46:10

Foram as vinte e duas horas mais agonizantes das vidas de Thomas e Grace. Sim, vinte e duas horas. Eles não conseguiram ficar nem ao menos um dia inteiro longe um do outro. Em casa, Grace, depois de ter lido a Bíblia, não conseguiu entender uma questão. "Se Deus sabe de todas as coisas, para que serve a oração?", essa foi uma questão sincera de Grace depois de fazer a sua oração matinal e colocar nas mãos de Deus tudo o que estava sentindo. Orar foi como aliviar as cargas, como uma resposta à sua pergunta. Todo o peso que ela carregava era eliminado assim que orava. Ela contara para Deus todas as coisas que estavam acontecendo, mesmo sabendo que Ele já sabia de tudo. Aquele paradoxo parecia grandioso demais para a mente dela. Ela tinha certeza que Thomas poderia ajudá-la a solucioná-lo. Quase ligou para ele. Mas, no último segundo, lembrou a si mesma que não estava sob condições de fazer aquilo.

Era costume de Thomas acordar às seis da manhã, se ajoelhar ao lado de sua cama e orar. Ele havia posto toda a sua ansiedade em oração e sentiu seu coração mais leve. Ele não sabia o que Deus lhe reservava, mas sabia que não havia nada que fugisse ao Seu controle.

Naquele dia, leram o mesmo versículo:

"Aquietai-vos, e sabei que eu sou Deus" (Salmo 46:10a).

Quando chegaram na escola, a princípio não se viram. Sabiam que, na quarta-aula, teriam Química III juntos e que inevitavelmente teriam que, no mínimo, se olhar. Isso aliviava os corações dos dois. Era bom para Thomas saber que Grace estava bem. Era bom para Grace saber que Thomas ainda estava ali.

Terminando o intervalo, os corações de ambos dispararam enquanto iam de encontro à sala do Sr. Ferdinand. Daquela vez, Thomas chegara primeiro. Havia sentado na segunda carteira da terceira fila. Isto é, a carteira atrás da que Grace havia sentado na semana passada. Não havendo mais nenhuma primeira carteira vazia, Grace teve que sentar bem à frente de Thomas, não sem antes sorrir para ele e revirar os olhos.

Sr. Ferdinand não estava falando nada de interessante naquela aula. Parecia ser mais algum tipo de revisão do ano anterior. Grace aproveitou para abrir seu caderno na última página e começar a escrever qualquer coisa que estivesse em sua mente.

Desenhou frésias amarelas ao redor da folha, um vestido azul que estava pensando em fazer e escreveu o versículo que não saía da sua cabeça naquela manhã. Era como se cada palavra acalmasse o seu coração. Aquietai-vos! Aquietai-vos!

Thomas, sentado atrás da amiga, se viu tão próximo a ela que notou uma pequena marca de nascença bem na nuca de Grace, que havia acabado de fazer uma trança de lado com o cabelo, distraída, pois a aula estava realmente muito chata. Thomas queria muito saber o que Grace estava escrevendo em seu caderno. Viu que havia lápis de cor amarelo-pastel e marca-textos coloridos por toda a carteira, mas não conseguia identificar sem que ela se virasse um pouco para o lado.

— Rãmm, ei — Thomas pigarreou cutucando o ombro da amiga.

Grace, por sua vez, sorriu olhando para frente ao sentir o toque do amigo em seu ombro. Ele não iria mesmo respeitar o acordo. Virou-se para o amigo, meio de lado.

— Oi. — Grace segurou o riso.

— Colega, você poderia me emprestar o — olhou para a carteira da amiga. Agora que ela estava de lado, podia ver claramente o que estava em seu caderno: frésias, vestido e o salmo 46:10, — apontador?

— Para quê você quer o apontador? Você só usa canetas e lapiseira, Tommy — Grace teve que rir, e aquele sorriso fez com que Thomas se desestabilizasse por completo.

— "Tommy"? Cadê o profissionalismo, Grace Daves? Achei que não fosse para a gente se falar.

— Ah, é? Então, tchau. — Grace se virou para frente e continuou a escrever em seu caderno.

— Ei, ei. Vem cá! Olha aqui. — Thomas voltou a cutucar a amiga.

— Que foi, Thomas Fraser? — Ela o olhou com os olhos semicerrados.

— Gracinha, onde foi que você leu esse versículo? — disse apontando para o caderno, o qual Grace subitamente fechou.

— Ei! Você não pode ler o meu ca...

— Desculpa. — Thomas levantou um pouco as mãos em defesa. — Achei que as garotas só tinham problemas com os diários, não achei que a última folha do caderno também fosse segredo.

— É, sim. — Grace riu para o amigo.

— Sinto sua falta, Grace. — O tom da conversa ficou bem mais melancólico aqui.

— Eu sinto sua falta também.

— Volta a falar comigo, sério. Eu prometo não exagerar dessa vez.

— Tá bom.

— O que? Sério? — Thomas disse espantado.

— Sério o que?

— Eu achei que você fosse mais difícil, Grace. Me decepcionou. — Thomas fingiu uma cara de desapontado.

— Você quer me eu me vire para frente e nunca mais volte a falar com você? — Grace apontou para frente.

— Por favor, não! Isso iria me matar — Thomas pôs as mãos no coração, simulando uma dor no peito.

— Você é muito besta.

— Onde você leu aquele versículo? — Thomas retornou à sua pergunta inicial.

— Na Bíblia, oras. Onde mais eu poderia ler?

— Que estranho... — Thomas comentou, confuso.

— Não vai me dizer que você também leu— Grace perguntou  mas foi interrompida por Thomas.

— Hoje mesmo? — questionou, espantado.

— Sim! — Grace confirmou.

— Bizarro — disseram exatamente juntos, quase alto o suficiente para que outras pessoas ouvissem.

— Credo! — Grace disse rindo.

Foi assim que Thomas e Grace romperam com o silêncio e voltaram a se falar normalmente. Não pensaram nas consequências, claro; mas sabiam que valia a pena tentar serem amigos. Afinal, sentiam-se bem um com o outro.

Depois daquela aula, ainda se encontraram na saída, e Thomas fez questão de acompanhar a amiga até o ponto de ônibus.

— Acho que devia ser o nosso lema — Grace disse, mesmo sem terem falado nada anteriormente.

— O que?

— Salmo 46:10. Que tal?

— Perfeito. Sabe? "Aquietai-vos", nesse salmo, significa "parem de lutar". A gente não tem que tentar fazer tudo por conta própria, Grace Daves. É importante deixar de lutar contra algo que a gente sabe que é inútil. Temos que confiar que Deus sabe o que faz.

— Sim. Então, sempre que a gente tentar resolver as coisas por nós mesmos, nosso lema vai ser  parar de lutar e aquietar no entendimento de que Deus é soberano, certo?

— Que bela coisa para se ouvir numa bela manhã de sol de uma bela moça, dona de uma tão bela voz! — Thomas brincou, mas estava mesmo admirado em ouvi-la falar sobre Deus.

— Perfeito — Grace sorriu para o amigo assim que chegaram ao ponto de ônibus. — Ah! Deixa eu te perguntar... não me ache estranha, por favor! É que eu estava me perguntando ontem quando fui dormir... se Deus sabe de todas as coisas, por que temos que orar?

— Você está se mostrando muito espertinha com esses seus questionamentos, não acha? Aposto que não conseguiu dormir pensando nisso. — Thomas admirou-se, mas continou a falar, agora num tom mais sério: — A oração é um exercício de fé. Foi através dela que Deus quis nos beneficiar diariamente. A sua oração não serve para informar alguma coisa nova a Deus, pois Ele sabe de tudo, nem para fazer com que Deus seja convencido por nossa apelação, mas para expressar a nossa confiança nEle. Orar é mostrar fé e dependência em Deus. Sem contar nos demais benefícios da oração. Ter certeza que Deus nos ouve faz bem à nossa alma, nos acalma e nos faz confiar que Ele está sob o controle de tudo. Não é que a sua oração mude a vontade de Deus, mas ela muda o seu coração. Ah, e tem também o fato de que Deus é tão gracioso que prometeu que nos daria o que quer que pedíssemos; só crendo mesmo, sem qualquer merecimento. Essa última parte eu humanamente não consigo explicar.

— Uau! Thomas! — disse Grace, maravilhada com tudo o que estava ouvindo.

— Que foi, bobinha? — Thomas olhava para ela com um sorriso tão bonito que Grace mal podia responder.

— Você simplesmente explodiu minha mente! É tão bom ter um amigo sábio! — Grace olhava para ele com os olhos brilhando de admiração.

— Ah, não me deixe lisonjeado, mocinha. — Thomas deu um leve toque no nariz arrebitado de Grace.

— É sério. — Ela insistiu.

Ao ouvir aquilo tudo, Thomas se lembrou de um convite que há muito tempo pensava em fazer a alguém. Não esperava que fosse fazê-lo a uma amiga. Achava que faria isso com sua futura esposa, ou algo assim. Mas estava feliz por ser Grace. Mesmo que achasse que ela não iria aceitar, teve plena convicção de que ela seria a pessoa perfeita para aquilo.

— Ei, tenho um convite para te fazer.

— Oi? — Grace olhou para o ônibus que estava quase chegando — Fala logo.

— Mas você tem que estar certa do que você está aceitando.

— Fala, Thomas — Grace estava ansiosa pelo convite, mas ele parecia não perceber que o ônibus estava prestes a parar bem à frente deles.

— Você quer mudar a sua vida?

— O quê? Como assim? — disse Grace assim que o ônibus parou.

— Você quer mudar o sentido do seu mundo? Aceita mudar completamente a sua visão?

— Oi? Thomas, eu tenho que entrar — Grace só estava esperando o último aluno entrar no ônibus.

— Só me diz que confia em mim, que você pode caminhar junto comigo e que vai querer mudar sua vida junto comigo — Thomas foi aumentando o tom da voz à medida que Grace ia se afastando...

— Mas é claro que sim, Tommy.

— Então, se prepare. Sua vida vai mudar completamente a partir de agora — gritou Thomas assim que Grace colocou sua cabeça na janela do ônibus.

— Estou preparada! — disse Grace ao vento, o ônibus já havia partido, e Thomas não desviou o olhar de Grace por um segundo sequer.

Grace se perguntava, bem ali no movimento do ônibus, o que mais poderia mudar em sua vida depois de tudo o que Thomas fez. Desde o momento em que Thomas entrara na vida de Grace, tudo já estava de cabeça para baixo, todas as suas bases estavam estremecidas.

Grace sentiu bem no fundo que já havia aceitado aquele convite antes mesmo de Thomas tê-lo feito.

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Não esquece a estrelinha. ⭐

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