda explicou. — Só que ele gosta da Grace. E a Grace gosta dele, mas gostava do Matthew, que gosta tanto dela que a sequestrou.
— Que treta, mano — Luke disse depois de uma breve reflexão sobre a explicação.
— Estou preocupado. — Thomas olhou para a porta em que Lydia sumira. — Ela não parece bem.
— Ela só está confusa. Ela ainda não perdoou vocês dois. Mas percebeu que ainda gosta de você. Acho que ela precisa de um tempo longe para se acostumar com a ideia de vocês dois juntos. — Ambos concordaram com ela, sabiam que Brenda também falava de si mesma.
Por enquanto, era bom ser os três velhos amigos novamente. Havia uma ligação entre os três que eles nunca conseguiriam descrever, mas que era forte o suficiente para uni-los novamente, mesmo depois de muito tempo afastados.
•••
Estava quase para se findar o dia quando Grace acordou. Arthur abraçava a esposa enquanto ambos contemplavam sua filha dormindo com tranquilidade na maca do hospital. Eles se levantaram apreensivos quando Grace, com certa dificuldade, abriu seus olhos para a extrema claridade do quarto.
— Filha — ambos falaram juntos e, como apaixonados, riram do fato de serem tão sincronizados. — Que bom que você está bem! — Arthur terminou de falar.
— Estou ótima! — Grace sorriu. — Ver vocês dois juntos salvou meu dia — ela disse, enquanto via seu pai dando um beijo carinhoso na testa de sua mãe.
— Seu pai pegou o primeiro avião para cá. Pilotou na mais alta velocidade — Lúcia disse com orgulho.
— Minha mãe não se orgulharia dessa irresponsabilidade. O que fizeram com ela? — Grace brincou.
Depois de contarem o óbvio para ela: estavam se reconciliando, Grace se sentou na maca e abraçou os dois com muita emoção. Ver sua família unida assim não tinha outra explicação — Deus descomplica o que complicamos, restaura o que destruímos.
O momento entre família estava muito gostoso, tocaram no assunto do casamento de Grace com muita naturalidade, mostrando que ambos estavam ansiosos por aquilo.
— Até onde eu sei, o Thomas está a caminho. — Lúcia sugeriu, quando viu nos olhos de Grace a curiosidade sobre onde estaria Thomas naquele momento.
— Será que ele já não chegou? — Arthur olhou para o relógio no pulso. — É bem provável que sim.
Assim que ouviu essa possibilidade, Grace sentiu seu coração aquecer. Será que ele estaria ali fora esperando para vê-la?
Ela pediu para que o levassem até ela.
Thomas, ansioso, com as pernas tremendo enquanto estava sentado no banco de espera, os cotovelos apoiados nos joelhos e a cabeça baixa, simplesmente saltou do banco quando ouviu uma enfermeira chamar seu nome. Luke já havia ido embora, Brenda dormia num dos bancos.
Thomas andava pelos corredores do hospital com uma mistura de saudade, ansiedade e gratidão a Deus por tudo o que tinha acontecido. Não fazia ideia do que faria quando a encontrasse. Queria dar-lhe um abraço apertado, para nunca mais soltá-la e perdê-la de vista.
No quarto, ainda estavam Arthur e Lúcia, abraçados e sentados num canto da sala. Thomas, ao abrir timidamente a porta e ver Grace tão frágil, sentada na maca com um jeitinho gracioso que só ela tinha, olhando-o com grande expectativa, simplesmente e sem muito pensar se lançou com rapidez para um abraço apertado seguido de milhares de beijos por toda extensão de sua face. Se havia lhe beijado nos lábios, nem notara.
Grace sorria enquanto recebia aquele carinho desesperado. Era como se ele quisesse comprovar com todos os seus sentidos que ela estava realmente ali, segura. Sentia o distante perfume de seu cabelo, o gosto doce de sua pele, o som agradável de seus breves risos, a textura macia de sua pele e a olhava de tempo em tempo com um olhar surpreso e feliz por ver tão esperada imagem novamente.
— Você está bem? — ele perguntou, sentando-se ao seu lado e segurando suas mãos com ternura. — Me perdoa. Eu não pude fazer nada.
— Não foi isso que eu ouvi falar. Fiquei sabendo que você reuniu uma comitiva para me salvar.
— Eu nunca vou ser capaz de descrever o cuidado de Deus em criar uma coisa tão bonita quanto a amizade — Thomas sorria, olhava para Grace com um olhar apaixonado.
— Lydia, Brenda e Luke... quem diria! — Grace riu, tentando imaginar a cena dos três discutindo sobre o seu paradeiro.
— Eu não podia te perder. — Thomas fez um carinho nas mãos de Grace enquanto mudava completamente de assunto.
— Foi horrível. Acho que ele está louco — Grace brincou com os dedos de Thomas enquanto falava, seu semblante caiu quando se lembrou das cenas.
— Eu pedi para Deus te guardar, só temos motivos para agradecer por você estar aqui. — Thomas sorriu. — E por eu ter essa oportunidade maravilhosa de te ver, poucas semanas antes do nosso casamento.
— É... você é a melhor parte do meu dia — Grace disse com um sorriso no rosto. Thomas não iria dizer nada, estava se preparando para falar as três pequenas palavras, criando um clima mais romântico, até que Grace resolveu deixá-lo constrangido. — E eu acho que você meio que me beijou quando entrou aqui, não? — ela constatou, fazendo Thomas soltar um suspiro e uma risada.
— Beijei? E foi tão ruim assim que eu nem percebi? — Thomas brincou. — Achei que meu primeiro beijo seria mágico.
— Digamos que esse não valeu. Mas você não pode vir me beijando assim mais não, viu?! — Grace disse, com seriedade.
— Tudo bem — Thomas levantou as mãos em rendição. — Queria ver se você não faria o mesmo depois de passar horas, desesperada, sem notícias minhas.
— Eu, definitivamente, não faria isso — Grace disse, orgulhosa.
— Posso falar a verdade? Estou muito nervoso com essa coisa de primeiro beijo — Thomas disse, meio sem jeito.
Grace gargalhou.
— Eu tenho certeza que você deve ser bom nisso. E eu nem me importo se não for, de verdade. — Ela tentou enchê-lo de confiança, ficando um pouco sem graça quando reparou que ele a olhava com muita intensidade, mesmo em meio às risadas — Que foi?
— Eu amo você — ele disse baixinho e sorriu para ela.
— Eu te...— Grace nem terminara a frase porque foi surpreendida por alguém abrindo a porta bruscamente, o que fez os dois quase saltarem da maca. Por favor, sem mais surpresas por hoje.
— Até que enfim me deixaram entrar. — Brenda fechou a porta atrás de si. — Eu acordei, e esse trouxa tinha me deixado sozinha — reclamou, apontando para Thomas.
Ambos olharam para a amiga com muita alegria. Apesar de estar atrapalhando um momento tão particular, eles não se importavam — assim eles me disseram.
— Eu tive um sonho — ela continuou a falar. — Acho que vou cursar Letras.
— Mas que aleatória! Você nem sabe ler — Thomas caçoou.
— Cala a boca — ela revirou os olhos. — O ponto é que eu acho a história de vocês incrível. Cheia de altos e baixos. Um amor impossível. Vocês aprenderam a se gostar. Enfrentaram muitas coisas juntos, mas nunca perderam a fé. Acho que essa história tem que ser contada, espalhada aos quatro ventos. Não sei.
— Você pode começar agora, te passo uns prints, áudios e documentos. — Thomas brincou, olhando para Grace.
— Por favor, troque os nomes. Mude certos detalhes e pecados que cometi — Grace se preocupou.
— Não posso faltar com a verdade — Brenda disse, resoluta. — Será um documentário investigativo.
— Ah, pronto! — Thomas pôs as mãos na cabeça enquanto ria, mal acreditando na amiga.
— Eu estou falando sério. Eu aprendi muito com vocês dois, mesmo que indiretamente, mesmo sem saber todos os detalhes da história. Eu sinto que algo em mim mudou, e vocês foram essenciais nisso.
— Ah, Bê — Grace fitou a amiga com um olhar carinhoso.
— Tenho certeza que mais alguém pode se beneficiar com o que vocês têm a dizer.
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O maior capítulo da história dessa minha primeira experiência como escritora. Mais de sete mil palavras. E nem elas são capazes e expressar minha felicidade em ter concluído isso aqui.
Resolvi colocar todos os personagens no capítulo e um vai-vem de cenários distintos. Vocês gostaram do movimento?
Tá, mas cadê o casamento? Ok, vai ter capítulo bônus, sim. Deixe-me só absorver esse Gran Finale aqui ⭐
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