🔴Capítulo 5/2
Depois de encontra a sala de Diagnóstico com a ajuda de um gentil selador, não hesitei por nem um segundo antes de finalmente bater na terceira porta a direita e quando o fiz, esperava que sua voz autorizasse minha entrada, mas não aconteceu, então entrei de uma vez, convencida de que era ele quem havia se atrasado.
Meu peito expandia e comprimia freneticamente dada a minha corrida, para chegar antes que o ponteiro dos minutos saltasse para o próximo número, mas quando os olhos daquele no fundo da sala saltaram do tablet em suas mãos direto para mim, prendi o ar dentro dos pulmões até começar a queimar.
— Está tudo bem? — Müller indagou em tom sereno.
Assenti, vontade a respirar e me virando para fechar a porta, o que deixou a sala novamente à meia luz.
Foi automático, então quando me dei conta já havia feito, havia analisando o médico de cima a baixo lentamente enquanto andava em sua direção. Müller não usava um jaleco sobre o uniforme, o que deveria ser bem esporádico, já que era a primeira vez que o via assim. As outras ocasiões em que o vi sem jaleco, ou tinha um avental descartáveis, ou roupa de proteção cirúrgica sobre seu uniforme.
Tamanho foi o susto que levei, quando cheguei em seus rosto e constatei que ele havia assistindo tudo, que se fosse possível, meu coração teria parado naquele instante. Com uma agilidade incriminatória, desviei a atenção para uma fila de monitores, onde estavam presas algumas radiografias, enquanto esperava meu rosto e todo o resto parar de queimar, todavia já ficando mais aliviada pela pouca iluminação da sala não permitir que ele me visse corada.
Algo em um dos monitor me prendeu, algo sob o esterno, órgãos que não deveriam estar ali, pelo menos não dispostos daquela forma, pelo menos não daquele lado. Sim, o ápice cardíaco não estava virado para a esquerda como era de se esperar, fazendo com que os pulmões também ficassem invertidos.
Quando analisei a fileira composta por três monitores como um todo, descobri que se tratavam de peças embaralhadas do mesmo quebra-cabeça: tórax, crânio e cervical e no último havia abdômen e pelves. O monitor número três, estudei aquela imagem com mais atenção e não me assustou o fato dos órgãos do abdômen também parecerem invertidos, pelo contrário, me fascinou ainda mais, já que aquela era uma condição rara e a maioria dos médicos passava toda a carreira sem ter um paciente assim.
— São do seu paciente? Ele está aqui no hospital? Se sim, posso conhecê-lo? — Todo aquele entusiasmo chegava a ser constrangedor.
— De quem está falando exatamente?
— Do paciente com Situs Inversus Totalis. — Müller encarou a imagem no monitor, esperei que dissesse algo, mas permaneceu calado, logo continuei: — No começo da residência, conheci um destrocardiaco, mas nem se compara a isto.
— Como sabe que é um homem, e não uma mulher? — questionou ignorando todo o resto.
— Você só pode está brincando — Deixei escalar uma risada baixa, mas o médico permaneceu sério. — Pela saliência no crânio, a fonte achatada e pela pelves ser menor.
— Vejo que prestou atenção nas aulas de anatomia óssea.
— Sorte a minha, porque nem todas as radiografias marcam tão bem o contorno da genitália do paciente como esta daqui. — Encarei novamente a radiografia e circulei com o dedo uma área específica da imagem. — Até alguém que não entende de anatomia conseguiria identificar os “traços” generosos dele.
Os lábios entreabertos indicava que a ousadia do meu comentário lhe surpreendera, deixando-lhe sem palavras estrategicamente pensadas ou carregadas de sarcasmo. Sorri com satisfação, por tê-lo deixado sem jeito de novo, e desta vez apenas falando dos órgãos sexuais de outro homem.
— Que droga de contraste — rosnou. — Tecidos moles não devem se sobressair tanto aos sólidos em um raio-x.
— Talvez não estivesse “mole” na hora.
Ele ficou estático, mas depois alguns segundos retorquiu:
— Estou certo de que você não prestou atenção nem nas aulas que falavam de ossos, já que por tecido duro estou me referindo a eles.
— E eu estou certa de que você não entendeu que foi só uma piada.
— Não te chamei aqui para ficar fazendo piadas e trocadilhos sobre ereção — finalizou consternado.
O médico voltou sua atenção para a mesa no centro da sala, mexeu no tablet e de repente a superfície branca se transformou em uma grande tela colorida, reproduzindo imagens de uma tomografia. Depois de sincronizar os dois dispositivos, abandonou o aparelho que segurava e começou a manipular as imagens na própria mesa, que respondia com prontidão ao seu toque.
Me foi apresentado um caso cuja cirurgia estava agendada para a tarde do dia seguinte. Isto mesmo, havia tomado todo aqui café atoa. Depois de quase uma hora estudando o histórico médico do paciente e o procedimento mais indicado para seu problema, fui até a enfermeira para passar a ronda na companhia de Brittany e sob a supervisão de Müller, que foi estranhamente gentil ao nos liberar para ir embora por volta das oito.
Ao sair do hospital, passei no Dino's e pedi hambúrguer, batata frita e um refrigerante diet para viagem.
— Também pede o diet para se sentir menos culpa pelo resto? — perguntou Brittany surgindo do meu lado de repente.
— Mais ou menos isso.
Afastei-me do balcão e caminhei até onde, a placa indicava, ser o lugar onde eram retirados os pedidos. A loira siliconada me seguiu.
— Nós temos muito em comum. — Discordei em pensamento, me limitando a apenas lhe dá um sorriso convincente. — Poderíamos marcar um programa entre amigas qualquer dia destes no shopping que inauguram na Sexta Avenida.
Peguei a sacola que o rapaz moreno havia entendido para mim, passei-a para a mão pendurada na extremidade da tipoia, senti uma fisgada de leve no ombro, mas não dei importância e usei a mão livre para buscar pela única nota de vinte dólares que tinha no bolso traseiro da calça.
— Brittany, não somos amigas. Estamos em lados opostos da mesma gangorra, o que significa que para uma subir a outra vai ter que descer. — A máscara de boa moça desapareceu de sua face. — Então quanto menor for a nossa empatia pela outra, melhor.
Deixei a lanchonete para trás, encolhi-me dentro do casaco e caminhei o mais rápido que consegui até em casa. Depois de destrancar a porta, deixei o pacote com a comida sobre a estranha mesa de madeira que tinha ao centro do cômodo e me joguei no sofá, para conseguir me livrar das botas usando a minha mão menos eficiente. Liguei o computador e conversei com meu pai por chamada de vídeo enquanto comia. Para variar, ele não gostou do que escolhi para o jantar.
— Sabe que não sei cozinhar nada além de macarrão, e já estou enjoada de comer a mesma coisa.
— Não sei se colocar o conteúdo de um pacote em uma panela com água e depois mistura com almôndegas e molho vindos direto de uma lata aquecida pode ser considerado cozinha, Mel.
Me despedi e desliguei antes que ele viesse com mais sermões. Sequei o copo de refrigerante e fui para o banho.
Coloquei a banheira para enche antes de começar a despir-me, pois sabia que levaria um século para fazer aquilo com um dos braços imobilizado. Completamente nua, afundei na água quente, ficando com tudo abaixo do pescoço submerso e recoberto pela espuma, que confidenciou a carícia que me auto infligi depois. Mergulhei por completo na água, quando atingi meu ápice, já que tinha o hábito de ser mais audível do que a música que sempre deixava tocando durante o banho, e desta vez não poderia cobrir a boca com a outra mão.
Não pensei em ninguém, nem poderia, aquele era um momento só meu, pois durante toda a vida tinha sido a única capaz de me levar a tal satisfação.
* * *
Corri até o hospital na manhã seguinte, não porque estava atrasada, e sim para queimar as calorias extras adquiridas na noite anterior. Usei calça e tênis apropriados, além de um moletom para evitar que congelasse antes que a adrenalina da corrida me aquecesse. Fui até o vestiário e tomei uma ducha rápida antes de pôr o uniforme vermelho.
Encontrei John no posto da enfermagem e seguimos juntos até os quartos da ala oeste. Müller não supervisionou a ronda, deveria ter ido descansar já que John retornara, e também parecia curado.
Não fiz nada muito útil até por volta das onze, quando meu pager apitou pela primeira vez desde que havia dado início ao plantão. Era um chamado de urgência para a ala das cortinas, e no mesmo momento que respondi já tinha certeza que não era um caso para a neurologia, e pior, fiquei aliviada por isso.
Solicitei o elevador e percebi que ia demorar um pouco, decido esperar. As urgências não era como as emergências, que tinha que ser atendidas no mesmo instante, então tinha algum tempo, já que se tratava de algo sério, porém que não podia levar a morte se não tratado na mesma hora.
Quando a porta do elevador se abriu, avistei Karol junto do balcão da enfermagem e seu largo sorriso ao me ver. Ela veio ao meu encontro e sem que lhe perguntasse nada já me deixou a par do que estava acontecendo.
— E não tinha ninguém da cardiologia que você poderia chamar? — questionei enquanto estudava o eletrocardiograma na tela do dispositivo que entregou.
— Não, todos estão ocupados demais para atender a uma dor no peito. O Dr. Guerra até disse que provavelmente era refluxo estomacal.
— Com certeza isto não é um refluxo. — Ampliei a imagem no seguimento do gráfico em que havia uma sútil alteração. Karol abriu a cortina quando chegamos na baia sete. — Sou a Dra. Thompson...
A paciente me interrompeu, mas não com palavras em alto e bom som, e sim com sinais feitos com as mãos. April Jones era muda, e não fazia ideia do que ela estava tentando me dizer.
— Me diz que você sabe linguagem de sinais — supliquei a residente, que rapidamente negou com a cabeça. — Então vamos ter que encontrar alguém que saiba.
— O chefe da cirurgia sabe — garantiu a enfermeira que atendia a um senhor na baia ao lado.
Peguei o celular no bolso do jaleco e liguei rapidamente para o Cortez. A esperança que tinha quando disquei, se foi no mesmo instante que ele disse que não estava na cidade, contudo ele não me deixou de mãos atadas, dizendo que Lisa poderia ajudar.
Corri até o quinto andar e depois de algumas informações, a encontrei no centro cirúrgico, perfurado a tíbia de alguém. Ela desligou a broca cirúrgica quando a instrumentadora avisou da minha presença no lavatório.
— Pede para o Müller — Lisa respondeu depois que lhe expliquei.
— Ele não está no hospital.
— Tem o Isaac também. Se tiver sorte, ele não foi para casa como Müller e está na clínica ou no ambulatório.
Sorte, eu? Era mais provável encontrarem a cura para o câncer do que eu ter sorte.
Deixei o centro cirúrgico, assim como também deixei o prédio principal e atravessei a passarela correndo, para chegar ao ambulatório. Na recepção, ainda ofegante, perguntei por Louis Isaac e a secretária me disse onde encontra-lo, agradeci animada, pois ainda não fazia ideia do quão longe ficava o lugar que ela havia me informado.
Por sorte, o anestesista estava deixando o consultório quando cheguei ao andar e corredor em que estava. Sua reação ao me ver foi de nítida surpresa, como era de se esperar já que deveria ser a última pessoa que ele esperava que o procuraria. Entretanto, um sorriu logo tomou conta da boca contornada por um cavanhaque.
— Perdida, novata?
Ignorei a pergunta e despejei tudo de forma tão abrupta, provavelmente fazendo-o pensado que a vida da paciente dependia daquela tradução.
— Quando aprendeu linguagem de sinais? — questionei pondo um fim no silêncio que era quebrado apenas pelo som dos nossos passos apresados sobre o piso da passarela.
— Há uns cinco anos. — Isaac foi tão sucinto que a resposta até soou automática.
— Pensei que pudesse ter sido na universidade. Se não foi atividade extracurricular, devo deduzir que o motivo é mais recente, então devemos descartar sua mãe e irmãos. Mulher ou filho?
— Sou divorciado. E no caso é uma filha, que além do inglês só fala a língua élfica do Tolkien. Mas confesso que sua linha de raciocínio foi muito boa.
— Exceto pela parte que errei — Rimos juntos.
— Aprendi com Müller. Ele tinha problemas com o fato de eu falar rápido demais.
— Ele preferiu te ensinar sinais a te pedir para desacelerar um pouco? — Ele deu de ombros. — Você é meio apressado mesmo, mas só um surdo não entenderia.
O médico achou engraçado, mas antes que pudesse falar algo a porta do elevador que havíamos solicitado se abriu, e a presença de seu pai o fez ficar mudo até chegarmos ao primeiro andar.
— Valeu pela ajuda, nem sei o que faria sem você — falei, levando ele novamente até o elevador após ter sido nosso intérprete por alguns minutos. — Fico te devendo está.
— E tenha plena certeza de que, cedo ou tarde, irei cobrar, novata.
Capítulo dedicado a todos os meus amadinhos que não desistem de mim e, especialmente, a minha deusa Hemilly_Damasceno
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