Capítulo Especial = ◇ Jeff ◆
Logo após o primeiro intervalo me sentei na cadeira em frente ao espelho luminoso. A maquiagem dava a sensação de que havia algo grudento no meu rosto, mas o resultado era impressionante.
— Uma ótima abertura! — Uma das garotas disse, enquanto tinha a mão no meu ombro. — Mas quase se atrasou.
Sorri, e ela deixou um beijo no meu rosto.
— Fico feliz que tenha vindo, o público gosta quando você está presente.
Ela me soltou, com um dos trapezistas me dando um aceno com a cabeça.
Eu não trabalhava no circo, e sim no parque, por isso, não recebia nada por estar ali. Apenas ia porque meus pais trabalhavam. Até mesmo minhas irmãs faziam algo, usando da voz para prender o público em um espetáculo, enquanto os dançarinos faziam suas especialidades.
Peguei a cartola de cima do criado, e continuei a andar pelo breve corredor de espelhos, onde todos os que seriam os próximos se olhavam, para garantir perfeição, e parei no espaço para os figurinos. Somente havia uma pessoa ali, que sorriu ao me ver, correndo para me dar um abraço.
— Vai me sufocar — tentei alertar, mas isso fez o enlace ainda maior.
— Você veio! Faz duas semanas que não vem! — Ela exclamou. Olhei por um tempo para seus fios lilás com bob's, e ela tirou o sorriso quando percebeu. — Eu estou me arrumando. Não me olhe desde jeito!
Dei um meio sorriso, e isso foi o suficiente para que ela me puxasse pelas araras enquanto pegava roupas as colocando nas minhas mãos. Ao fim, ela parou em frente ao único espelho que tinha ali, e começou a colocar um por um na frente de seu corpo.
— Qual acha que fica melhor para hoje? — Ela me perguntou, enquanto tinha um vestido bege à frente do corpo. Ele parecia ficar colado no corpo, o que daria espaço para mostrar curvas. — Esse não parece bom?
— Me parece perfeito.
Eu não sabia nada sobre roupas. Apenas concordar com ela seria o suficiente porque ela entendia.
— Talvez eu deva ir sem nada. Acredito que vai ficar melhor — brincou.
— O público gostaria.
— E você morreria de ciúmes — ela parecia convicta.
Resolvi não dar uma resposta. Apenas deixei as outras roupas na arara ao meu lado, e dei as costas, indo atrás de algo para mim. Eu teria que entrar de novo, e precisava escolher outra roupa. Talvez algo que causasse impacto.
— Você some por duas semanas e ainda me ignora! — Ela gritou. Literalmente.
— Eu respondi suas mensagens.
Ela já estava ao meu lado, e olhava fixamente para o meu rosto. Por segundos desistiu, me ajudando a escolher uma roupa. Foi ideia dela o blazer azul.
— Vá com o bege — aconselhei. — Mas ir sem nada não seria uma má ideia. Você seria como à Katy Perry em California Gurls.
— Você não tem limites. Sempre tem uma comparação para fazer — sorriu. — Vamos, eu te ajudo a fazer outra maquiagem no rosto. — E dizendo isso segurou minha mão.
Enquanto saíamos percebi que ela levava o vestido bege na outra mão; quando iria fazer uma observação cheia de referências à um filme, nos encontramos com minhas duas irmãs no corredor. Elas se olhavam no espelho, consertando o cabelo e o batom, e pareceram se espantar quando viram que a garota que me puxava não estava pronta.
— Entramos daqui duas apresentações! — Minha irmã mais nova exclamou.
— Nem mesmo arrumou o cabelo! — A mais velha por apenas um ano continuou o coral de reclamações.
— Eu vou me vestir, e sabem que faço uma maquiagem em menos de 5 minutos.
— Você tem 10 minutos — o organizador a lembrou. — Espero que seja o suficiente para tirar esses... Trecos da cabeça.
Ela não pareceu escutar, apenas continuou me puxando, e me sentou na frente de um espelho luminoso, pegando um lenço umedecido para começar a tirar minha maquiagem. O lenço passava pelo meu rosto, com seus dedos ditando o caminho. Foram apenas alguns segundos em que ela conseguiu tirar tudo, mas a mão que tinha posta no meu pescoço continuava no mesmo lugar. Ela estava sentada em uma cadeira em frente à minha, mas se levantou dela, colocando os joelhos dentro de minhas pernas; suas mãos pegaram o pincel e o pó, começando a passar por meu rosto.
— Deveria ficar — ela disse, sem interromper o movimento que fazia para espalhar o pó pelo meu rosto. — Todos sabem que esse espetáculo fica melhor com você nele.
— Eu não sou o tipo de pessoa que consegue viver como vivem — ela parou de passar o pó. Agora ela iria começar a fazer o desenho em meu rosto. — Eu preciso de um chão. Um ponto fixo. Não consigo mudar de um lugar para o outro, como fazem.
— Eu sei — seu dedo passeou pela lateral do meu rosto. — Só estou sendo egoísta.
Pelos minutos em que ela terminava minha maquiagem não dissemos mais nada. No fim, ela olhou para meu rosto com satisfação, mostrando o quanto a maquiagem da caveira mexicana tinha ficado melhor do que esperava. Com apenas cinco minutos restando ela tirou o vestido que usava na minha frente, e colocou o bege, me pedindo ajuda para fechar o vestido, fez uma maquiagem extravagante e tirou todos os bob's do cabelo, tendo minha ajuda para isso.
— Estou bonita, não é? Obrigada.
E sem esperar por minha resposta ela correu, comigo a seguindo. A multidão que ficava atrás das cortinas estavam no corredor, esperando sua hora, e ela entrou na fila, dando a sorte de ainda estarem entrando no palco. Lhe desejei sorte, e ela sorriu para mim.
— Ela perguntou de você. — Minha mãe agora estava ao meu lado, de braços cruzados. — Os outros também, mas ela parece ser uma amiga verdadeira.
— Eu sei.
Dei passos em direção ao final da lona, e observei. Tudo estava escuro até a luz se concentrar no centro. Ela estava no meio dos outros juntamente com minhas irmãs, e quando a luz subiu todos começaram a cantar e dançar. Os sorrisos que cada um tinha eram verdadeiros, porque ali eles não sentiam nenhum problema. Estavam fazendo o que gostavam.
Os trapezistas faziam as acrobacias ao ritmo da música, conseguindo com proeza até mesmo pousarem em cima dos cavalos. A energia que todos emanavam era contagiante.
— É por isso que fazemos isso — minha mãe disse. — Pelos sorrisos.
Olhei para a plateia e todos pareciam sorrir. Eles faziam o que gostavam e conseguiam fazer as pessoas felizes, fazê-las sorrir. Isso com certeza era algo fantástico por sí só.
— Criou alguma história para apresentar hoje? — Fez-me a pergunta.
— Sim.
Vi Will Belmarques sentado, e percebi que por alguns segundos ele olhou para uma garota do outro lado da plateia. Eu já o tinha visto com ela uma vez, quando fui ao mar com minha família, mas não sabia sua ligação. A ideia da aposta envolvendo Emília não me agradava, mas o pensamento de que talvez ele estivesse brincando com os sentimentos dela parecia ser algo ainda pior.
— Ela nasceu para isso — percebi minha mãe sussurrar.
E era verdade. A garota de cabelos lilás ao centro cantava de forma aberta, deixando sua voz ser ecoada. Era mais do que um circo, era um show. Uma apresentação que fazia que o espaço maior, e todos os truques que aconteciam ainda maiores, especialmente pelo batuque nos tambores deixar o clima ainda mais profundo, com o barulho dos chocalho trazendo a sensação de proximidade.
— Meu pai ainda está na cozinha? — Perguntei.
— Não vamos falar sobre seu pai cozinhando batatas na cozinha — seus olhos vieram em minha direção. — Vamos falar de você.
— E o que tem para falar sobre mim?
— O que você quer fazer, Jeff? — Sua postura estava reta, com o peito estufado. — Quer ser o ser místico que conta histórias? Vai passar à vida toda trabalhando em um parque de diversões? Ou... Vai fazer alguma outra coisa?
— Eu não sei.
Estava sendo sincero. O pensamento de fazer parte do circo não me parecia algo que eu gostaria de fazer. Ou talvez, não o que eu julgaria o mais seguro, porque eu viajei por vários países e estados com meus pais para fazer apresentações, e nunca ganhamos o dinheiro que se pudesse esperar por anos de trabalho. Ainda mais, quando meu pai não arrumava emprego em algum restaurante.
Ele tinha o diploma, mas nunca pôde e talvez nunca poderia abrir um restaurante só dele, por causa do sonho da minha mãe e das minhas irmãs, que gostavam do que faziam. Já eu, não sabia se queria aquilo para mim. A sensação de não sabe o que vai vir, e mesmo assim se arriscar, se contentando com um dinheiro inferior quando comparado a muitos outros trabalhos.
Eu não conseguiria ser como eles. Nem mesmo entendia como eles conseguiam manter aquilo como um trabalho e não como um hobby.
— Você está fazendo aquilo de novo — ela levantou meu rosto para que pudesse olhá-la. — Negando que gosta de estar naquele palco.
— Eu gosto de estar ali, mas não quero isso como profissão. Prefiro algo que me dê mais dinheiro, e mais estabilidade.
— E vai acabar sozinho, com seu dinheiro indo para o banco — minha mãe segurou meus ombros, me fazendo olhar para o palco novamente. — Não é quanto você vai ganhar na vida que vai te mostrar o quanto é feliz, e sim, o quanto você vai receber.
Naquele momento ela não estava me dizendo sobre dinheiro. O fim do espetáculo estava no fim, e todos aplaudiam de pé, mostrando largos sorrisos, e só aquilo parecia ser recompensa para os que estavam no centro do palco, porque todo o carinho e sorrisos pareciam muito maiores do que o dinheiro que poderiam ganhar.
Afinal, não se compra felicidade. E eu saberia muito bem dizer o que estaria perdendo.
Ela caminhava em direção a mim com um grande sorriso no rosto, e só quando minha mãe tocou em meu braço levemente e ela chegou para perto de mim, depositando um beijo rápido no meu rosto e dizendo "vai!!" foi que me toquei que era minha vez de me arrumar. Tive que voltar para colocar o blazer e as lentes, e por ironia da vida foi minha vez de me olhar nos espelhos do corredor, notando se o figurino estava certo.
— Está perfeito! — Minha amiga exclamou, enquanto segurava meus ombros. Ela passou os olhos por todo o meu corpo, focando na maquiagem por último. — Eu fiz um belo trabalho. Agora, levanta a cabeça e deixa a loucura aparecer. O palco, é todo seu, Mister.
Me virei, e todos que estavam no corredor olhavam para mim como se esperassem grandes coisas. Parei em frente ao fim da lona por um tempo, e olhei para todos uma última vez. Com exceção da minha mãe que ainda não tinha se apresentado, todos pareciam cansados.
— Acho que agora é a minha vez, certo senhores? — Perguntei ainda olhando para eles. Toquei levemente na cartola, abrindo um sorriso. — De fazer um show.
Peguei a maleta que estava na mão de um dos palhaços, a pegando emprestada só para minha apresentação, e com passos calmos me dirigi ao palco. Fiz minha introdução com ar místico; as palavras saiam de forma mais fácil graças a música feita de forma orgânica; com os olhos presos em Will o chamei para vir ao palco; agora seria a hora certa de esclarecer minhas dúvidas com relação a "esses" relacionamentos dele: se ele estaria mesmo com Emília ou com à garota loira, que ele por vezes olhava. Era fato que a verdadeira intenção por trás das minhas palavras não era falar sobre amor, mas pelo um ano que tive de convivência com Will Belmarques poderia afirmar com todas as palavras que se ela fosse algo à mais, ele bancaria o otário e fingiria não ter entendido minha intenção.
E ele respondeu à minha metáfora, usando da forma mais fácil de interpretação, deixando a garota loira feliz. Claro, ela pensava ser uma grande demonstração de amor, e mesmo que quisesse dizer que ele tinha feito a escolha errada, não poderia. Não seria justo com ela, assim, como não era justo com Emília ter Will ao seu lado, a enganando.
Desde que me tornei amigo dele, aquela foi à primeira vez que desejei não conhecê-lo.
Porque não se pode estar com alguém, pensando em outra pessoa.
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