frésias amarelas
O domingo chegou. Grace recebeu uma ligação de Matthew, que estava tratando-a em termos como "amor", "namorada", normalmente, ainda que Grace pedisse para que se lembrasse que ela não queria voltar. Num último lampejo de esperança, Grace pediu que Matthew fosse ao culto de domingo, mesmo em Boston, mas ele dissera que estava muito ocupado com a última prova, na segunda-feira. Grace conversou com Lydia antes do culto, na igreja que ambas congregavam desde pequenas. Lydia dissera para a amiga que as coisas estavam fluindo muito bem com Thomas, sem pressões. Eles estavam conversando e ela tinha quase certeza que eles se beijariam em pouco tempo. Era incrível como Lydia só pensava nesse beijo. Depois do culto de noite, Thomas enviou uma mensagem de texto para Grace dizendo que, da próxima vez, ela deveria fazer uma visita à sua igreja-casa.
Na segunda-feira, logo no intervalo entre as aulas, pela primeira vez, sentaram-se juntos, o trio, numa mesa do refeitório. Thomas decididamente se sentou ao lado de Lydia e à frente de Grace. Estava tudo bem. Achavam que agora, aplicados os limites, conseguiriam ter uma amizade saudável. O que Grace não esperava era que isso poderia significar que Thomas se aproximaria mais de Lydia, que estava criando muitas esperanças.
— Meninas — disse Thomas assim que se sentou ao lado de Lydia.
— Oi, Thomas — disse Lydia num tom que evidenciava o quanto estava apaixonada por ele.
— Oi — disse Grace segurando seu hambúrguer.
— Hoje tive um sonho estranho — disse Thomas.
— É sério? E como foi? — Lydia amava ouvir sobre sonhos. Mal pôde conter seu entusiasmo.
Grace levantou os olhos para os dois. Queria saber o que tinha acontecido no sonho de Thomas.
— Eu... Hum. — Thomas coçou a cabeça num gesto de insegurança. — Eu sonhei que estava para casar.
— Comigo? — Lydia perguntou.
— Não sei. — Thomas sorriu meio sem graça. — Eu sei que é bizarro, mas eu não vi o rosto da noiva.
O que ele estava pretendendo com aquilo? E por quê ele havia usado a palavra deles para se referir a isso? Bizarro? Não podia ser. Além de sonhar que estava se casando com uma moça estranha, enigmática, estava usando os dialetos que usava com Grace.
— E como foi? Me conta — Lydia bateu palminhas e se jogou para mais perto de Thomas.
– Eu estava entrando numa igreja muito grande e...—
— Ah, eu não queria me casar numa igreja! Mas, tudo bem... Continua...— Lydia interrompeu.
— E tinha um tapete branco, com várias pessoas que eu conheço nos bancos olhando para mim. Eu estava ao lado do meu pai e, tá, eu sei que o noivo entra com a mãe, mas era um sonho, nada fazia muito sentido, então relevem—
— Tá, tudo bem. Continua.
— Havia flores por todo o canto... eram... hum—
— Rosas? — Lydia falou da única espécie de flor que se lembrava.
— Não. Começam com F. Minha mãe gosta delas. Me esqueci. — Thomas colocou a mão sobre a cabeça, tentando lembrar.
— Frésias? — Grace se intrometeu um pouco.
— Isso. — Thomas olhou para ela com intensidade. — Frésias amarelas.
— Amarelas? — Lydia fez uma cara de desgosto.
— As amarelas são as mais bonitas, Lyd. — Grace se intrometeu mais uma vez.
— Só porque é a sua cor preferida. — Lydia revirou os olhos.
— Sério? — Thomas sorriu disfarçadamente, quase sibilando um 'bizarro'.
— Sim... — disse Grace e limpou a garganta. — Acredito que faz sentido. Se era o casamento de vocês dois, eu que devo ter arrumado tudo para vocês.
— Faz sentido, amiga — Lydia voltou a ficar feliz. — Continua, Tommy.
Aquele apelido soava melhor na voz de Grace, Thomas pensara. Grace não sabia que Lydia o chamava daquele jeito. Naquele momento, se beliscou por sentir ciúme daquilo.
— Então... Depois de um tempo, minha noiva entrou. Era um vestido longo e não tinha tanto brilho quanto os atuais. Era lindo, e ela usava um véu muito bonito. Era bem simples, mas não conseguia ver o rosto.
— Ah — Lydia estava quase derretida naquela cadeira de refeitório.
— E, hum. A Grace também estava lá. — Thomas continuou. Isso significava que a noiva não era mesmo Grace.
— Sério? — Grace subitamente se animou. — E como eu estava?
— Você estava com um vestido de algum tipo de vermelho. Só que meio escuro e discreto. E nem tão vermelho assim.
— Bordô? — Grace perguntou.
— Isso lá é cor? — Thomas levantou uma sobrancelha.
— Existem vários tons de várias cores. Bordô está entre o vermelho e o marrom.
— Então deve ter sido isso. — Thomas deu de ombros.
— Entendi.
— Estava muito linda... — Thomas quase engasgou — ...a festa. Você até que estava bonitinha também.
— Ah, sim. — Dessa vez Lydia quem cortara o assunto, sem permitir que Grace falasse qualquer coisa. — Bom, muito bom saber que você sonhou comigo e que a Grace estava lá também.
Thomas riu.
— Ah, Lydia. Já falei para parar com essa besteira de querer me conquistar. Não funciona comigo. — Ele riu, mas logo ficou sério. — E eu estou falando bem sério.
— Eu sei, bobinho. — Lydia confessou, querendo dizer que não tinha esperança alguma, mas ainda tinha certa intenção maliciosa no olhar. Grace ficou extremamente preocupada em como estava o coração da amiga.
Mesmo que Lydia não admitisse, não gostou nem um pouco de saber que Grace fizera parte do sonho. Mesmo que ele estivesse casando com ela, ainda assim a sombra de sua melhor amiga não estava eliminada completamente. Depois daquele fora jocoso de Thomas, havia ficado chateada, só conseguindo dar sorrisos falsos e se distanciando cada vez mais daquela atmosfera.
Na última aula, quando estava conversando com Grace, não deixou escapar certas coisas que acabaram deixando a amiga de orelha em pé.
— Acho que aquele sonho foi algo muito estranho, você não acha?
— Como assim? — Grace estava copiando algum cálculo do quadro — Você não gostou?
— Não é que eu não tenha gostado. Você acha que ele quer casar logo? É por isso que ele não quer um relacionamento comigo? Ele é meio apressadinho. Eu não queria me casar antes dos trinta; mas, se fosse com o Thomas, talvez eu consideraria a oportunidade.
— Entendi... — Grace disse um pouco incomodada com o tom da amiga.
— E ele também sonhou com você, pode ser que esteja confuso...
— Como assim 'confuso'? — Grace largou o lápis para entender o que a amiga estava querendo dizer.
— É... sobre mim. Ele devia sonhar só comigo. Não com você. Você não acha que ele está falando muito com você ultimamente?
— Não sei ao certo...
— Ele tem falado sobre mim?
— É... — pensou seriamente sobre o assunto e se lembrou que não falavam de Lydia há um bom tempo. Isso a incomodou extremamente. Era sobre Lydia que deveriam estar conversando, não? Era nela que ele tinha interesse.
— Hum. Não falam de mim. Entendi — ela constatou sozinha, mostrando estar decepcionada.
— Eu não disse isso.
— O problema é que você nunca diz nada! — A amiga quase gritou, mostrando para Grace que, mais uma vez, ela estava completamente errada em não se posicionar em nada, em não falar nada.
O sinal para o final das aulas soou e Lydia resolveu ir para casa sem muitas delongas. Grace procurou Thomas com uma convicção dentro de si: não havia jeito, eles não podiam mais ser amigos. Conseguiu avistá-lo próximo à saída da escola e o olhou do jeito que o fez entender exatamente o que viria depois. Ao olhar Grace daquele jeito, já estava se preparando para perdê-la. É claro que ele não esperava que seria naquele dia, mas sabia que aconteceria em breve.
— Precisamos conversar — disse Grace quando Thomas se pôs em sua frente na saída da escola. Ele era tão grande que Grace tinha que ajustar o ângulo em seu pescoço. — Podemos sentar um pouco?
— Claro.
Foram em direção a um banco atrás da escola. Ali poderiam conversar em paz, já que todos estavam indo para suas casas.
— Preciso ser sincera com você. Comigo. Com a Lydia.
— Fala. — Thomas só queria ouvir as palavras saírem da boca de Grace com exatidão.
— Sinto que estou atrapalhando o relacionamento de vocês.
— Que relacionamento? — Thomas olhou para Grace, cético com o que ouvira.
— Não tente negar. O seu e da Lydia. Ela está com muito ciúmes.
— Ela comentou comigo — Thoma admitiu.
— Então...— Grace fez um silêncio mortal.
— Então... — Thomas repetiu, temendo o que viria em seguida.
— Eu decidi que devemos parar de nos falar — Grace disse, com toda força que ainda lhe sobrava. Achava que dizer logo aliviaria toda a tensão, mas isso a havia deixado mais tensa do que nunca.
— Parar? — A cada frase Thomas sentia que a estava perdendo mais.
— É... não sei por quanto tempo. Mas até que o relacionamento de vocês se concretize. Não sei.
— Concretizar? Grace você está viajando. — Thomas levantou a sobrancelha.
— Sim. Concretizar. Principalmente quando você a beijar. Ela está esperando isso há muito tempo. Qual é o problema? — Grace soltou todas as palavras como num jato.
— Beijar?
— Isso, Thomas. É isso que as pessoas fazem.
— Grace. Acho que você não entendeu absolutamente nada. — Thomas esfregou o roato, desacreditado no que ouvia.
— Por que você nunca é direto? Por que não a beijou até hoje? Teve todas as oportunidades. E ela é uma garota muito legal. E ela sempre vai à igreja comigo, não é como se ela fosse ateia, sei lá. Talvez só precise amadurecer um pouco. Mas ela é cristã! — Grace não conseguia pausar qualquer fala.
Grace achava que Thomas a entenderia perfeitamente, mas só estava gerando mais confusão.
— Hum... — Thomas coçou a cabeça de novo naquele dia.
Grace respirou fundo para explicar mais uma vez.
— Thomas, não estou falando para fazer algo errado, como assaltar um banco ou matar alguém. É só um beijo inocente. As pessoas conseguem dar beijos decentes. Até parece que você nunca namorou!
— Sobre isso... — Thomas começou, hesitante.
Grace parou e olhou para Thomas, desacreditada.
— Não acredito! Você nunca namorou? Thomas! — Grace ficou de queixo caído.
— É... eu nunca namorei. — Thomas chutou uma pedra. Achava que a timidez iria embora assim.
— Isso complica um pouco as coisas... — Grace riu com a novidade. Nunca imaginara algo parecido vindo de Thomas. Logo ele, um garoto tão cobiçado.
— Grace... — Thomas começou, mas foi interrompido novamente.
— Mas isso não quer dizer que você nunca beijou uma menina, quer? — Grace olhou para Thomas, que estava concordando com a cabeça. — Não é possível! Thomas, você nunca beijou uma garota!
— Ei, idiota. Fala baixo. Você não quer que toda a escola fique espalhando isso por aí, não é?
— Não a-cre-di-to! — Grace disse pausadamente.
— Isso é tão ruim assim? — Thomas perguntou.
— Não... é diferente de tudo que já vi! — Grace disse, admirada, enquanto olhava nos olhos do amigo.
— Eu não acho que tenho que beijar alguém que não seja a minha esposa. Então, hum, não achei a minha esposa ainda e...—
— Então quer dizer que você só vai beijar a sua esposa?
— Sim. Foi exatamente o que eu disse — ele disse, convicto.
— Hum. Faz sentido. Eu não sabia que essa era a sua opinião sobre namoro. — Agora era o momento de Grace ficar tímida.
— Não é bom para você saber que os únicos beijos do Matthew são seus?
Sério que ele tinha que citar o Matthew na conversa?
— Ele já teve outras namoradas antes de mim — Grace comentou timidamente.
— Você já namorou antes dele? — Thomas perguntou, curioso.
— Não, ele é meu primeiro namorado. — Grace estava envergonhada, principalmente por sua consciência acusar que ela havia dado muito mais do que meros beijos inocentes.
— Isso é bom, não é?
Grace não respondeu. Estava pensativa demais para isso.
— Então. — Grace reparou que haviam perdido um pouco o rumo do assunto. — Vamos nos separar.
— Você e o Matthew? — Thomas pareceu confuso.
— Não. Eu e você. Não vamos nos falar mais por enquanto, tudo bem?
— Tudo bem.
"Tudo bem"? Grace esperava que Thomas fosse espernear, dizer que ela não podia fazer aquilo. Será que ela não era assim tão importante para ele? Ficar distante dele, para ela, era mais do que desesperador. Não deixou de se sentir um pouco constrangida com aquilo. Esperava alguma coisa a mais, já que ele a considerava uma "grande amiga". Esperava que ele resistisse, pelo menos um pouco. Mas não foi o que aconteceu, absolutamente, não foi. Esperava que ele lutasse por ela. Mas ele simplesmente aceitou a proposta idiota de Grace.
Ela esperava ter mais valor para o amigo, esperava que ele lutasse mais por ela; porém, da mesma forma, tudo o que Thomas havia feito foi preservar a vida emocional da amiga, se afastando subitamente dela para que ela parasse de sofrer com toda a incerteza que ele sentia que a estava rodeando, assim como a ele. Thomas não contava que pudesse magoá-la por isso, mas tudo o que ela fez foi abrir-lhe os olhos para o mal que ele estava fazendo à sua querida amiga. Em sua cabeça era assim: Já que Grace está implorando que eu tenha um relacionamento com sua amiga, isso mostra que ela realmente ama o namorado. Não havia nada mais a se fazer.
Estavam de acordo, afinal. E o acordo era: ficar longe um do outro até não aguentarem mais.
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Não esquece a estrelinha. ⭐
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