a caixa
Se pudesse fazer um checklist de todos os motivos que tinha para chorar, de todas as pessoas que acabara de perder, Grace perderia toda a noite ticando os quadrados da caderneta.
✓ Thomas, afastamento por tempo indeterminado.
✓ Matthew, separação extremamente vergonhosa.
✓ Família do Matthew, desligamento consequente do término.
✓ Lydia, decepção inesperada.
Mas é claro que não teve tempo para isso. Nem é preciso te dizer que foi o pior aniversário da sua vida.
Sentiria falta de Matthew, apesar do namoro estar sendo empurrado com a barriga há meses, mas também sentiria falta de Sabrine. Logo agora que as coisas pareciam estar indo bem entre elas. Com certeza, Sabrine iria odiá-la para sempre depois daquilo, pensou.
Lydia não podia ter feito aquelas perguntas, não assim tão na lata, nem naquele momento. Sentiria falta da amiga de infância, sabia que nenhuma outra pessoa poderia suprir seu lugar.
Pensando várias coisas ao mesmo tempo, deitada na cama, Grace percebia que Thomas estava sempre presente em tudo, não de forma que ele era a causa de tudo, mas que ele havia, sim, sido uma peça fundamental para que ela entendesse o que realmente queria, quem ela realmente era.
Chegou a se perguntar se Lydia não estaria certa. E chegou à conclusão que não. Por mais que Thomas tenha estado com ela esse tempo todo, a sua mudança não era por causa dele. Era ela. Ela quem estava mudando.
Já era 3 horas da manhã, Grace ainda não havia dormido. Não conseguia de jeito nenhum. Sua aflição era tão grande que não conseguia respirar direito dentro de seu quarto.
Ajoelhou-se e orou. Colocou todos os seus sentimentos na mão de Deus e lembrou-se do Salmo 46, versículo 10.
"Aquietai-vos, e sabei que sou Deus"
Respirou fundo, com o coração mais leve. Tinha certeza que tinha feito a coisa certa, então sabia que as coisas iriam se encaixar.
Levantou-se e abriu a porta do quarto, certificando-se de sua mãe não estivesse acordada. E realmente não estava. Foi até a cozinha e bebeu um copo d'água. Olhou para a sua mesa de aniversário, ainda toda suja de glacê. O bolo estava na geladeira. Grace pensou em pegar um pedaço, mas sentiu seu estômago embrulhar.
Olhava para a mesa, tentando se lembrar de alguma coisa que não sabia o que era. Sabe aquela sensação de estar esquecendo de algo?
Grace sentiu seu celular vibrar em seu bolso. O primeiro pensamento foi: Thomas.
Será que ele soube de seu aniversário e resolveu mandar uma mensagem de madrugada?
Tanta coisa havia acontecido que acabara esquecendo que Thomas havia deixado um presente para ela debaixo da mesa. Pelo menos foi isso que entendeu com a presença de Brenda na festa.
Voou para debaixo da mesa e pegou a caixa, surpreendentemente pesada.
Fechou a porta do quarto atrás de si, descansou a caixa na cama e sentou-se. Começou a desamarrar o laço desesperadamente quando lembrou-se que era melhor ver o que tinha no celular.
Era uma mensagem de texto.
De Matthew.
Um texto gigante.
Grace respirou fundo e tomou coragem para desbloquear o celular. Dizia o seguinte:
Grace, não sei o que você quis dizer. Mas acho que não foi o que eu ouvi. Você não se lembra do quanto você me ama? Ou do quanto combinamos um com o outro? Eu sei que eu vacilo muito com você, eu sei, de verdade. Mas você tem que entender que a gente cresce, tem que ter responsabilidades. Eu não posso estar com você o tempo todo. Tenho que me dedicar à faculdade, e você parece não entender isso. Eu estou tentando fazer dar certo, ainda que você entenda que não. Estudar está me matando. Você devia vir morar comigo, não sei. Eu falo com seus pais, eles gostam de mim, vão deixar, com certeza. Eu falo que você vai ser tratada como uma princesa aqui, e pronto. Você fica comigo. Mas não precisa terminar comigo. Eu sei que não é isso que você quer. Você é louca por mim, lembra? Por favor, estou passando tão mal aqui na casa dos meus pais. Tenho que ir embora hoje de tarde, não sem antes almoçar com você e saber o que você quer que eu faça por você. Você sabe que eu faço tudo. Largo tudo. Mas não faz charminho. É só dizer, eu te levo pra Boston hoje mesmo.
Será possível? Ele nunca iria entender? Grace sentiu-se mal justamente por não ter deixado as coisas claras para ele.
A barriga de Grace gelou só por saber que ele passaria em sua casa para que almoçassem juntos. Não teria jeito. Eles tinham que conversar. E agora Grace teria de dizer com todas as palavras que não queria mais.
"Argh! Que chato!", pensou Grace, jogando o celular na cama.
Olhou para a caixa, reparando mais em seus detalhes agora.
A CAIXA POR FORA
Era feita de uma espécie de MDF fininho, pintada de azul clarinho, bem simples. O laço que havia acabado de tirar era amarelo. Isso não poderia ser mais agradável para ela, já que amarelo era a sua cor preferida.
Abriu a tampa da caixa com muito cuidado. Com receio do que poderia estar ali dentro.
A CAIXA POR DENTRO
Grace se espantou com a quantidade de coisas dentro. Thomas teve o trabalho de picar algumas tiras de jornal velho, só para encher a caixa e esconder seu conteúdo à primeira vista.
Pegou aquilo que tinha mais volume dentro da caixa. Era o que mais pesava dentro dela.
Um box de quatro livros. Obviamente, eram do C.S. Lewis.
Bem na capa do box havia um papel colado com figurinhas do Batman, estava escrito:
Isso é para a senhorita aprender que livros físicos são melhores do que um tablet. (É porque não tive tempo de te comprar, mas você deveria ter um kindle, pelo menos não faz mal aos olhos.)
Grace sorriu feito boba, ainda sem acreditar que ele havia comprado um box de livros para ela. Cerrou os olhos e tentou ler o que estava escrito com letras bem pequenas, debaixo de uma setinha para um adesivo.
Não é pra reparar nos adesivos. Achei que você não iria gostar que eu colasse minhas cartas com super-cola nos seus presentes. Aí eu encontrei meu caderno da sétima série.
Grace riu. Não acreditava em como poderia sorrir depois daquele dia difícil. Apenas Thomas tinha aquele efeito sobre ela. Queria poder ir à casa dele naquele momento para agradecer.
Abriu o box e viu os quatro livros:
· Cristianismo puro e simples;
· A Abolição do homem;
· O peso da glória; e, é claro,
· Os quatro amores.
Colocou os livros do seu lado e voltou seus olhos para o interior da caixa. Ainda havia muito papel lá dentro, mas conseguiu sentir um metal gelado em seus dedos.
Segurou e não acreditou no que via. A pequena escultura do Balmoral que havia visto no quarto de Thomas há algum tempo. Achava que aquilo tinha valor sentimental e que era até caro demais para se dar, assim, de presente para alguém que nunca havia ido à Escócia.
Bem dentro do interior da escultura vazada havia um papel no formato de pergaminho. Retirou o papel lá de dentro, desenrolou e começou a ler, tentando manter a calma, mas com o coração saltando pela boca.
Essa escultura simbolizava tudo para mim. Ali (na Escócia) estava o meu futuro, a minha vida. Então eu fui. Cedo demais, mas fui...
"Como assim, 'fui'?", pensava Grace, sem conseguir parar os olhos na carta. Ela ficava cada vez mais sem ar enquanto lia. Não estava preparada para o que estava prestes a ler. Esperava que, ao menos, o veria todos os dias na escola.
Eu sinto muito por não ter avisado. Foi melhor assim. Convenhamos que eu nunca (nunca!) conseguiria ficar sem falar com você, ainda mais por tempo indeterminado. Segunda-feira mesmo eu iria te abraçar e dizer que a gente é muito exagerado, não precisava disso tudo, era só eu não inventar mais que você namora a pessoa errada e que eu sou acerta (etc. etc. etc. e todos aqueles fatos que os pesquisadores já provaram que são verdades incontestáveis). Mas aí eu vi que você precisava ficar mesmo longe de mim, já causei estrago demais. E, no final das contas, eu estaria realizando um sonho, né? Estudar na Escócia.
Eu fui, Gracinha, e sinto muito por ser tão idiota pra te contar por carta. Mas a culpa é sua que resolveu fazer aniversário logo hoje e, pior!, não me avisou. Isso foi cruel! Mas, de todos os foras que já levei de você, esse é fichinha ;) (eu acho essa carinha tão sarcástica!, não foi a intenção, ou foi, não sei).
Achei que ir para a Escócia seria a maior felicidade da minha vida, mas só consigo pensar que a Escócia se tornou menos atraente depois que te conheci. Contudo, minha intenção não é entrar em detalhes do que eu venho pensando.
Sinceramente, eu quero te dar os parabéns e te desejar todas as coisas que as pessoas geralmente desejam nos aniversários, ad nauseam. Mas, acima de tudo, desejo que você cumpra o que prometeu, diante de Deus. Você não deve nada a mim. Somos devedores da graça de Deus, ainda que nunca consigamos pagar. Viva pra Ele.
E, sério, seja firme em suas convicções. Não regresse, continue.
Pra finalizar, eu diria que eu te amo (como um Grande Amigo, daqueles que amam muito a amiga, sabe?). Mas isso seria muito errado, tanto porque seria parcialmente mentira, tanto porque seria muito perigoso (as paredes têm ouvidos).
Darei um ar de mistério na presente carta e não revelarei meus sentimentos, apesar do fato de que sei que eles estão estampados na minha cara.
Se ainda restar alguma dúvida, lembre-se: ainda que do outro lado do oceano, longe do Novo Mundo, pacientemente estarei esperando.
Com muita saudade,
T. V. F.
Grace chorava, ainda que risse descompassadamente das coisas bobas que ele havia escrito. Ainda não havia caído a ficha de que, naquele momento, Thomas estava do outro lado do oceano.
Se ele soubesse o quanto ela precisava de sua amizade naquele momento, Grace sabia que ele atravessaria o vasto oceano para encontrá-la. Mas não era assim que as coisas funcionavam. Grace não tinha mais ninguém. Nem mesmo Thomas, para sequer olhar durante as aulas. E isso era desesperador.
Por fim, havia uma caixa de lencinhos com um papel colado em mais um adesivo do Batman:
Um cavalheiro sempre tem um lencinho no bolso quando a donzela está em prantos. Comprei uma caixa pra mim, será que vai ser útil pra você também?
OBS.: garota, para de chorar!
Grace sorriu e só conseguia pensar na falta sufocante que Thomas iria fazer. Colocou os livros em sua estante, a caixa junto ao laço debaixo da cama, as cartas na gaveta de seu criado-mudo e a escultura em cima dele.
Por fim, aconchegou-se na cama e retirou um lenço da caixinha, pensando que não havia um presente melhor para aquela noite. Agradeceu por pelo menos não lhe faltar lenços para chorar.
Havia tristeza, mas também consolo naquilo tudo. As coisas cooperam para o bem, certo?
Pensou que a noite seria ainda mais longa. Mas logo dormiu, numa paz que nunca havia sentido.
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Não esquece a estrelinha. ⭐
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