25 = Boa forma (de vida?)
Talvez já fizessem horas que eu estava correndo.
Depois de tudo o que tinha acontecido, eu simplesmente voltei para casa, batendo a porta do quarto.
Finley, já tinha ido morar com seus pais, então, eu estava sozinho. Deslizei até o chão, com as costas ainda na porta.
Minha vida era uma inacreditável bagunça.
Quando me levantei, apenas peguei duas barras de chocolate, e enchi uma garrafa de água. A garrafa já estava vazia quando percebi que tinha ido muito longe. Talvez, eu até conseguisse cruzar o estado. Talvez... Esse era meu plano.
Meu pâncreas já tinha produzido glucagon, impulsionando a quebra do glicogênio, transformando em glicose.
O estímulo percursor, que fazia minhas pernas ainda se mexerem. Que ainda tivesse fôlego para correr, e sabe-se lá para onde. Era minha forma pessoal de fugir. Espairecer. Tentar entender por que a cada dois passos, eu voltava dez.
Um avanço. Outro retrocesso.
Talvez, o certo seria retroceder. Voltar aonde tudo deu errado. Quando usei do único dinheiro que tinha no bolso para pagar a passagem do ônibus, notei que eu tinha um plano. Tudo ficou mais evidente quando fiquei à frente daquela casa. Os tijolos ainda estavam meio a mostra, com as marcas do tempo estampadas na coloração negra impregnada nos tijolos, e nas grades das janelas de ferro. Olhei para número 42 pintado ao lado da porta, e depois, li todas as frases pichadas nos cantos. Até parar os olhos naquela única frase, que tinha estimulado tudo.
"Mientras vivir, viva la vida".
VLV.
Aquele não era mais o esconderijo dos VLV, porque somente os integrantes originais trabalharam ali. Somente eles tinham conhecimento que, aquela casa abandonada no final de uma rua sem saída qualquer, foi o início de algo que se tornaria grande. Grande, e perigoso. Perigoso, de uma forma que eles não tinham planejado.
Minha tatuagem coçava. Relembrar tudo em um instante fazia da vontade de querer ir embora maior.
O sol nasceria em pouco tempo, deixando o branco quase desbotado à mostra. Decidi me esconder na escuridão da casa, antes que alguém pudesse me ver do lado de fora. O primeiro andar continuava o mesmo. A sala à esquerda, com o sofá coberto por lençóis brancos, igual todos os outros móveis.
Observei o sofá por um tempo, lembrando das garotas sentadas nele, com nós dois, sentados no balcão da cozinha, ou em cima da mesa. Afinal, as regras eram nossas. Marie andava de skate pelos cômodos, com as marcas das rodas de seu skate ainda gravadas, vindas desde à cozinha aos fundos, passando em volta da escada à minha frente, chegando ao outro lado do cômodo, que usávamos como escritório.
Os papéis já não estavam mais na mesa, mas os livros continuavam a preencher as prateleiras, com os quadros pintados por Elise pendurados. A lareira tinha lenha, e parecia ter sido trocada. Voltei para à escada, deslizando os dedos pelo corrimão de madeira. Os degraus rangiam, assim como antigamente. No final da escada, o corredor, com somente quatro quartos, tendo a varanda no final.
O de Marie pintado de preto, com os adesivos de "Não entre" pregados. A de Elise ainda estava na cor natural, marrom da cor da madeira. Ela nunca pintou. Tinha certa paixão pelas coisas naturais. Os dois quartos que sobraram não eram distribuídos como o delas. Deveria, mas depois de um tempo acabamos decidindo que como um dos quartos era maior, tendo duas camas, eu e ele iríamos dividir. Hesitei, com a mão na maçaneta. Sabia que não poderia parar a enxurrada de memórias que viriam. Quando iria pressionar a alavanca da porta, senti algo afiado no meu pescoço, assim, como uma presença atrás de mim.
Sem perfume para se identificar.
— Quem é você, e o que está fazendo aqui? — A pessoa atrás de mim perguntou, ainda tendo a lâmina do canivete pressionada contra à minha laringe.
A madeira na lareira. Eu deveria ter adivinhado que alguém estava ali.
— Oi, Chris.
Que ele estava ali.
Pressionando um botão, a lâmina voltou a ser guardada. Me virei para sua direção, com seus olhos verdes olhando no fundo dos meus. O cabelo escorria de dentro do capuz preto, chegando a base dos ombros. Ele passeou a língua pelos dentes, como se fosse um vampiro.
— Will? — Perguntou para ter certeza, deixando um sorriso nascer no canto dos lábios. — Eu sabia que essa casa era mal assombrada, mas nunca tinha visto um fantasma tão de perto.
Ele estava realmente perto. A presença ainda maior, e agora, aparentava ser mais obscura. A mão dele saiu do bolso, indo de encontro a minha na maçaneta, a impulsionando para baixo. A porta se abriu, e ele, foi o primeiro a entrar já tirando o casaco preto, o jogando na cama grande, que era a junção do que antes era à sua e à minha cama. Ele se deitou, esticando a perna na parede. Olhava para o teto, de forma perdida.
Decidi fechar a porta, me deitando ao seu lado. Nos primeiros minutos ninguém disse nada. Cada um remoía seus problemas sozinho.
— Não acredito que teve coragem de voltar aqui — ele finalmente disse. — Depois de ter ido embora sem ao menos se despedir.
Era direito dele sentir raiva de mim. Até mais do que isso.
— Desculpa. — Não sabia se resolveria depois de dois anos, mas eu precisava tentar. — Eu não conseguiria me despedir sem mudar de ideia. E... Eu não podia mudar de ideia.
— Eu sei — ele começou a passar a mão pelos meus cabelos. Não me importei. — Precisava fugir do problema que tínhamos criado. Que você tinha dado a ideia.
Olhei para o lado, com ele virando seus olhos para à minha direção. Os dois olhares se enfrentando.
— Eu não deveria ter metido vocês nisso, mas... Eu tenho tendência a fazer besteira.
— Todos temos, Will. — O que disse saiu quase como um sussurro. O olhar dele voltou a se dirigir ao teto, e eu fiz o mesmo. — A melhor coisa que fez talvez tenha sido ir embora. Depois que saiu, tudo desmoronou. Marie foi para o internato depois de ter sido pega vendendo drogas, e Elise mudou de Estado. Direto para à Argentina.
— E você? — Olhei para ele, que não devolveu o olhar.
— Eu não poderia ir. Não poderia deixar minha mãe sozinha com meu pai, e fugir para à Venezuela como queríamos. Tive que ficar.
— E o que aconteceu? — Perguntei.
— Com meu pai? — Agora devolvia o olhar. — Ele continuou a gastar nosso dinheiro com jogos. Até que, ele discutiu com à minha mãe por ela estar escondendo o dinheiro que recebia — Chris tirou a mãos de meus cabelos, e piscou de forma lenta. — Ele levantou a mão para ela, na nossa frente. Dessa vez eu não consegui aguentar ver tudo calado.
— O que você fez, Chris? — Estava um pouco preocupado. Sua reposta não veio de imediato.
— Eu retribuí todo o ódio que ele descontou nela esse tempo todo — ele não sorria. Não parecia se orgulhar, assim, como não parecia se arrepender. — Era como se a pressão do meu punho nele, fizesse meu sangue ferver. Eu só parei porque ela se jogou na frente dele. Se não... Eu... Não sei o que...
Seu semblante comparado a antigamente parecia mais aliviado. Deduzi que seu pai tinha ido embora. Até mesmo eu iria.
— Você é o líder agora? — Perguntei.
— Eu resolvi assumir essas responsabilidades. Mas, os VLV se tornaram algo que eu não posso controlar — seu olhar voltou para mim. — No começo, eu estava sozinho, e aceitei novos integrantes. Não sei como isso no final se tornou uma gangue.
Cada um voltou a olhar para o teto. Anos sem se ver. Anos que tinham sido turbulentos para cada um.
— Eu me meti em uma confusão. Uma atrás da outra. — Suspirei de forma pesada. — Entrei em uma aposta, que não consigo sair sem fazer minha melhor amiga ter um namorado, mas... Ainda assim, me apaixonei por um outra garota, que me evita.
— Garota...? — Chris voltou a olhar para mim, abrindo um sorriso — Will Belmarques, o coração de gelo, apaixonado por uma garota? — Debochou. — Realmente, fantasmas existem.
Ele estava sorrindo, e ainda olhava para mim. Parecia achar muita graça da situação.
— Toda vez que você volta a olhar para mim, sinto que vai me beijar. — Eu brinquei.
— Não vou — novamente sua voz saiu como um sussurro. — Agora você é hétero.
Chris tirou as pernas da parede, se levantando. Começou a andar pelo quarto, até se sentar na poltrona. A sua tatuagem de cruz na bochecha tinha perdido o destaque em meio as novas que preenchiam seus braços. Não muitas. Sempre pensei que ele faria tatuagem em todo o corpo.
— Deveria voltar para casa. — Ele aconselhou. — Não deixe seus pais preocupados.
— Não sei se eles ainda se importam comigo.
— Pensamos a mesma coisa quando você foi embora — ele abriu a gaveta, pegando meu colar de dentro dele. Novamente seus passos vieram em minha direção, o deixando dentro das minhas mãos. — Mas ainda assim, guardamos cada coisa que lembrava você.
Olhei para o colar dentro das minhas mãos. A armação da ampulheta ainda estava intacta, com a areia conseguindo correr de cima para baixo.
— Eu não sei o que fazer.
Chris se agachou à minha frente, segurando minhas mãos.
— Só não volte para nós, seu merda — ele sorriu. — Você fugiu dos seus problemas uma vez. Não fuja para os VLV. Não... Fuja para o lugar de onde fugiu, porque vai ser mais do que uma fuga, será...
— "como encalhar na beira do precipício".
Ele sorriu. Essa parte do livro dos VLV tinha sido ele quem havia escrito.
— Dentre os quatro, você sempre foi o melhor em conseguir seguir em frente. Não teríamos resolvido metade daqueles mistérios e problemas sem você, Will. Então, dessa vez, resolva tudo sozinho. Você não pertence mais aos VLV.
Ele deu dois tapinhas nas minhas mãos, antes de se levantar e abrir a porta. Me levantei, parando ao seu lado.
— Não volte — ele disse. Parecia mais um pedido.
— Não acho que posso prometer isso, mas vou tentar resolver meus problemas sem vocês. Sem você.
Ele esticou a mão, e eu a apertei.
— Foi um prazer revê-lo, Will Belmarques.
— Digo o mesmo, Chris Brindelwarg.
Ele sorriu, até começar a rir.
— Você falando meu nome me lembra daquele personagem que sua mãe inspirou em mim. — Seus dentes alinhados ficavam em evidência enquanto sorria.
— É claro — sorri. — A única diferença de você para Vincent, é que ele é rico. Não teria como ela desperdiçar um potencial como esse.
— E já se foram 2 livros — ele sorriu. — Com ela me usando de inspiração.
Finalmente soltei sua mão, dando um passo à frente. E outro, e outro, até estar descendo a escada e só aí, escutar a porta se fechar.
◆◈◆
Já chegava perto de casa, e a música escolhida da minha playlist é aquele tipo de música que, você já está na merda, e mesmo assim coloca uma música mais triste ainda, só para ficar tudo em sintonia. Como se a música completasse o seu dilema.
Enquanto eu me reviro em meus lençóis
E mais uma vez não consigo dormir
Saio porta fora e subo a rua
Olho as estrelas
Olho as estrelas caírem
E eu pergunto-me onde
Onde errei
E, assim que dobrei a esquina uma pessoa entrou em meu campo de visão, aquela pessoa que, depois de Igor, mesmo sem intenção, conseguiu fazer um grande estrago.
Eu deveria estar com raiva dela, deveria entrar em casa sem lhe olhar ou ao menos lhe dirigir a palavra na hora em que ela fez menção de se levantar do batente de casa, ficando em pé, vendo qual seria o meu próximo passo.
Emília me conhecia, sabia que se eu passasse direto, não reclamaria. Era a minha escolha.
Só que ela ficaria do lado de fora da minha casa até que eu falasse com ela. Porque Emília de Azevedo é assim: gosta das coisas bem resolvidas. Ainda mais quando se envolve amigos. Então, a medida em que andei para ficar à sua frente, desligando a próxima música que já começava a tocar em meus fones, olhei diretamente em seus olhos.
— Will... — ela começou, mas não prosseguiu. Pela primeira vez, desde que a conheci mais a fundo, Emília não sabia o que fazer e muito menos o que falar.
E por isso, foi eu quem tomei a palavra.
— Você está há muito tempo aqui? Me esperando? — Dei alguns passos, até me sentar no batente, do qual ela estava a minutos atrás, e a chamando com a mão pedi para que ela se sentasse ao meu lado.
— Eu... eu achei que... — prosseguiu, assim que ajeitando o seu vestido, se sentou ao meu lado. — Por um segundo, estava fazendo a coisa certa.
— Tudo bem, Emília, você não precisa se preocupar. A culpa é toda minha — relatei.
— Mas, Will, aquela garota... — ela parou, para que eu continuasse à sua fala.
— Você apenas me beijou porque achou que estava fazendo o certo, pelo fato de sermos "namorados" — fiz aspas com as mãos. — A verdade é que eu não fui sincero com nenhuma das duas. Deveria ter te dito sobre a Ágatha, e eu, desde o começo deveria ter dito a ela que tinha um certo "rolo" com alguém...
— Mesmo que você tenha me relatado isso, eu tenho à minha parcela de culpa, e você sabe disso. Eu te forcei a fazer algo que não queria. Eu vim aqui para me desculpar por causa da garota, e principalmente para dizer que o que eu fiz não foi certo.
Agora, nada disso importa.
— Bom... eu... — comecei, porém, a mesma me interrompeu, quando sua mão foi de encontro à minha, permanecendo por alguns segundos.
— Eu não quero que nossa amizade mude, Will — seus olhos buscavam os meus, com certa urgência.
— Jamais irá mudar, Emília de Azevedo. Eu estou até mesmo arrumando um pretendendo para você, por estar me ajudando... — eu não precisava dizer o resto da frase, e ainda bem que Emília entendia ao que eu queria dizer.
— Quem seria o pretendente? — Sua mão, que antes estava em cima da minha, foi em direção aos seus cabelos, onde ela colocou uma mecha deles para trás de sua orelha, enquanto esperava pela minha resposta.
— Bom, eu não sei se eu deveria te dizer... — comecei a rir um pouco, pela cara que ela fez.
— Isso... isso não vale — começou a dizer.
— Você quer mesmo saber quem é? — Perguntei, vendo qual seria sua próxima resposta.
— É melhor não... — me aliviei, não queria dizer que era Victor, seu suposto pretendente —, pois eu o veria com outros olhos — quase me engasguei.
— O quê? Mas isso seria bom, não? — Tanto facilitaria o meu trabalho, como o dela.
— Não, se eu não gostar dele! — Disse, de forma tão rápida, que até estranhei. — Então, eu o olharia com outros olhos sim, mas só pelo fato de você ter mencionado que ele poderia ser bom para mim.
— E você por um acaso estaria gostando de alguém, senhorita Emília? — Arqueei uma de minhas sobrancelhas, como forma de colocá-la pressão.
— Eu não... não sei do que você está falando — seu rosto aos poucos começou a ganhar uma coloração avermelhada nas maças do rosto, e como se ela soubesse disso, e não quisesse que eu visse, virou rapidamente seu rosto para o lado oposto ao meu.
Emília de Azevedo gostava de alguém.
Isso era fato. E se eu soubesse quem era, eu poderia ajudá-la de forma mais rápida.
— Ok, ok, não precisa me dizer se não quiser, Emília, não estou aqui para te pressionar — mas o pior era que eu estava; eu queria que ela dissesse para mim.
— Eu tenho absoluta certeza de que as suas palavras não condizem com o que você quer de verdade.
— Olha, você realmente me conhece bastante — comentei, com nós dois rindo, e ela se desarmando por completo.
— Conte-me sobre à Ágatha... Mais alguém sabe sobre vocês dois? — Perguntou.
— Bom, apenas Victor e Jeff, sabem. Sendo Victor quem eu mais me abro mais sobre ela.
— Victor? — Vi ela arquear uma de suas sobrancelhas.
— Sim — concordei com a cabeça. — É ele quem me dar os melhores conselhos.
— Victor ultimamente está demonstrando ser um garoto interessante. É um ótimo goleiro, um cara inteligente, um bom amigo, além de ser... — ela parou, abruptamente, como se não quisesse que eu ouvisse o resto da sua linha de raciocínio.
— Além de ser... O quê? — Insisti em saber.
— Além de ser... engraçado — foi o que ela disse.
— Engraçado? Victor engraçado? — Arregalei meus olhos. — Tem certeza de que estamos falando do mesmo Victor?
— Isso porque não é você quem escuta as piadas dele — ela riu, com a lembrança de alguma coisa que ele a contou.
— Vocês andam juntos? — Perguntei.
— Não, é muito difícil disso acontecer. O meu namorado pode ter ciúmes, se me ver andando com algum outro rapaz que não seja ele — e ainda sim, numa hora dessas, ela ainda brinca com as nossas posições —, além disso as pessoas sempre comentam. Isso não daria uma boa imagem.
— É, realmente não daria. Mas se eu fosse você, nem se importaria com o seu namorado e muito menos com essas pessoas.
Estávamos a mais de uma hora sentados. A noite já vinha. Emília tinha que voltar para casa.
— Você quer que eu te deixe em casa? — Também me levantei, para ficar da mesma altura que ela.
— Não, não precisa. Acho que nós dois precisamos pensar sobre algumas coisas. Fica bem, ok? E eu espero muito que tudo se ajeite, Will — concordei com a cabeça.
E quando ela já havia dado em torno de uns cinco passos, e eu já estava com a mão na maçaneta da porta, me virei novamente para lhe perguntar.
— Emília — elevei mais um pouco a voz, para fazer com que a mesma me escutasse. E assim, ela se virou de encontro a mim. — Você gosta do Victor?
Ela sorriu, me deixando ainda mais na curiosidade. Não tardei a lhe fazer outra pergunta:
— "Victor é engraçado" era justamente isso que você queria falar ou era outra coisa?
— Bonito. Era essa a palavra que eu ia dizer — e com isso, ela deu um aceno e continuou a sua caminhada.
Victor era o filho da puta de um sortudo.
◆◈◆
Empurrei a porta do Hocket Doll, enquanto pausava a música. Enrolei os fones, enquanto ainda olhava para o chão. Cada passo sendo praticamente contado.
— Ei! — Noah gritou, enquanto eu ainda percorria o caminho. — Pensei que não viria.
Desci os degraus, enquanto procurava cada um pelo gelo. Igor e Victor treinavam sozinhos. Pareciam ter divido o campo em dois. Tirei o tênis, colocando os patins. jeff se aproximou, ficando ao lado de Noah. Os olhares estavam nos outros dois que treinavam.
— Isso é insano — olhei para o placar. Igor tinha feito oito gols. — Estão aqui desde as duas?
— Desde o meio-dia — Jeff consertou. — Eu e Noah fomos almoçar, e eles, comeram uma besteira qualquer, e voltaram a treinar.
— Estranho — comentei. — Não eles estarem se matando de treinar, mas...
— Eles são loucos, não vamos nos atentar a isso. Deixa eles treinarem até cansar — Noah olhou para mim. — O mais estranho, é ele.
Olhei para a direção que Noah tinha apontado, e quase não pude acreditar naquilo. Seus olhos marrons reluziam e, seu casaco negro se espalhava pelo banco que sempre se sentava. Assim que nossos olhos se enfrentaram, ele abriu o sorriso, enquanto passava o cabelo para trás, com ele se dividindo.
— Parece que quer falar com você — Jeff disse. — Perguntamos o que ele queria, e ele disse "Estou esperando seu amigo chegar". Não sabíamos se viria, mas ele... Parecia ter absoluta certeza.
Concordei, voltando a deslizar até as escadas. Tirei os patins, voltando a colocar o tênis. Bem devagar. Sem pressa. Subi os degraus até onde ele estava sentado, e nos encaramos por um tempo, até um sorriso novamente nascer em seu rosto, apontando para um banco ao seu lado como pedido de que eu me senta-se. O que fiz.
Não nos conhecíamos. Seu perfume era bom demais. Sua roupa boa demais. Seu humor bom demais. Tudo, estranhamente alinhado. Algo metódico. Linear e uniforme.
— O que quer comigo? — De maneira estranha, a pergunta não veio de mim, e sim, dele. Ele ainda olhava para o gelo. Para os dois loucos treinando.
— É você quem veio me ver — disse o óbvio.
— Eu não vim te ver. Vim, porque você queria me ver, mas não saberia aonde me encontrar. — Agora ele estava olhando para mim. — Afinal, fui eu quem tentou consertar sua burrada.
Desde o começo do semestre pessoas demais pareciam saber sobre mim, mas de maneira impressionante, nenhuma delas parecia poder ler o que eu fazia. Mas, aquela era a primeira vez que isso acontecia, o que me deu medo.
— O que você conversou com ela? — Perguntei. Minhas mãos se entrelaçaram de forma automática, enquanto o olhar pendia para o chão.
— Ela me disse algumas coisas. Muitas, eu fiz questão de esquecer — ele olhou para mim enquanto sorria. Esse, parecia ser um sorriso somente de educação, pois logo em seguida sua expressão séria voltou. — O que eu sei, é que você gosta dela, e ela de você, e que, aquela garota causou uma confusão. E não pareceu ser proposital.
— Por que acha isso? — Não sei dizer por que fiz a pergunta. Apenas saiu.
— Ela estava sentada algumas cadeiras à minha frente, mas ela não torcia por cada gol feito, e sim, por cada gol defendido — ele olhava para o gelo. Para Victor. — E sorria quando ele devolvia o sorriso.
— Entendi, Taeseon — Sorri. Estava zombando dele. — Você é um psicólogo. Pode ler as pessoas.
— Se você sabe meu nome, sabe sobre mim — novamente seu olhar voltou para minha direção — Will Belmarques.
Eu me sentia em um programa de TV. Cada ação sendo observada, e analisada pelo público, sendo julgado de forma parcial.
— Eu vasculhei sobre você, sim — Admiti. — Não tenho culpa se deixa sua vida ser pública.
— Todas as vidas são públicas se procuramos direto. Eu somente deixo aparecer o básico, para evitar que vão mais a fundo do que gostaria — ele ainda olhava para mim. O marrom de seu olho muito claro pareceu zumbir com um feixe de luz. — Ontem, você praticamente implorou com os olhos para que eu fosse atrás dela. Poderia ser qualquer um. Teve sorte de ter sido eu.
Por algum motivo, ele se levantou, abotoando um dos botões do casaco.
— Ela está magoada, Will. Mas não com você. Ela sabe que, não pode te culpar por gostar de outra pessoa.
— Eu não... — ele me interrompeu.
— Isso não é o importante. Eu fiz o possível para que ela não sentisse raiva de você. O que não foi difícil. Ela não parece conseguir te odiar. Ela odeia ela mesma demais, para odiar alguém que amou tudo o que ela é. — Ele olhou novamente para mim. Pela última vez. — Você é um idiota, e ela gosta de você por ser assim. E se quer um conselho: Fique com a garota que te beijou. É o que ela gostaria de te dizer também.
Ele começou a descer os degraus. Como se decidisse que aquilo estava acabado.
— Ela não gosta de mim! — Exclamei.
— Claro que não. Ela gosta dele. — O olhar dele estava em Victor. — Você e sua amiga estão no mesmo barco. Mas um lado vai se afundar mais rápido.
A cada passo que ele dava em direção a saída, era mais uma prova de que a conversa estava encerrada. Eu, no fim, não soube com palavras o que Ágatha tinha dito a ele. Mas, em poucos segundos, ele tinha arrancado de mim coisas que eu não sabia por que tinha dito.
Somente alguns minutos conversando com Taeseon Yang e o mundo parecia ruir em minha mente. Ele, era assustador. Me perguntei o que a convivência com ele faria. Talvez, eu entendesse de coisas que nunca tinha sequer pensado.
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