🟢Capítulo 9/2
— Uma tônica com limão e gelo, por favor — solicitei ao bartender na mesa de bebidas.
Rivera havia se afastado há pouco, para bajular o Marshall e alguns investidores em potencial, que a psiquiatra sabia exatamente com persuadir a preencher cheques com vários dígitos. Agradeci a Deus por isso, assim ela não ficaria relembrando a cada dez segundo o quanto a residente estava linda, ou narrando cada movimento da mão de Guerra nas costas de Thompson e o quanto isso parecia lhe incomodar. Desviei a atenção dos homens de cabelo grisalho e ternos que valiam mais que o meu carro e fui à procura de Isaac. O avistei próximo a mesa de quitutes, junto de um grupo seleto, do qual faziam parte uma neurocirurgiã e cinco residentes de departamentos distintos.
Isaac veio ao meu encontro e me convenceu a acompanhá-lo até onde os outros estavam. Após cumprimentar a todos, mantive a atenção nos comentários cômicos de Elisabeth sobre minha presença ser a causa de futuros desastres naturais, ventando a curiosidade crescente para ver de perto como o longo macacão berinjela, que lhe delineava as curvas generosas, enaltecia a cor dos olhos da residente. A íris cor-de-jade provavelmente fora realçada pelo roxo, tornado notória a diferença entre elas, já que a outra era uma variação de âmbar quase tão clara quanto o mel.
A psiquiatra se juntara a nós logo após Guerra afastar-se, para atender a um telefonema. Neville fizera um comentário provocativo sobre ele não poder atender à namorada grávida em público. Notei quando o espanto e a raiva travaram uma luta silenciosa, para decidir quem se sobressairia na face de Thompson, que por fim acabou rindo como todos os outros, não tão espontaneamente como eles, claro.
Thompson fora até o jardim para fumar, desta vez Isaac não resolveu acompanhar, então, dispensando um convite, Neville decidiu lhe fazer companhia. O hábito desagradável parecia ser esporádico no caso dela, uma forma nada saudável de diminuir o estresse uma vez ou outra.
Acredito que nem mesmo um maço inteiro de cigarros, teria evitado a cena com a qual me deparei além das vidraças do corredor que dava acesso ao banheiro. Uma dose de propofol talvez pudesse deter a residente. Não, dada a fúria com que ela desferia cada um dos socos contra o rosto da Neville, mantida presa ao chão pelo peso da outra, montada sob seu abdômen — nem um tranquilizante para elefante derrubaria Thompson. Todavia, eu, em um momento de desordem mental, decidi correr até a saída de emergência e interromper a briga, sozinho e de mãos limpas.
Seu cotovelo atingira-me no meio da face no exato momento que minhas mãos agarram-na pela cintura e arrastou-lhe para o mais longe possível da outra residente. O líquido quente escorrera entre os pelos sobre minha boca, inundando-a rapidamente do fluido com gosto ferroso.
— Droga, Thompson! — exclamei após solta-la e cuspir o sangue no chão. — Você quebrou o meu nariz!
Joguei a cabeça para trás, em parte para diminuir o sangramento, mas principalmente para que pudesse tatear sobre a área dolorosamente sensível. A deformidade explicava o porquê de não conseguir respirar. Uma parte de mim sabia o que precisava ser feito para liberar novamente a passagem do ar, no entanto, esta também se lembrava da dor que experimentei na infância, quando o médico precisou voltar o osso no lugar depois do incidente envolvendo a porta do porão e minha mãe.
Contudo, eu não tinha mais nove anos, então fui rápido e preciso. Gemi como adulto, entredentes e baixo, mas meus olhos marejaram e escorreram como os de uma criança.
O sangue se esvaiu com mais intensidade, escorrendo pelo queixo, pescoço e tingindo a camisa que usava. Caminhei em direção ao carro, que por sorte havia estacionado do outro lado da rua. Thompson se pôs no meu caminho.
— Precisa ir para emergência!
— Tenho tudo que eu preciso em casa. — Avancei um passo, mas sua mão na altura do meu estômago me deteve novamente.
— Você não vai conseguir dirigir, porque precisa manter a mão pressionando o nariz e a cabeça inclinada pra frente, para não acumular sangue na sua garganta.
— Eu dou um jeito.
— Posso dirigir para você — propôs receosa. — Porque se a polícia te parar...
— Parece que não tenho escolha, não é?
Entreguei-lhe as chaves e caminhamos até o carro, onde ela se adiantou e abriu a porta do passageiro para mim, rindo da inversão de papéis, apenas revirei os olhos. Encarei a janela por todo o trajeto até o prédio, excluindo qualquer tentativa da residente de conversar.
* * *
Pelo espelho do elevador, constatei que a hemorragia havia cessado. Deixei a residente na sala quando adentramos o apartamento e segui para o banheiro. Lavei-me na pia, depois coloquei uma camisa limpa. Quando retornei ao cômodo onde a residente estava, ela analisava os volumes dispostos na estante de livros, porém logo virou-se para mim.
— Como fome? — Thompson assentiu para a minha pergunta. — Vou preparar algo rápido para a gente, depois te levo para casa.
— Tá — Deu de ombros. —Você joga? — perguntou, encontrando em uma das prateleiras um tabuleiro de xadrez devidamente organizado, pronto para uma partida. Talvez com um pouco de poeira a mais do que eu gostaria, mas o tempo também não me permitia fazer algo a respeito. — Ou só faz parte da decoração como o piano?
Analisou o instrumento posicionado diante da janela de vidro que perdurava do chão ao teto, o que nos teria proporcionado uma pela vista do mar se a escuridão não o tivesse engolido.
— Já ouviu falar Beethoven? — Sorriu. Retirei o celular do bolso e avisei ao Isaac sobre ter ido embora do coquetel. — Diferente do piano, o xadrez faz parte da decoração. É difícil encontrar enxadristas à altura.
— Ganhei o torneio estadual no colégio três vezes consecutivas — retorquiu com altivez.
Semicerrei os olhos, fingindo desconfiança. Thompson aproximou-se da estante e pegou o tabuleiro, em seguida passara por mim para colocar o jogo sobre o balcão de mármore.
Queria dizer que não senti vontade nenhuma de olhar o quão bem aquela roupa deveria ter marcado seus nada modestos glúteos. Todavia, não o fiz. O hemisfério racional do meu cérebro era mais imponente do que o impulsivo que residia ao seu lado, um que estava constantemente cogitando atos antiéticos.
A moça começou reposicionar as peças que haviam saído do lugar, fui até o fogão e coloquei uma panela com água para cozinhar a massa, e a chaleira para fazer uma infusão de ervas.
— Fico com as pretas — comuniquei —, por isso fique a vontade para começar quando estiver pronta.
A moça sentou-se na banqueta do lado oposto ao que eu estava no balcão, por fim disse:
— Não pegue leve comigo, quero te derrotar de forma justa.
— Francamente, não sei se isso é excesso de confiança ou de pura inocência.
Ela semicerrou os olhos em censura, porém um dos cantos de sua boca acabou curvando-se involuntariamente, levando a um sorriso deveras traiçoeiro. Não sei se aquilo sempre fizera parte de seu plano, mas fiquei tão absorto na visão de seus lábios que não dei-me conta de que ela já havia feito sua primeira jogada. Um de seus peões havia avançado da D2 para D4, uma jogado inteligente, pois conseguiu abrir passagem para um dos bispos e a dama ao mesmo tempo. Em resposta a sua jogada, movi um dos meus cavalos para a F6.
À medida que a partida ia avançando, os lábios da garota ficavam mais inchados. Seus dentes não tinham dó nenhuma quando sucumbiam ao nervosismo e afundavam na carne macia de sua boca, acentuando cada vez mais o tom avermelhado, onde antes quem coloria era o batom.
Em quatro minutos e trinta e sete segundos, a dominância de cor oscilou várias vezes, no entanto, naquele exato momento a maioria das peças do tabuleiro eram pretas, logo as melhores jogadas certamente não tinham sido da minha oponente. Não foi difícil perceber que aquela era sua estratégia: sacrificar algumas de suas peças grandes para trazer-me, casa a casa, para mais perto dela. Mesmo tendo percebido desde o início que se tratava de uma armadilha, para enfraquecer minha defesa, à medida que avançava para capturar suas peças, me permiti cair em uma emboscada, enquanto estudava uma tática para fazê-la funcionar a meu favor.
— Xeque-mate! — Mas a residente fora mais rápida, finalizando o jogo apenas dois movimentos depois.
De fato havia subestimado o potencial da garota. Thompson sabia que, antes de qualquer coisa, eu tentaria entender sua estratégia, então foi assim que conseguiu manipular-me tão genialmente, fazendo-me acreditar que havia entendido seu plano e estava um passo a sua frente, quando na verdade o sacrifício de suas peças mais valiosas não eram uma distração, como me induziu a pensar, e sim o plano principal.
— Rainha de Katwe — concluí. — Você é realmente uma caixinha de surpresas.
— Fiquei com medo que você tivesse lido o livro, mas decidi arriscar mesmo assim.
Toquei a tela do celular, o mesmo se acendeu exibindo apenas a hora. A água já deveria estar fervendo.
— Tenho direito a uma revanche, certo?
— Meu pai me ensinou que devo parar enquanto ainda estou por cima. — Notei algo em seu semblante, porém eu devia ter interpretado errado. — E confesso que o desfrute de te ver por baixo, pelo menos uma vez, é indescritível e não posso permitir que dure tão pouco.
Senti-me horrível por ter interprestado de forma tão suja seu comentário. Todavia, me senti bem pior quando minha imaginação automaticamente transformou aquilo em uma imagem nítida e depravada. A verdade é que não teria sentindo-me dessa forma se tivesse repudiado aquilo no exato momento em que viera-me a mente, mas não o fiz.
— Eu não esperava ganhar — emendou, tomando meu silêncio como deixa —, mas me surpreendi em saber que os prodígios podem ser vencidos.
— Parece que esse título cabe mais a você do que a mim, Mel.
Seus olhos encontraram os meus com precisão, claramente surpresos, pois fora a primeira vez que a chamei de forma tão pessoal.
Thompson continuou junto à bancada na companhia de uma garrafa de cerveja, enquanto me assistia preparar o espaguete com molho caseiro e queijo, que não demorou muito a ficar pronto. Um engarrafado de cerveja, uma jarra de limonada e uma porção de casos bizarros mais tarde, dispensei o chá e concordamos que ficara tarde para leva-la para casa e em poucas horas poderíamos voltar juntos ao hospital.
— Fica com a minha cama, tenho um grande apreço por aquele sofá mesmo — disse, procurando no closet por algo que lhe fosse mais confortável para dormir.
— Sua cama é enorme, tem espeço suficiente para nem encostarmos um no outro.
Ela livrou-se do macacão, encarei o lustre até a mesma estar trajando uma das minhas regatas e uma calça de moletom, que ficara justa no quadril e comprida demais na barra. Não importava onde eu dormiria, contanto que ela ficasse logo do quarto de visitas, do outro lado do corredor.
* * *
Para outras pessoas que sofriam de nictofobia, acordar no escuro é a pior coisa que pode acontecer. Para mim, não existia nada mais assustador do que despertar no meio de um episódio de paralisia do sono e perceber que alguém acabou a luz. Droga, Thompson! Praguejei em pensamento, já que a mente era a última sob a qual tinha controle além dos olhos.
As unhas postiças cravadas nas minhas coxas, roubaram-me a capacidade de respirar pela perplexidade da situação. As pequeninas mãos escorregaram pelas minhas pernas, tão logo a ardência entregou que aquilo deixaria marcas. Meus batimentos ficaram descompassados quando senti o cós da boxer escorregar em direção aos meus joelho, rapidamente boa parte dos mais de seiscentos músculos do meu corpo se contraíram ao toque de sua boca quente ao redor do membro, cuja sensível fora aumentada pela rigidez.
O ar preso nos meus pulmões forçou passagem pela garganta comprimida, produzindo gemidos abafados. Os sons involuntários foram o que motivaram sua boca a aumentasse a compreensão e a velocidade de seus voluptuosos movimentos.
Uma de suas mãos subiu pelo meu abdômen, ouriçando cada um dos pelos ao longo do lento caminho até meu peito, onde os fios tinha um comprimento melhor para a finalidade que ela buscava. A garota agarrou uma boa quantidade dos finos pelos, puxando-os de uma forma estranhamente prazerosa, como no dia em que arrancou os elétrodos que prendera a mim dá maneira mais propositalmente punitiva possível. Inspirei grosseiro, forçando o ar a passar pelos dentes serrados com certa violência.
O tão almejado ápice se aproximava quando o estímulo fora interrompido subitamente. Teria suspirado com frustração se algo não estivesse impedindo o ar de sair. Meu tórax queimou como o oxigênio em seu interior tivesse em chamas. Senti novamente um gosto metálico dentro da minha boca. Era sangue. Quantidade suficiente dele para impedir-me de respirar.
O único sentido que restara, me permitiu ver o perturbador momento em a luz do banheiro invadiu o cômodo, quando Thompson abriu a porta lentamente, com os olhos vidrados na tela do celular em sua mão esquerda, enquanto a direita secava o rosto com a ponta da toalha, que trazia ao redor do pescoço.
— Seu nariz! — exclamou, correndo em direção à cama.
Sem hesitar, a residente montou sobre meu abdômen e virou meu rosto para o lado quanto se deu conta do que estava havendo.
— O que aconteceria se não tivesse aqui? — questionou apavorada. — Você ia sufocar com seu sangue antes da paralisia passar.
Agradeci a ela quando meu cérebro devolveu meus movimentos e a capacidade de falar. Thompson saiu de cima mim, e eu fui até o banheiro para me limpar.
— Você viu algo ruim? — A fitei por intermédio do espelho. — Sabe, durante a paralisia, porque li sobre alucinações, e você estava com a cara...
— Não foi a mais assustadora, mas certamente foi a pior de todas.
— Senta ali, para eu ver isso. — Indicou o vazo sanitário, obedeci sem questionar. — Tem alguma gaze naquelas gavetas?
Afastou-se antes mesmo que pudesse respondê-la, duas gavetas depois e seus olhos se puseram sobre mim com um excesso de julgamento que poderia ter sido evitado. A moça pegou um dos frascos de morfina.
— Não é o que você está pensando, Thompson.
— Tem o bastante aqui para confortar uma dúzia de pacientes terminais. Ou para sustentar uma dependência por um bom tempo.
— Não sou um viciado.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top