SABINE

 

As paredes cinzas estavam úmidas e geladas ao toque, o que faz a garota desistir de usá-las como apoio mesmo com o escuro do corredor. Havia já percorrido metros apressada, mas nada de se findar o trajeto. Quanto mais Sabine corria mais longe ficava do seu objetivo: a porta de ferro, e já angustiada com as pernas cansadas, diminuíra a velocidade ao notar que talvez não estivesse mais sendo seguida.
Era irônico. Toda a sua vida se baseava numa perseguição que não terminava, primeiro no colégio, e depois na detenção juvenil feminina. Um ciclo sem fim, que fazia surgir em seu âmago o desespero por paz, por um momento em que o remorso não a atormentaria mais, ao menos, não ao ponto de tornar seus pesadelos ainda mais reais e cruéis.

Quando finalmente chegou ao fim do corredor, a porta de ferro enorme estava trancada e parecia crescer mais e mais, tornando-a pequena de mais para alcançar a maçaneta. Volta os olhos para o lugar de onde viera e seu peito salta ao vê-la. Lá estava ela, a verdadeira vítima nisso tudo, uma que Sabine fazia questão de mandar pro inferno quantas vezes fossem necessárias. Porém, nesse momento, o medo é tão maior que ela quanto a porta de ferro, e faz seu corpo inteiro travar, inclusive a língua que mal dizia.
A vítima a poucos metros dela estava numa cadeira de rodas que rangiam enferrujadas, tinha o cabelo loiro molhado que pingava no chão, um corpo todo pálido como se estivesse morta — e a detenta questionou se seria pior se realmente estivesse — e braços desproporcionais que cresciam até que os dedos encostassem no chão. Era como se tudo nela não tivesse acompanhado o crescimento deles, tornando ela uma visão perfeita de um monstro.

— Devolva... Devolva. DEVOLVA!

Com o grito, a vítima empurra exasperada as rodas da cadeira na direção de Sabine causando o rangido agudo que fazia doer suas têmporas, e quando ficou perto o suficiente, o alvo consegue ver seus olhos amarelos e saltados. As orbes foram as únicas vistas flutuando pelo breu desengonçadas enquanto o corpo dela era sacudido por mãos fortes que, inicialmente, julgou serem dela. E foi, até que abrisse os olhos.

— DEVOLVA MINHAS PERNAS!

Num salto, a detenta se ergue da cama com a visão ainda turva pelo sono recente. Percebe a umidade em seu rosto e desliza as mãos sobre ele, sentindo que ali havia mais água do que poderia suar normalmente. A resposta se encontra no balde que a guarda segurava, cujo agora de encontrava vazio. Já a mulher carrancuda a olhava com desprezo enquanto os risos soavam das outras celas.

— Vamos imunda, não temos o dia todo pra princesinha dormir — diz com escárnio apertando o cacetete em mãos.

Sabine sorri debochada, porém não o suficiente para que ela perceba, e se levanta da cama tendo visão do seu uniforme cinza praticamente todo molhado. Ouvir a palavra "imunda" a deixava muito irritada, ao ponto de crer que poderia explodir, mesmo já tendo se dirigido a ela assim inúmeras vezes as mulheres com quem convivia.
Se segurava para não surtar outra vez. Valeria socar cara dessa guarda em especial, porém, a solitária não era lá o melhor lugar para se ficar.

— Claro, guarda Michell.

A mulher tinha quase o dobro de seu tamanho na sua perspectiva, corpo rechonchudo apertado por um uniforme de guarda tão cinza como tudo naquele lugar horrível, tinha botas com sola de uma material que fazia um barulho alto quando andava — e graças a ele, todas as detentas sabiam quando Michell se aproximava — , fora a expressão de sempre, que parecia ser um misto de angústia e raiva o tempo inteiro.

Sabine foi guiada para fora de sua cela por Michell e outras duas subordinadas que não faziam nada além de acatar ordens. Apelidou-as gentilmente de "capacho um" e "capacho dois", usando seu desenho favorito na infância O Gato da Cartola como inspiração. As risadas das outras detentas pararam quando Capacho Um usa uma chave para tirar o bracelete que apertava seu pulso direito, e Sabine se segurou pra não rir da cara delas ali mesmo.
O bracelete era o dispositivo mais moderno que ela já havia visto, algo que demonstrava o quanto aquela detenção quebrava alguns de seus pensamentos. Tinha um rastreador, media os batimentos e a temperatura do corpo, além de disparar uma grande carga elétrica em casos extremos. Da última vez que tinham acionado o seu, ela se lembra de ter ficado desacordada.

Ou seja... Se estavam tirando dela um dispositivo necessário para mantê-la na linha. Algo poderia ter acontecido, e algo bem alarmante.

Sabine Gomez, ganhou o apelido de imunda no seu primeiro dia na Detenção Juvenil Feminina Gonzalez, dela mesma, a guarda mais temida de todas. Seus primeiros dias foram um inferno, não que os restantes não tivessem sido, e claro que todas ao redor pareciam querer piorar tudo ainda mais. Se envolveu em brigas, apanhou das guardas por tentativas de fuga, que foram ao todo, treze. Na décima quarta vez, ela foi posta na solitária por três dias, só com pão borrachudo e uma água amarga. Extremo pra uma menina de dezessete anos? Ela não fazia ideia. Só sabia que naquele lugar não tinha nenhum cuidado especial por ser mais jovem, afinal, todas as detentas eram. Sua última vez na solitária teve como motivo sua briga com a detenta que conhecia por Madalena, peso pesado, com um punho maior que seu rosto. Foi ela quem perpetuou o apelido "imunda" entre todas, mas depois que Sabine lhe deu uma mordida que quase lhe arrancou um pedaço da clavícula, também ganhou um apelido que a fez perder um tanto da moral que tinha. Carnuda. E a garota recebeu outros milhares, como cadela, vampira, canibal e etc. Algumas até passaram a ter medo dela, o que era engraçado até a hora em que entrava em desespero sozinha não tendo ninguém pra dar uma mão que não fosse agressiva.

— Entre e troque de roupa, venho te buscar daqui cinco minutos — Michell fala ríspida, saindo da saleta que entraram na companhia de Capacho Dois.

Capacho Um fica no lugar junto com Sabine para vigiá-la o tempo inteiro, sem expressão, estática no canto da saleta parecendo um robô. A menina estranha inicialmente, mas depois procura se apressar com o que devia fazer em cinco minutos.
A saleta continha alguns armários e um banco como do vestiário do andar de cima, só que bem menor. Em cima do banco estava uma caixa de papelão com mudas de roupa que pareciam ser novas e do seu tamanho.

— Por que estão me dando isso? — arrisca perguntar, mas a guarda robô no canto da sala não responde e nem sequer se mexe.

Sabine desiste de levar aquele assunto adiante ao ver que não teria respostas, pelo menos não até fazer o que mandarem. Basicamente foi apenas isso que fez desde que entrara na detenção: seguir ordens. Sua vida inteira era cronometrada e todas as suas ações observadas.

Sem querer demorar muito, ela tira suas roupas ali mesmo e tenta não encarar o estado de seu corpo, pois os pelos excessivamente crescidos e as marcas não eram lá agradáveis de se lembrar a existência. Imaginou que qualquer pessoa no lugar de Capacho Um sentiria pena ao ver ela assim, ou simplesmente daria risadas cruéis apontando para cada defeito que seu corpo adquiriu em um ano de confinamento. Mal saberiam eles que o maior defeito de Sabine Gomez não era estar numa prisão e sim a atitude que a levou a estar ali. Essa sim, sempre a atormentaria, por mais boa que ela tentasse ser.

Vestida com as jeans escuras e uma camiseta lisa, ela solta o coque antes feito em seu cabelo, liberando uma cascata emaranhada que vai até um pouco abaixo dos seios. Analisa bem aquele unifome cinza, faz questão de jogá-lo na lixeira perto da porta, e seguido disso, Michell torna a aparecer para guiá-la para seu próximo destino.

O percurso no corredor até a porta de ferro da vida real a lembrou do pesadelo que teve, aquele que se repetia sempre, com um final inconclusivo onde ela tinha certeza que seria feita em pedaços pela vítima.

O som da destranca a acorda de um devaneio, e Sabine ainda desconfiada vai além da porta depois de um ano lutando para alcançar tal meta em sonhos. Fora da ala das celas, tudo parecia ser bem mais cuidado e menos cinza conforme ela ia caminhando na companhia das guardas. Passou por um corredor que era ao ar livre, formado apenas por grades de contenção onde no topo se erroscava arame farpado. O céu estava limpo e azul, ao redor havia apenas um campo aberto em pleno interior, com uma terra avermelhada e algumas árvores. A imagem não pôde mais ser vista quando Sabine é levada para outro prédio, um mais colorido que o das celas, mais arrumado, e sem nenhum mal cheiro.

— Entra.

Obedece entrando em outra saleta fechada, apenas com dutos de ventilação como abertura além da porta, uma mesa com duas cadeiras e só.
Sentou-se numa delas e cruzou os braços analisando cada pedaço daquela sala, sentiu um enjôo com o cheiro forte de criolina e enquanto tentava não focar em sua ânsia de vômito, maquinava em sua mente o motivo de estar ali, apesar de já ter uma sugestão para essa resposta.
O som da porta sendo aberta a faz se ajeitar na cadeira rapidamente, foca na abertura, até que seus olhos encontram outros, castanhos, e um corpo jovem e pequeno se comparado às guardas.

— Oi! Sabine Gomez, estou certo?

Ele coloca sua pasta preta na mesa e abre os botões que restavam do terno para poder se sentar de maneira mais confortável. Ajeitou os óculos e sorriu amigavelmente, deixando claro para Sabine, ao olhar seu rosto de perto, que ele era jovem de mais para estar ali e muito mais para estar usando terno.

— Bom... — ele pigarreou e abriu a pasta constrangido com o silêncio. — Meu nome é Jackson Avery, sou advogado — coloca um cartão de visita perto dela na mesa. — Estou aqui para tirar você desse lugar.

Sabine engole em seco e evita ao máximo trocar olhares com ele enquanto seu coração bate acelerado e seus olhos ardem. A última frase a deixou estupefata, mas não no sentido bom, até porque ela não tinha a mínima intensão de sair da detenção. Estava ali por um bom motivo, e ali deveria ficar. De onde veio esse advogado afinal?

— Eu não vou sair daqui.

— Você pode ser inocentada, Sabine — acrescenta sem se importar com o estado de negação da garota, como se já esperasse por ele.

Ela busca reforçar o antes dito balançando a cabeça negativamente, mas a expressão do homem não muda.

— Eu não vou a outra audiência! — levanta a voz e ele ainda permanece com aquele olhar repugnante.

Aquele olhar, exatamente aquele.
Em todas as três audiências onde Sabine era o réu, foi exatamente esse olhar que todos lançaram para ela. O júri, o juiz, o promotor público, os que assistiam tudo, a vítima e sua família.
O olhar que mostrava o quanto era errônea, e a fazia relembrar de que era sim uma assassina, pois matou de verdade alguém por dentro.

— Vai ser sem júri desta vez, apenas o juíz, eu e a acusação — insiste, e então pega uma das folhas de papel dentro da pasta aberta sobre a mesa. — Olhe, eu estudei seu caso, estou interessado porque sei que existe um motivo para o que você fez naquele dia — coloca a folha em cima do cartão de visita que ela nem se preocupou em olhar. — Foi auto defesa, de anos de maus tratos, sabe disso.

Quando seus olhos cansados pousam na folha, Sabine sente seu estômago revirar outra vez e um calafrio na espinha.

O motivo de sua estadia quase que permanente na detenção se devia a um fato que já vinha acontecendo há muito tempo. Inicia-se com a vítima, tanto a da realidade como a do sonho. O nome dela era Mackenzie, mas todos da escola chamavam ela de Mack. Uma garota classe média com uma personalidade doce com todos, tinha muitos amigos, e todos a amavam. Porém, Sabine nunca fora tratada com a mesma bondade que os outros, pelo contrário, era constantemente alvo de bullying, e isso começou quando ela decidiu mudar o seu estilo ao entrar no novo colégio. As pessoas lhe diziam que era bonita, mas o elogio sempre vinha com uma comparação.

"Você é bonita como a Mack."

"Mack é a mais bonita da escola, e a segunda é a Sabine."

"Se a Mack não quiser ficar comigo eu posso tentar com a Sabine."

Comentários que se repetiam todos os dias, por toda a escola, e consequentemente, irritavam a menina boazinha que todos amavam. Sabine não tinha intensão de competir com ninguém, estava convicta de que apenas cuidaria melhor de sua aparência e de sua saúde mental depois de ter passado por uma depressão com a morte da mãe. Sofreu muito preconceito por ser latino-americana, além de que nunca teve amigos próximos, e por isso passava boa parte do tempo sozinha. Tentou seguir os conselhos da psicóloga da escola, e mudar sua vida, mas tudo foi por água abaixo desde a primeira brincadeira que Mack fez com ela.

Não tinha muita diferença entre uma coisa e outra, no geral, Mack espalhava rumores, tropeçava no refeitório perto dela e enchia sua camisa de uma mistura de suco de uva e purê de batata, e, no caso mais grave, usou um perfil fake no Instagram para encher suas fotos de mensagens de ódio, difamações extremas e ameaças. Sabine foi perseguida por Mack durante muito tempo, até que aquele dia chegou.

Era uma manhã comum na escola, e Mackenzie se reunia com um grupo de garotas perto das escadas ao final da aula, rindo e conversando, esperando por Sabine. Quando a mesma chegou, percebeu que aquelas meninas estavam tramando e algo, foi tomada de fúria ainda mais desde que começara a receber ameaças, reagindo. Fazia praticamente dois anos desde a primeira vez, desde a última vez que ela pôde ter paz. Tudo aquilo esteve se acumulando dentro dela, e a mesma sentia a sua raiva dobrar de tamanho sempre que via o sorriso estúpido na cara daquela garota. Ela precisava pagar.
Sabine empurrou Mack da escada com a maior força que pôde ter nos braços, e ficou olhando enquanto ela rolava até lá embaixo, no fim, ficando inerte ao pé, com uma poça de sangue saindo de seu corpo. As amigas dela gritaram, os alunos que restavam na escola se aglomeraram perto do corpo da menina, e quando associaram o crime á ela, sua vida mudou drasticamente.

Mackenzie não morreu, e isso talvez tenha contribuído para que o destino de Sabine não fosse pior — se é que realmente houvesse coisa pior. Na verdade ela sofreu uma lesão na medula, e ficou paralisada da cintura para baixo, enquanto a agressora fora condenada á detenção por tempo indeterminado, até que o juíz soubesse o que fazer com ela, sendo menor de idade e com um histórico familiar caótico.

Não apareceu nenhum advogado de defesa que quisesse salvá-la, ou amenizar a história, e ela sabia que nunca haveria, pois nem mesmo alguém do seu lado ela tinha.

Sabine teve pais quando morava no México, mas seu pai se envolveu no crime e matou sua mãe num momento de raiva e embriaguez. A menina foi tirada da casa e levada para uma adotiva nos Estados Unidos, mas assim que ela demonstrou ser tão criminosa quanto o pai, a família a abandonou completamente. No dia do seu julgamento não havia ninguém lá do seu lado a não ser uma assistente social enviada pelo governo.

No final, ninguém sabia o que fazer com aquela órfã propícia ao homicídio.
E nem Sabine sabia o que fazer com ela mesma.

— Essa foto comprova que a conta do Instagram que praticava cyberbullying com você, além das ameaças era a Mackenzie — coloca outra folha sobre a primeira. — Essa comprova que essa pessoa que te perseguiu na rua naquele dia era o namorado dela na época, Landon.

Sabine se recordava bem daquele dia.
Fora perseguida da escola até em casa após ficar até mais tarde na biblioteca, chegou a fazer uma denúncia na delegacia mais próxima, mas não obteve os resultados que esperava.

— Se mostrar as provas ao juíz vou poder sair daqui?

— Tudo indica que sim, mas não posso garantir que ficará totalmente livre, vai ter que fazer um tratamento psicólogico, essa é a minha petição ao juíz — confirma e acrescenta soltando um suspiro por último. — Vou marcar uma audiência, e resolveremos tudo. Logo você fara dezoito anos e não vai precisar de um lar temporário se não quiser.

Jackson indicou que iria se levantar para ir embora e ela impede com um gesto da mão.

— Por que quis me ajudar? — perguntou olhando para as próprias mãos.

— Por que eu também já fui preso injustamente, e foi por isso que virei advogado, para não errar como erraram comigo.

Sabine soltou uma risada nasalada assim que a porta se fechou quando ele saiu. Ficou lá por um tempo até uma das guardas lhe trazer uma bandeja com comida, aproveitou a ocasião para perguntar se não voltaria a sua cela, e a mesma respondeu que a audiência de seu caso não iria demorar e aconteceria hoje. Tudo que faria era esperar naquela sala até que a petição do advogado fosse concedida.

Em todas as duas horas em que ficou esperando, Sabine roeu todas as unhas da mão até ficarem em carne viva de nervosismo e ansiedade. Olhou para o relógio e foco no ponteiro dos segundos que deslizava sem fazer nenhum som, o sono veio, mas ela se recusou a cochilar num momento como aquele. Sabia que agora que estava a ponto de sair da detenção, aquele pesadelo lhe atormentaria se por acaso adormecesse. Quem saberia que o fantasma de uma pessoa viva era pior do que de uma morta? Mack a culpava por ter-lhe tirado a capacidade de andar, e queria suas pernas de volta. Era sempre a mesma trama. No entanto, o medo ainda causava o mesmo impacto, a mesma agonia, o mesmo desespero... Sabine não se achava digna de sair dali por esse simples motivo, embora não aguentasse mais aquele lugar. Mas para onde iria? Viveria sozinha e com medo para sempre?

— Imunda — uma voz a tira de um devaneio. — Você tem visita.

Ela ajeita a postura e joga suas cascatas longas e opacas para trás do corpo ao ver sinais de que havia mesmo um visitante. Imaginou que seria Jackson Avery outra vez, mas percebe ter se enganado quando seus olhos fitam o cabelo ruivo do sujeito. O homem era um pouco mais alto que o anterior, tinha a pele branca, olhos verdes e sardas pintando seu rosto. Sorriu de maneira amigável, fazendo a garota engolir em seco ao notar o quanto aqueles olhos podiam ser insanos se quisesse. O arrepio nos braços foi inevitável, e até ele pareceu perceber quando a analisou bem.

— Está frio, não acha?

Ela riu com sarcasmo do comentário tirando os braços da mesa. O ruivo se sentou na frente dela e colocou um notebook que ela não tinha percebido que segurava na mesa, abrindo a tela em seguida. Sabine observou atentamente enquanto ele digitava fazendo aquele som irritante das teclas subindo e descendo; até chegou a lançar-lhe olhares que alternavam entre seus olhos e a tela, e a mesma se sentiu ainda mais enjoada só por isso.
Ele podia entrar ali com esse tipo de eletrônicos?
O que diabos estava acontecendo hoje?

— Soube que vai sair da detenção logo — menciona já virando o aparelho para ela, de forma que pôde enxergar a tela. — Tenho uma sugestão de onde pode ir depois disso.

— Mc... McKamey? — ela franze a testa ao ler o nome do site. — Quer me levar pra um bordel — zomba sem nem mesmo ler o conteúdo. — Como conseguiu entrar aqui com isso? — sinaliza com os olhos do que estava falando.

O homem ignora sua pergunta, e junta as mãos sobre a mesa de metal com um sorriso divertido no rosto.

— Posso ajudar você a se livrar de Mackenzie Houston — aumenta o tom da voz e seu sorriso se desfaz em segundos de maneira macabra. Silenciada a menina fica estática olhando naqueles olhos até ele decidir se pronunciar novamente. — McKamey Hills — encosta na cadeira voltando ao tom normal. — Meu novo projeto de interação de terror, onde as vítimas curiosas perdem o seu medo... — seus dentes se tornam expostos quando ele sorri outra vez. — Ou a vida.

— Por que eu aceitaria uma coisa assim?

Perguntou, mas novamente não houve resposta. Seu corpo inteiro havia ficado quente de repente, e na presença daquele homem ela se sentia mais exposta até a alma, como se ela pudesse enxergar seu maior medo e o quisesse tornar mais real ainda.

Tudo indicava que agora ela tinha um lugar para ir.
Mas não sabia ao certo o que perderia indo até lá.

Quando pisou pela primeira vez os pés naquela casa sentiu que se arrependeria profundamente quando estivesse sendo esfaqueada até a morte ou algo do tipo. Mas depois de tudo que passara nos últimos anos, Sabine estava disposta a sofrer alguns arranhões, e mesmo que ao fim de tudo ela morresse, valeria a pena tentar enfrentar seu medo pelo menos uma vez.

Logo de cara pôde sentir o clima pesado naquele lugar, um ar tenebroso que indicava que muitas pessoas já haviam feito sua primeira passagem como ela fazia a hora, e provavelmente nenhuma delas teria sobrevivido. A garota olhou ao redor ainda da entrada e resolve andar ao sentir que nada aconteceria se continuasse parada ali. Reparou no pó e mofo espalhados pelo local, nos móveis antigos e na iluminação precária de ambos os cômodos.

Quando estava perto de entrar na cozinha ela ouve um gemido baixo que indicava choro de alguém, sentiu um calafrio na mesma hora, pressentindo que haveria alguma criança possuída naquela casa, fazendo jus ao clichê dos filmes de terror, nos quais ela nunca viu graça.
Procurou com os olhos ao redor mas não viu ninguém. Entra então na cozinha seguindo a maior incidência de luz que ali habitava, e se depara com um prato de comida, idêntico ao que era servido na detenção, um copo de água e uma carta que não enrolou para decidir abrir.

O homem misterioso havia a instruído em tudo que deveria fazer, e não era tão difícil afinal, pois se ela tinha coragem para assinar um acordo insentando o proprietário de consequências por sua morte, ela poderia enfrentar todo resto, e lutar para que não morresse de fato.

Quando pegou a carta nas mãos se assusta ao ver  surgir de repente um rapaz de cabelo loiro ao seu lado, com o rosto vermelho por chorar. Então era ele. Pensou. E ao mesmo tempo teve medo da forma como ele apareceu ao seu lado sem fazer um ruído sequer.

— Quem é você?

— E-Eu estou com medo, pode me ajudar? — fala seguido dela, fungando no final. — Quero encontrar a minha amiga, Clara. Se me ajudar eu ajudo você a achar a peça de decoração.

Sabine franze a testa e abre o papel, notando que de fato ali estava escrito qual objeto ele deveria achar.

— Tem que ler em voz alta para ele saber — cita limpando a água do rosto.

— Ele quem? — pergunta e depois sua mente lhe responde, fazendo-a recordar de ontem mais cedo. Seus olhos vasculham novamente o local, só que desta fez ela procura por câmeras, ou escutas. — Vai me ajudar se eu fizer o mesmo por você, certo?

Não sabia se poderia confiar em alguém que encontrasse naquele lugar, mas pelo estado de sua nova companhia, ele parecia ser tão vítima quanto ela, por isso resolveu ajudar.

O garoto que parecia não ser muito mais velho que ela assentiu e ela se sente livre para ler o conteúdo da carta em voz alta.

— "Bem vinda, Sabine Gomez! McKamey Hills esconde um retrato de Janette, encontre-o e será muito bem recompensada. Fique atenta ao som das rodas, e lembre-se que com o mesmo ferro que feriu, será ferida." — engole em seco ao ler a última frase.

Deveria ficar longe das escadas, pensou.
Tudo indicava que seu maior medo buscaria pela vingança que ela tanto temia, e pelo som de rodas deslizando contra o piso de madeira, não iria demorar muito pra isso acontecer. O rapaz que estava ao seu lado arregalou os olhos ao ouvirem estrondos e gritos abafados vindo do chão, como se alí estivesse o próprio inferno sob seus pés. Assustado aparentemente, o loiro agarrou-lhe o braço e a puxou para longe da cozinha a força, sem dar tempo de Sabine contestar.
A casa que antes estava silenciosa agora permitia ecoar os gritos de desespero de suas vítimas, tanto das vivas como das mortas. Sabine tinha certeza que alguém já teria morrido ali, considerando o acordo que fizeram com Ross McKamey, matar seria fácil de mais para ele.
Escondidos no que parecia uma biblioteca, os dois ficaram ali, ofegantes por um tempo, e o garoto loiro que a acompanhava assustado como uma criança olhava o lado de fora pela fechadura da porta.

— Qual é o seu nome? — ela pergunta notando que a essa altura nada sabia sobre aquele cara.

— Donnie.

— Por que nos trouxe até aqui, Donnie?

— Porque aqui é seguro. Eles estão lá fora, e querem tirar nossas vidas — acrescenta sem tirar os olhos de lá.

— Eles quem? — insiste e percebe que soa impaciente, como se estivesse com medo. E estava. Porém, não queria deixar aquilo tão evidente, considerando que Donnie parecia ter mais medo que ela.

— Nosso maiores medos... — ele ergue o corpo e se vira para ela com lágrimas nos olhos. — Eu a trouxe até aqui para morrer.

Sabine sente sua pulsação dobrar o número de batidas por segundo ao ver que agora o garoto estava aos prantos, enxugando os resquícios de lágrimas nas mangas da blusa, e só então ela percebe em seu estado. Donnie tinha as roupas muito sujas, de terra e um líquido verde que se segurou para não deduzir de onde viera, estava descalço e seus cabelos loiros bagunçados. Por mais que sentisse pena, também desconfiava que Ross o tivesse usando para distraí-la.

— Fala da sua amiga?

Ele assente e torna a soluçar.
Depois de algumas fungadas, Donnie surpreende Sabine desatando a rir repentinamente. Ocorreu tão rápido que a garota demorou a descobrir do que se tratava. O homem fora de si gargalhava fazendo um barulho tão alto quanto todos os clamores por socorro da casa, e quando finalmente retorna a si ele abre os olhos e seu corpo despenca no chão como se perdesse o controle das pernas.

Fraco — uma voz feminina diz, mas o som não parece vir de lugar algum. O rapaz mexe a cabeça como se analizasse o lugar e depois pousa os olhos sobre ela. Estavam cobertos de uma camada preta que cobriam desde as orbes ás escleróticas. Sabine estremeceu. — Você — sorri. — Vai pagar caro pelo fez.


CONTINUA

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