28 = Jogo (de emoções)

Victor estava atrasado.

Era o seu primeiro atrasado, em todos esses anos. Nós, do time, não tínhamos ideia de onde ele estava ou se tinha acontecido algo com o mesmo. E por conta disso, eu ligava desesperadamente para ele, enquanto os outros do time conversavam com Arraiá e Igor olhava, de longe, o time adversário.

Só tínhamos dez minutos, antes do jogo começar. Somente esse tempo.

Olhava para todos os lugares, esperando que se ao menos Victor não me atendesse, pudesse ao menos entrar pela porta, e eu, assim como todos os outros nos aliviaríamos, mas os segundos se passavam, e nada disso acontecia. Olhando para a arquibancada me lembrei que meus pais não estariam, e nem mesmo Emília — que veio da vez passada — estaria. Ela me disse que não aparecia no jogo, pois não queria causar mais merda na minha vida. Ela sabia, um pouco, sobre Ágatha, poderia imaginar como ela assim como eu, estávamos nos sentindo péssimos sobre o que rolou no jogo. Pois ela e o Victor estavam se sentindo assim. E falando nele, pude respirar um pouco mais aliviado quando vi o mesmo passar pela porta, porém por pouco tempo, pois o mesmo estava acompanhado, e eu conhecia essa pessoa.

Ágatha.

O que ele estaria fazendo com ela?

Foi por isso a sua demora?

E, principalmente, de onde eles se conhecem?

Desfiz a ligação, logo afastando meu celular da orelha para colocá-lo dentro da mochila.

— Da próxima vez, nos avise se for faltar... e será melhor se for com antecedência! — Igor, que antes olhava ao longe possivelmente já imaginando como seria o jogo, seguiu em direção ao Victor, o ameaçando.

— Me desculpe, eu... — tentou se explicar, mas Arraiá o interveio.

— Deixe essa conversa de vocês para depois. Agora temos assuntos muito mais interessantes em que focar. — Todos prestávamos atenção em nosso treinador, que depois se virou para Victor. — E Victor, eu não sei o que aconteceu, se é que realmente aconteceu algo ou você só dormiu demais e perdeu a hora, mas tente, na próxima vez, não se atrasar tanto... você chegou aqui, faltando três minutos para o jogo começar. Mais cuidado da próxima vez, você é o goleiro.

Victor só concordou várias vezes, como se quisesse deixar claro que havia entendido o recado. Antes do tempo acabar, o empurrei para um canto, precisava saber algo.

— Will, acho que já recebi muito sermão por hoje... — começou a falar, mas não era sobre isso que eu queria saber.

— Da onde você conhece a Ágatha? — Perguntei. Eu estava pouco me fodendo se os minutos iriam passar ou não, eu só entraria na pista quando Victor me respondesse.

— Ágatha? Mas que Ágatha? Você não está falando da... — antes que o mesmo terminasse de falar não sei o quê, o parei, levando ele a olhar para a arquibancada, em direção a ela. Assim que ele viu quem era logo se voltou a mim, me encarando: — Então, era você?! Todo esse tempo era você?

Ele está me acusando? Mas de quê? E por quê?

— Do que você está falando? — Em um impulso, ele afastou minha mão, que eu nem fazia ideia que estava apertando sua roupa, e disparou:

— Você... — apontou em direção a mim — assim como ela, ficavam compartilhando o quanto gostavam um do outro, o quanto o sentimento era forte. Você principalmente chegou a me dizer que queria que ela ultrapasse a linha, que a amava. Mas você, Will — ouvimos o relógio apitar, indicando que aqueles três minutos restantes haviam acabado, mas não nos mexemos nem mesmo quando Arraiá nos chamou, dizendo que devíamos ir — você a fez sofrer. — Apertou seu dedo no meu peito. E depois levando o mesmo dedo para a arquibancada, me fez olhar em direção a Ágatha novamente. — E aquela "Ágatha" que está bem ali, é a minha irmã, seu babaca!

E saiu, deixando com a palavra final. O que me importava agora não era que ele havia relatado isso para mim, ou no final ter me xingado, mas sim saber que à sua irmã, que ele às vezes mencionava, era a mesma garota que eu estava pegando.

Mas, como eu não consegui ligar os pontos antes? Eles são tão parecidos fisicamente e ainda tem o lance de se cortar. Espera... Ágatha já tinha se internado antes?

Foi Arraiá quem me trouxe para a realidade, me levando para a pista de gelo, ainda por cima exclamando um: "Se acorde, Will!".

Eu tentei. Juro que tentei. Mas a cada vez que me via tentar tirar o disco do time oponente, que se aproximava cada vez mais de Victor, recuava. Como se a todo tempo suas palavras permanecessem em mim.

Isso não era lá grande coisa. Não era lá grande coisa saber que Ágatha era irmã de Victor, e que eu contava tudo para ele. Mas era lá grande coisa saber a que ponto eu estava perdido.

"Você a fez sofrer"

Sim, eu tinha plena consciência disso — até porque não tive como me explicar, mesmo que no final das contas, não tivesse explicação —, mas ouvir isso assim, de Victor, que me olhava agora com raiva, e com razão fazia de tudo ainda pior. O beijo que Emília havia me dado, e que fodeu com tudo para ambos os "casais" havia criado muitas consequências. De repente, paro. Busco por Ágatha na arquibancada.

O que ela estaria fazendo aqui? Será que ela só veio hoje para ver a partida de seu irmão? Ou será que, ela ainda veio para poder me ver? Ela estaria com vontade de falar comigo depois? Porque eu estou.

Por fim, seus olhos encontraram os meus, mas logo ela virou seu rosto para o lado, para não ter o perigo de chegar a me olhar novamente se caso agora, eu começasse a me mover de novo pela pista. O que aconteceu logo em seguida, quando Igor parou perto de mim e me perguntou o que eu estava fazendo, que deveria prestar mais atenção no jogo e blá blá blá. E assim faço o que ele manda, para ao menos tentar esquecer um pouco "esse assunto", tentando chegar o máximo possível perto de Noah, que agora estava com o disco.

Alguns, do time adversário, começaram a correr logo atrás dele, que sem escapatória tenta passar o disco para o primeiro que ver, no caso eu. Pegando o disco com o taco, deslizo o mais rápido que posso para a direção contrária, e que rapidamente ao levar por alguns milésimos de segundos minha cabeça para trás, vejo que o foco deles agora é em mim, imediatamente deixaram Noah de lado, do qual "não tinha mais o que eles queriam". Vendo que eu estava perto de Felipe, e ele por sua vez, bem perto da trave, com força tentei passar o disco para ele, que assim que conseguiu pegá-la instantaneamente mandou em direção a trave, que entrou. Achei que com isso eles fossem celebrar, mas como no começo do jogo eu estava disperso, só fui perceber naquele momento que o placar indicava 2 a 1. Eles estavam na nossa frente. O sino soou, nos dando tempo para descansarmos. E enquanto todos caminhavam para o nosso lugar na arquibancada, por eu ser o último, olhava para as costas de Victor. Ele, assim como eu, não devia estar nos seus melhores dias. Penso nisso por conta que ele deixou o time oponente marcar não uma, mas duas vezes, e isso só no primeiro tempo.

Como será que ele deve estar se sentindo? Será que mal, como eu? Ou será que pela primeira vez, ele não deve estar nem aí pra isso?

— Mas o que foi que deu em você, Will? — Igor me perguntou, em seu rosto eu podia detectar um misto de emoções: chateação, raiva e medo.

— Eu... — tentei explicar, mas nada saia, e no fim das contas eu nem mesmo queria me explicar para eles. Sei que eles mereciam uma explicação, mas eu não queria dizer a eles.

Ao invés disso, como uma forma de escapar dele e encontrar um certo tipo de refúgio, levei mais uma vez meus olhos para Ágatha, que ainda estava lá, no mesmo lugar. Não sei por que, mas algo dentro de mim me dizia que isso não era o certo, que ver ela ali, não era o certo. Que depois desse jogo algo se tornaria ainda mais diferente. Eu só não sabia porque estava sentindo isso. Cheguei até mesmo a ver, pelo canto dos olhos, Victor me vigiando, vendo que eu olhava meticulosamente para sua irmã. E eu não estava sentindo vergonha disso.

— Garotos — quando Arraiá pronunciou, me voltei a ele — em menos de dez segundos vocês entram novamente, e eu só quero que agora tentem dar tudo de si, vamos para o 2° tempo, virem o jogo.

O relógio soou e todos já seguiam para a pista quando Arraiá pegando no meu ombro, me fazendo parar no lugar, falou:

— Eu não sei o que está acontecendo, Will, mas eu preciso que você tente ao menos ficar aqui conosco — concordei com suas palavras, mesmo não sabendo realmente se poderia cumpri-las.

E assim segui.

Jeff corria atrás de um adversário que estava com o disco. Eles eram muito bons. Não sei se era por eu estar me sentindo de alguma maneira deslocado do jogo, como se fosse um observador, era o motivo de conseguir analisar tão bem a situação de fora. Nossos oponentes deslizavam com absoluta confiança, como se soubessem que no segundo seguinte conseguiriam retirar o disco do outro time e jogá-lo direto para a trave, fazendo um gol. E para aumentar ainda mais minha parcela de culpa, foi exatamente isso que eles fizeram. Jeff nem mesmo tinha conseguido tirar o disco deles, o que tornava eles ainda mais melhores e eu, pior. Eu era um defensor, aquele que não deve deixar o outro time fazer gol, só que não estava conseguindo executar esse papel direito. Na minha mente só havia um papel que eu deveria fazer que era falar com a Ágatha, tentar concertar as coisas entre nós, passei mais de três dias sem vê-la, me puni por isso, e agora tinha a chance de tentar consertar as coisas.

Eu precisava de alguém. Alguém que ajudasse a aliviar minha raiva — reprimida por angústia — mesmo que fosse somente por um momento.

Eu só... eu só precisava brigar com alguém. E eu havia encontrado a vítima perfeita.

Ele era um dos melhores, por estar mais observando do que participando em si do jogo, eu pude vê-lo com calma; patinar no gelo, deslizar, se abaixar e puxar o disco para si diversas vezes, tudo ao mesmo tempo, sem nem dar ao menos um passo em falso, como se isso fosse sua especialidade, e não um treino de anos e anos. Ele tinha força, precisão, determinação e confiança. Eu iria, mesmo que de uma forma não muito justa ajudar meu time pela primeira vez que o jogo começou. Eu tinha certeza que eles iriam me agradecer depois, e se não me agradecessem não teria problema, pois a única coisa que eu queria era descontar meus sentimentos em algo, se eu ganhar um agradecimento ou ao menos ajudá-los a fazer mais gol's, será apenas um bônus.

Ele corria de encontro a Felipe, e já estava prestes a alcançá-lo, quando eu intervi. Primeiro, o empurrei com força — para que Felipe pudesse continuar seu caminho, com menos um em que se preocupar — o desestabilizando, pois como eu imaginava o foco dele era só no oponente, não olhando o que estava ao seu redor. Antes mesmo que ele pudesse se levantar por si só, o puxei pela roupa, e, com seu rosto perto do meu, com um movimento rápido, tirei seu capacete. Ele já sabia o que eu iria fazer, e tentou se defender, colocando imediatamente seus braços na frente de seu rosto, mas já era tarde. Eu poderia levar cinco minutos de penalidade, ou até mesmo ser expulso do jogo, mas eu só queria um alvo.

Ele era um jogador perfeito. E eu era egoísta, em querer machucá-lo só por causa disso. Mas... eu estava pouco me fodendo pra ele, pro jogo, e sendo sincero: pro meu time.

O primeiro soco logo veio seguido de vários depois. Ele tentava me bater de volta, ao que parecia sua dignidade estava indo por água a baixo; ele era perfeito demais, mas não sabia ao menos dar um murro sequer em outra pessoa, mesmo que essa outra pessoa — que no caso sou eu — o estava machucando impiedosamente. Vi quando o juiz chegou perto de mim, e com suas mãos em meus ombros, me fez soltá-lo. Parando agora para raciocinar direito, seu rosto estava ensanguentado. Pensei em lhe dizer um: "me desculpa", mas dizer pra quê? Pois por mais errado que eu estivesse era exatamente isso que eu queria, e além do mais, depois de bate-lo bastante isso não seria uma coisa coerente a se dizer e eu duvido muito que ele fosse me desculpar. Mesmo ele não tendo me acertado, ele aceitou a briga, levando nós dois a uma penalidade de cinco minutos. Deixamos a pista, cada um seguindo para o seu lado.

Me sentei ao lado de Arraiá, e esperei que ele dissesse algo. Ele sempre dizia quando fazíamos algo de errado ou estivéssemos estranhos.

— O que está havendo com você, Will? — Me perguntou, como eu disse que faria.

Pensei em dizer a ele que essa era à minha maneira de ajudar o pessoal do time: "tirei o cara perfeito do jogo, agora vocês podem se sobressair, mesmo que eu esteja no banco", mas tanto ele como eu sabíamos que isso era uma mentira. Então, com uma simples palavra disse a verdade:

— Ágatha — seus olhos logo buscaram por ela na arquibancada, e quando a encontrou, vendo que a mesma olhava para o jogo, rapidamente se voltou a mim, talvez pedindo por mais explicações. Tentei dá-las. — Sei que estou diferente. Você sabe o que aconteceu no final do jogo passado e vê-la aqui só me deu vontade de acabar esse jogo o mais rápido possível para poder conversar com ela. — Levantei minha cabeça, para poder encarar seus olhos. — Sei que não estava fazendo nada, e quando fui fazer, foi para machucar alguém, isso nem de longe era minha intenção, mas pelo visto — nos viramos para a pista quando ouvimos alguns gritos, que celebravam um gol feito. Um gol feito do meu time — funcionou.

Arraiá esboçou um meio sorriso, por conta do gol feito, mas eles ainda estavam na nossa frente.

— Eu soube que algo mudou em você assim que deixou de falar com Victor — disse, franco. — Eu só quero que depois desse jogo, Will, você fique bem... — ele levou sua mão de encontro ao meu ombro, o apertando de leve, assim que o tocou. — Imagino que esses três dias lá na fazenda da sua avó não devem ter sido nada fáceis.

E eu concordei com suas palavras, porque realmente não foram nada fáceis. E as coisas não irão se tornar mais fáceis com o terminar do jogo... quem dera fosse assim.

— Arraiá eu preciso te dizer, eu acho que desde que minha avó se foi, eu nunca estive realmente bem. Muitas coisas aconteceram na minha vida, e não vai ser num passe de mágicas que eu irei ficar bem... já fazem dez anos. Dez anos que minha avó se foi. Dez anos que Ema me deixou. Dez anos, que eu estou completamente perdido.

Ele iria me responder algo, sei que iria, Arraiá tinha o forte com palavras amigas, mas antes mesmo que ele pudesse fazer qualquer coisa, o tempo restante de jogo do 2° tempo se dava por encerrado e agora, os garotos vinham em nossa direção.

— Não sei que nova tática é essa, Will... — Noah começou a falar, ao chegar perto de mim — mas só assim para fazermos mais um gol — sorri, alegremente, ao ouvir suas palavras. Ele tinha acabado de me agradecer. — Ela é arriscada, mas é boa — bateu com sua mão em meu ombro, com força.

— Agora só precisamos fazer mais dois gol's ou pelo menos mais um para empatar — Jeff comentou.

— Temos que tomar cuidado, isso sim. Eles são muito bons! Tanto estrategicamente, como se defendendo — Felipe exclamou.

— Pessoal, pessoal — Arraiá chamou a atenção de todos — sei que sempre falo palavras otimistas, e aqui vai mais uma: "O que for de ser, será!". Se tivemos que ganhar esse jogo, de algum jeito vamos ganhar. Se tivemos que empatar esse jogo, de alguma maneira vamos empatar, e se... tivermos que perder, só o que posso dizer é que vocês são um ótimo time — e sorriu, um sorriso singelo, que dizia que se perdemos hoje, ele estaria imensuravelmente agradecido pela nossa jornada, juntos. — Agora descansem, antes do 3° tempo começar.

Cada um se sentou do lado um do outro, no banco, e assim que Victor se sentou e esticou suas pernas, eu me sentei ao seu lado, para conversar.

— Olha, Victor, eu... — comecei, mas ele com a mão me pediu para parar de falar, e assim eu fiz.

— Acho que não é comigo que você quer conversar. Ágatha quer falar com você, depois do jogo — levei minha mão em direção ao seu corpo, para forçá-lo a olhar para mim, devido ao que ele acabara de me relatar. — Ela me disse que queria conversar com alguém, e que esse alguém estaria no jogo hoje. Eu pensava que era do time adversário, fiquei perguntando por bastante tempo quem era e ela não me respondeu, por isso um dos motivos do atraso. Eu só não imaginava que esse "garoto" que tanto ela queria conversar fosse você.

Não tive tempo de falar nada, mas aliás, o que eu poderia falar a respeito disso? Nada, basicamente. Arraiá já nos chamava para voltar para pista. E para cada um de nós, ele mandava um sorriso. Um sorriso de que tudo ficaria bem. Bom, assim espero. O árbitro jogou o disco e quando dei por mim, Igor já o puxava com todas as forças para si, dava para ver o quanto ele estava determinado.

Último tempo.

Última esperança, em se fazer mais um gol, pelo menos.

Ele deslizava no gelo com garra, como se só agora fosse dar tudo de si. Igor era assim, como vocês já devem ter percebido, intenso. É, é essa a palavra que o descreve bem. Além de todo seu estresse, raiva, brigas e discussões, Igor SEMPRE dava tudo de si, ainda mais no Hóquei, que é aonde ele quer se profissionalizar futuramente. Então sim, se esse fosse o seu último jogo, ele iria dar toda a sua garra, lutar até o fim, para que quando alguns conhecidos passassem por ele ou até mesmo seus filhos, ele pudesse dizer: "Nesse dia, perdemos, mas cada um que estava ali, deu o seu melhor. E mesmo não avançando depois, lutamos com bravura". Comecei a seguir seu ritmo, tentando lhe dar cobertura. Ainda pensava em Ágatha, até mesmo de tempos em tempos olhava para a arquibancada, para ver se a mesma ainda se encontrava lá — eu estava com medo dela ter mudado de ideia, de não querer mais conversar comigo — mas toda vez que eu olhava, lá estava ela, e era somente por isso que estava aliviado, e conseguindo (só agora) me sair bem no jogo.

Voltei a realidade ao constatar um adversário chegando perto de Igor, balancei minha cabeça para os lados, como forma de espantar tais pensamentos. Minha hora com a Ágatha iria chegar, eu só precisava me concentrar no jogo. E foi exatamente isso que eu fiz, e ao me aproximar do jogador, vi que, no seu lado direito estava Noah — ele tinha tido a mesma ideia que eu, ou talvez só tenha ficado com medo que eu não fizesse nada, como não fiz no 1° tempo, e não quis arriscar —, mas agora estávamos nós dois patinando lado a lado com nosso oponente, como se de alguma forma estivéssemos o imprensando, só que na verdade nem um dedo nosso tocava nele. O jogador viu a nossa persistência com relação a ele, e viu que, se tentasse algo, barraríamos antes mesmo de executar. Então, no segundo seguinte, vi quando ele fez um toque com a cabeça para o seu amigo mais próximo — pedindo para que ele fosse atrás de Igor, que até agora se encontrava na frente com o taco — e logo tentei achar Felipe e Jeff, esse que rapidamente me viu, fiz com que ele entendesse que era para fazer a mesma coisa que eu estava fazendo com Noah, com o outro jogador que estava indo atrás de Igor. E como se entendendo e atendesse o meu pedido, instantaneamente ele deslizou para perto de Felipe e juntos, foram atrás desse outro. Em um simples levantar de cabeça para ver quanto tempo nos restava, vi que só tínhamos um minuto para igualar o jogo. O jogador perfeito tinha voltado no mesmo tempo que eu, mas ele — que era o que mais puxava o disco para si e fazia os gol's — agora, por conta da briga, não estava mais fazendo isso. Nesse jogo, ele só estava marcando presença.

Então, Igor tinha que marcar essa.

Os segundos se passavam, víamos que Igor já tinha atravessado metade do caminho, eu e Noah, Jeff e Felipe, segurávamos dois deles, os outros três vinham atrás de nós. Até que, o sino soou, mas eu nem mesmo liguei para ver se o gol havia entrado na trave ou não. O meu tempo com eles tinha acabado, agora eu só tinha olhos para uma só pessoa, e essa pessoa, ao que estava parecendo, também só tinha olhos para mim, pois ela descia as escadas, vindo de encontro a mim nem mesmo se importando com os esbarrões/empurrões que as pessoas ao seu redor lhe davam.

— Precisamos conversar.

Apenas concordei com o que ela disse, enquanto passava a mão pelos cabelos tentando consertá-los. Olhando para trás vi Victor, que se sentou em um dos bancos e tirou os patins. Fiz o mesmo. As pessoas em volta começavam a ir embora aos poucos, e em todo jogo eu não havia reparado que Taeseon também estava ali, somente reparei quando o mesmo já estava indo embora. Entreguei meu patins e meu uniforme para Arraiá, e resumi um pedido de que por favor levá-se para mim. Meu coração parecia estar dançando nas batidas, cada vez indo mais rápido. Não havia um só argumento formulado, e a cada passo em direção ao vestiário eu sentia que até mesmo informações sobre mim mesmo estavam sumindo com o nervosismo. Eu entrei primeiro, me encostando nos armários e ela se encostou no outro lado da parede. Suas mãos seguravam o casaco verde musgo, e os cabelos foram passados para a esquerda. Segundos em um silêncio angustiante. Nenhum dos dois parecia ter feito um roteiro.

— Não sabia que era irmã do Victor — foi a primeira coisa que me veio a mente.

— É, sou. Não sabia que era amigo dele — vi ela forçar um sorriso. — É você o amigo da aposta?

Me surpreendi com a pergunta, mas concordei.

— Victor citava você como um exemplo de garoto maluco, quando eu falava que o garoto que gostava era perfeito. Era sua forma de me mostrar que homens às vezes são idiotas.

Foquei na parte do ''gostava''.

— Então gostava de mim.

— Ainda gosto — ela suspirou. — Mas isso não parece certo. Não... importando como olhe.

— Desculpa — finalmente pedi. — Eu te meti na minha confusão. Você não merecia isso. Foi... um erro meu.

— Seu erro foi ter se aproximado de mim, Will — ela de novo tentou forçar um sorriso, mas não estava funcionando. — Eu sou uma pessoa quebrada. Não...

Ela começou a chorar. Eu tinha certeza que não queria um abraço meu. Me perguntei o que deveria fazer.

— Ágatha, eu não entendo por que diz isso. Eu não sou perfeito. Ninguém é.

— Quando comparado a mim você é! — Seu tom de voz aumentou. — Você tem amigos, uma namorada e...

— Uma namorada falsa. — Interrompi.

— Ainda assim, uma namorada! Uma bela e... Impressionante namorada — ela ainda chorava, e seu tom continuava alto. Ela começou a andar pela sala. — Eu nunca vou ser como ela! Nunca! Eu não posso ser o que você espera de mim.

Eu ainda não tinha me mexido. Continuava com os braços cruzados, enquanto algo dentro de mim tentava me controlar para... Não chorar também, ou talvez desabafar.

— Eu nunca quis que você fosse perfeita. Eu gosto de como você é.

— Então, você acha isso justo?! — Ela perguntou. — Você se envolver comigo, e ser obrigado a se envolver na merda que é a minha vida? — Não respondi. Percebi ela se aproximar de mim. Três passos de distância. — Você foi a única pessoa que não desistiu de mim. Mesmo quando tentei te afastar várias vezes, você sempre voltou, e isso foi egoísta. Eu fui egoísta.

— Eu não me importo.

Mas eu sim! — Ela colocou cada mão em um lado do meu rosto. — Você merece alguém melhor do que eu. Alguém que, não é completamente perdido.

Ela soltou, e pareceu se afastar para ir embora. Eu estava me controlando. Por dez anos era isso que estava fazendo, mas naquele momento um pedaço de mim explodiu.

— Você sempre diz que não é suficiente, e nunca acredita quando eu digo que sim. — Ela voltou a olhar para trás, acompanhando o que eu dizia. — Você nunca acreditou em nada do que eu dizia, e saber isso machuca.

— Eu acredito no que diz, eu não acredito em mim!

— Não, você nunca acreditou — agora era eu quem estava forçando um sorriso. — Esse tempo todo você se aproximou de mim, mas lá no fundo, você sempre esteve preparada para me rejeitar. Você usa a desculpa de que não acredita em você, mas você não acredita em mim. Não acha que eu digo a verdade?

Ela tinha razão para isso. Mesmo que ela soubesse sobre a aposta nunca soube que era eu o garoto dela, mas até mesmo antes de tudo, ela nunca acreditou em mim. Ela apenas queria me manter por perto, porque sentia que eu era o único que se importava, e usou o fato de eu parecer gostar dela ou parecer querer ficar com ela para me manter por perto.

— Você tem razão, isso nunca daria certo — concordei. — Não do jeito como está, porque você não acredita em ninguém que se aproxima de você, e eu não consigo ser sincero comigo mesmo.

Ela tentou parar de chorar, mas dessa vez, fui eu quem comecei a ir embora.

— Eu não queria te machucar — Ela disse, às minhas costas. — Eu nunca acreditei em você, porque não mereço ser amada.

Me virei. Já estava no corredor para ir embora, e ela ainda continuava parada no final dele.

— Esse é problema! — Explodi. — Esse tempo todo eu estava te enganando. Eu estava te escondendo coisas. Eu nunca fui a pessoa perfeita da história e mesmo assim, você ainda acha que precisa se livrar de mim porque você é a pessoa que não merece alguém. Você deveria estar machucada. Deveria me bater e dizer que eu sou um babaca, mas você apenas se culpa por não ser suficiente, mas Ágatha, eu não sou o suficiente para você, porque nunca fui sequer suficiente para mim mesmo. Eu...

Eu não sabia porque não estava conseguindo me controlar. Porque... Estava sendo tão honesto. Era assustador me abrir para alguém.

— Você é maravilhoso — ela sussurrou.

— Você também — devolvi.

Continuei a andar, e senti meus olhos arderem.Eu tinha certeza que queria chorar, por isso, imaginei que a chuva que caia do lado de fora era uma representação das minhas lágrimas.

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