🟢Capítulo 13/2

      Em prol de um bem comum, salvar a vida de Erick Dylan, ou pelo menos lhe proporcionar um prognóstico melhor que o antigo, a equipe de cirurgia deixou as diferenças de lado.

      Ao fim da cirurgia, tomei banho e optei por uma calça social azul-marinho assim como a camisa, que vesti sob o colete negro, o plantão não havia terminado, mas a diretora-médica do Sant Cross, um hospital não filantrópico que a elite frequentava, havia solicitado ao Cortez um parecer da neurocirurgia, que ele como bom bajulador que se tornou, garantiu a minha presença sem sequer uma pergunta prévia.

      Ao me apresentar no saguão suntuoso do hospital, fui direcionado ao quinto andar, onde, ao abrir das portas do elevador panorâmico, deparei-me com o que parecia mais serem várias suítes de um hotel do que uma enfermaria de hospital. Junto do balcão da enfermagem, aguardava uma elegante mulher de cabelos louros e que aparentava ter seus quarenta e cinco anos, a mesma tão logo se apresentou como sendo a diretora Brown, depois me conduziu ao quarto daquele que rapidamente descobrir ser um dos filhos de um CEO da indústria automobilística.
     Quando meus olhos se puseram sobre as faces angelicais, que obviamente não havia vivido sequer uma década completa, fui consumido pela certeza de que havia novamente sido manipulado pela omissão proposital de informações vindas do Cortez. Era apenas um parecer médico sobre o caso, uma segunda opinião, eu não estava comprometendo-me a nada além disso.

       Como os hospitais ficavam em extremidades opostas da cidade, quando retornei para o Metropolitan, ao invés de pegar o caminho que atravessava o centro, preferi a rodovia que contornava Longriver, e apesar de ser o caminho mais longo em milhas, eu conseguiria fazer em menor tempo pela ausência de trânsito.

       Às sextas-feiras depois das seis horas era impossível encontrar uma vaga para estacionar em qualquer uma das ruas que circundavam o hospital, por isso agradeci a Deus ao encontrar uma estrategicamente do lado oposto à entrada do pronto socorro, logo não teria que descer até o estacionamento restando tão pouco tempo do fim daquele plantão.
Solicitei o elevador enquanto colocava o jaleco reserva que estava no carro, meu celular vibrou no exato momento que  transferir do bolso da calça para o do jaleco. A mensagem sucinta de Cortez dizia:

    “B3 PS: Hemorragia Nasal + cefaléia intensa. Exigiu você!”

      Respondi também de forma abreviada, já desistindo do elevador que acabara de se abrir diante de mim e retornei ao corredor que levava a área das cortinas. Deslizei o tecido para o lado, expondo o par de olhos incrivelmente claros, que eram os únicos não recobertos pela toalha branca, àquela altura tingida pelo sangue.

     — O que aconteceu, Thomp... — corri-me antes de concluir indagação —, Sr. Thompson?

     O homem disse algo ainda estando com a toalha diante da boca, pedi para que ele a tirasse e repetisse.

      — Da outra forma estava bom, não ligo para formalidades.
      — É a forma como me refiro a sua filha. — Fiz uma manobra com sua cabeça para que pudesse visualizar o vaso rompido com a pequena lanterna. — Por isso, soou um pouco estranho na minha mente.

      — Minha filha deve te odiar por isso. — Ele riu. — Ela gosta de Mel. Nossa doce mel como a mãe dela dizia. Pela sua cara não entendeu o trocadilho, né?  — Neguei com a cabeça. — Faz mais sentido em português. A escrita de mel é a mesma que a do nome dela abreviado.

     Conclui instantaneamente que os pais tinham uma noção equivocada a cerca dos filhos, aquele ser arrogante e debochado de doce não tinha nem o olhar, pois este era puro atrevimento e sedução em duas perspectivas diferentes.

     — Receitei um analgésico intravenoso, vou precisar cauterizar o vazo e depois vai ficar uma hora em observação. — Ele deixou seu descontentamento nítido em sua expressão. — Suponho que sua filha está em casa se arrumando para a comemoração da cirurgia, então não tem o que temer.

      — E você vai a tal social para garantir que ela não vai voltar, né?

      Não pretendia ir, mas não via problemas em sentar-me junto a um balcão na companhia de um suco natural por duas horas. Assim, o tranquilizaria e ainda garantiria que sua filha não quebraria o nariz de ninguém desta vez. 
Ao traqui com Marcus Thompson, comecei a refazer o caminho em direção contrária quando a chefe das enfermeiras se pôs entre mim e a porta da saída.

     — Tem um homem perguntando por você na recepção. — Os olhos de Singer indicaram onde ele se encontrava sentado, atrás da parede de vidro. Agradeci, e ela acrescentou: — Quer que eu te espere? É o dia da reunião semanal dos enfermeiros naquele bar, e me comunicaram que tem um grupo de cirurgiões fazendo uma bagunça comemorativa lá. E a sua equipe é a única que tem motivos.

      — Acredito que se há bagunça, esta é cortesia da cardiologia, que também está lá pela parceria neste caso.

     — Ainda bem que se livrou dela — desabafou, soltando o cabelo louro para fingir despretensão. — Aquela arruaceira arrogante não combinava com vocês.

     — Personalidade não é pré-requisito em nenhum departamento.

     Apesar do meu esforço para manter o tom plácido, a mudança súbita no semblante da mulher indicava que falhei, então não estranhei quando ela me deu as costas, desistindo de esperar-me. Dei de ombros e fui de encontro ao homem que, apesar de estar na casa dos cinquenta anos, tinha um corpo atlético, um corte de cabelo jovial  e cavanhaque modelavam os fios em sua maioria grisalhos.

      Ao colocar-me frente a frente com ele, tive certeza de que nunca o havia visto antes, porém tinha algo naquele homem que me era familiar, contudo, também não conseguia dizer o que era. Estendi a mão para um cumprimento ao mesmo tempo que me identifiquei como sendo a pessoa que ele procurava.

    No semblante do homem um misto de confusão e perplexidade, os lábios entreabertos continuaram paralisados.

      — Então, em que posso ajudar?

     — Quantos anos tem? — perguntou ele sem hesitar.

     — O senhor fora um tanto direto para alguém que nem se apresentou.

      — Ah, me desculpe. — Pareceu realmente desconcertado. — Robert King. Não precisa responder, é que esperava alguém diferente. Você pode me dizer se há algum outro Müller que trabalha nesse hospital?

     — Na verdade sim, mas ela não atende por esse sobrenome aqui.

     — Ela? Elisabeth?

     — Sim. Se é ela quem procura, fale com o enfermeiro naquele balcão. — Apontei para o porto-riquenho atrás do computador.

      — Queria falar com o irmão dela.

     — Está falando com ele.

     As faces do Sr. King empalideceu ao mesmo tempo que perdeu a capacidade de falar. Então, quando aparentemente conseguiu vencer seu conflito interno, disse:

     — Desculpa, deve ter sido um engano.

      Ele partiu sem cerimônia, enquanto eu permaneci parado o vendo se afastar e vasculhando minha mente à procura de alguém conhecido com quem aquele homem tanto se parecia. Decidi adiar aquela tarefa até conseguir falar com Elizabeth e deixei o PS.

* * *

     A vibração da música ambiente me saldou quando adentrei o Ian’s, tão logo meus olhos foram de encontro ao pequeno palco, onde vez ou outra algum bêbado subia para usar o karaokê.

     Música, para mim, não passava de lábios se movendo de acordo com metáforas confusas, rimas bobas, combinadas às expressões projetadas para transparecer sentimento genuíno. Por mais que tentasse puxar na memória, não conseguia recordar de nenhuma música, o máximo que me vinha a mente eram notas de piano fora de ordem e o choro agudo de quando eu tinha nove anos.

     Com o tempo aprendi a apreciar o silêncio, o turbilhão que eram meus pensamentos não precisavam competir com estímulos sonoros. Todavia, naqueles dez segundos de confusão mental, implorei a Deus que pudesse ouvir só aquela música, que os lábios da mulher de vestido salmão  articulava com tanta sinceridade.

     Os versos proferidos por ela explorava o drama de alguém, cujas as escolhas mudaram de forma irreversível sua história, o que deixou claro que aquela música não fora escolhida ao acaso. Aquela era sua música.

      Thompson tinha os olhares de quase todos presentes no lugar, no entanto, os olhos dela ligaram-se somente aos meus. A vibração vinda do interior do meu tórax acompanhava as da voz dela sendo amplificada pela caixa à minha esquerda.

     Ela reservou para a última estrofe toda sua entrega. A intensidade em semblante e gestos deveria ser o mesmo de sua voz, um misto de indignação, revolta, raiva e, por fim, tristeza. Minha boca ficou subitamente seca, um desconforto no estômago, eu consegui absorver tudo que ela tentou passar, pois era para mim que cantava.


O livre arbítrio talvez seja
uma bifurcação como dizem.
Mas o que não te contam
é que por um dos caminhos
você é proibida de avançar.
Por que te dão o poder de
escolher, se não há escolhas?"

     Eu havia criado obstáculos propositalmente, impedindo uma das passagens. A culpa me paralisou, me puniu quando me obrigou a encarar de frente o meu mais recente erro, sem conseguir desviar o olhar.

     Ela desceu as escadas com um caminhar sinuoso e só quebrou o contato visual comigo ao tomar a direção oposta, que levava a animada mesa além das mesas de bilhar, onde o grupo unificado de dois departamentos que, antes não se suportavam, a aclamavam em uníssono.

     Fui de encontro ao balcão que estava atrás de mim e, ignorando os comandos do hemisfério racional  do meu cérebro, já que aquilo era culpa dele — pedi uma cerveja. Talvez o álcool conseguisse entorpecer o fluxo com que meus pensamentos estavam me atacando, e apenas ignorei os contras que fizeram com que nunca tivesse consumido bebida alcoólica antes.

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