XV.


"I''ve seen more spine in jellyfish, I've seen more guts in eleven-year-old kids."

Flashes de imagens e sons atravessavam a mente de Dixie como uma tempestade caótica e desconexa.

A voz de Adam ecoava, raivosa, cada palavra um trovão. "Temos que levá-la daqui!" Em algum lugar mais distante, ouvia a resposta de Hughie, igualmente exaltada, as palavras misturando-se em frases que ela não conseguia juntar. "Eles precisam achar que ela morreu!"

Depois, uma sensação de acolhimento. Ellie, Savannah e Junie surgiram como sombras iluminadas em um espaço claro e tranquilo. Elas a abraçavam, sussurrando palavras que ela não conseguia compreender, enquanto o cheiro de incenso preenchia o ar. Uma oração em latim soava ao fundo, misturando-se com o som de chuva batendo em algum lugar próximo.

Algo frio e metálico se fechava ao redor de Dixie, uma sensação claustrofóbica que apertava seu peito. Escuridão total a engoliu.

E então vozes. Mais vozes. Primeiro abafadas, depois mais claras. Adam, Hughie, Clarence. Eles brigavam novamente, as palavras mais nítidas desta vez. "Mais rápido!" "Eles não podem descobrir!" Algo estava sendo escavado, o som da terra sendo removida ecoava. Dixie sentiu o gosto de terra na boca, a aspereza em seus lábios, e então... tudo apagou outra vez.

Quando abriu os olhos, as pálpebras pesavam como se estivessem cobertas de chumbo. Sua respiração era irregular, cada inalação ardia como fogo em seus pulmões. Mas nada disso se comparava à dor lancinante que irradiava de seu ombro.

Dixie instintivamente levou a mão ao local onde lembrava de ter levado o tiro. Seus dedos encontraram um monte de bandagens bem enroladas, a textura áspera do tecido pressionando sua pele sensível. Alguém havia cuidado dela.

A sala era iluminada pela luz fraca que entrava por uma janela pequena. O cheiro de ervas permeava o ambiente, misturado ao odor levemente úmido de madeira velha. A cabana de Clarence.

Ela ouviu passos, e logo Clarence entrou carregando uma tigela com água morna, suas mãos cuidadosas enquanto molhava um pano na mistura de ervas. Ele murmurava algo baixinho para si mesmo, provavelmente uma oração ou uma música, sem perceber que ela estava acordada.

— Clarence... — A voz dela saiu fraca, quase um sussurro.

Ele se sobressaltou, derrubando a tigela no chão. Água e ervas espalharam-se pelo piso de madeira enquanto ele se apressava para alcançá-la.

— Dixie! — Ele disse, os olhos arregalados enquanto se ajoelhava ao lado dela. — Graças a Deus você está acordada! Como você está se sentindo?

Ela piscou, tentando processar tudo. O corpo ainda parecia pesado, a mente enevoada.

— Confusa... — murmurou. — O que aconteceu?

Clarence suspirou profundamente, pegando sua mão e a apertando com firmeza, como se precisasse dar força a ela para ouvir o que viria a seguir.

— Quando você levou o tiro, Adam entrou em desespero. Ele te carregou até a casa de Hughie. Você estava perdendo muito sangue. Nós nos juntamos para salvar você e decidimos que a única maneira de te proteger era forjar sua morte.

Os olhos de Dixie se arregalaram, e ela tentou se levantar, mas Clarence a segurou com cuidado.

— Espere, calma... deixe-me terminar. Fizemos um velório para você. Toda a cidade compareceu. Suas amigas, Ellie, Savannah e Junie, foram as que mais sofreram. Elas choraram tanto... — A voz de Clarence ficou embargada, mas ele continuou. — Depois que todos foram embora, naquela mesma noite, nós te desenterramos. Adam, Hughie e eu. E desde então estamos cuidando de você aqui.

Ela piscou rapidamente, a informação soando surreal, como algo saído de um pesadelo ou de um filme.

— Quanto tempo... quanto tempo eu estou aqui? — A voz dela tremia, mas precisava saber.

— Uma semana. — Clarence suspirou novamente, passando a mão pela barba grisalha. — Hoje completam sete dias.

Dixie tentou absorver aquilo, mas o turbilhão de emoções era esmagador.

— E a polícia? Eles...

— Hughie tem despistado eles. — Clarence inclinou-se para pegar a tigela caída, endireitando-se com um suspiro cansado. — Mas eles encontraram a cabana onde Adam levava você. Com as provas que tinham, estão ainda mais agressivos em tentar encontrá-lo.

— Onde ele está? — A pergunta escapou dos lábios dela antes que pudesse processar totalmente o que queria saber.

Clarence hesitou por um momento, como se ponderasse se deveria responder. Então ele olhou pela janela, na direção do horizonte.

— Lá fora, no lago. Ele tem estado lá todos os dias. Às vezes por horas.

Dixie seguiu o olhar de Clarence, mas só via a luz fraca do dia e as sombras das árvores ao redor. Seu coração apertou. Adam estava ali por ela. Ainda. E ela precisava saber o que isso significava.

Cada movimento era uma luta contra o próprio corpo. Dixie se levantou da cama, sentindo as pernas trêmulas como se fossem feitas de vidro prestes a estilhaçar. A dor no ombro latejava a cada passo, um lembrete constante do tiro que quase a matou. A respiração saía pesada, cada inalação um esforço, mas ela não parou.

— Você precisa descansar, garota! — Clarence protestou atrás dela, sua voz carregada de preocupação enquanto ela cambaleava até a porta.

— Não. — Ela mal reconheceu a própria voz, rouca e firme. — Eu preciso vê-lo.

Ela abriu a porta, a luz suave da manhã inundando seus olhos e iluminando o cenário ao redor da cabana. O ar estava frio e úmido, cheirando a terra e folhas molhadas. Dixie seguiu em frente, ignorando a insistência de Clarence para que voltasse, cada passo uma pequena vitória contra a dor excruciante que irradiava de seu ombro.

O lago apareceu em seu campo de visão, suas águas escuras refletindo o céu nublado. E então, ela o viu.

Adam estava de costas para ela, a figura alta e inconfundível destacando-se contra a paisagem. Ele vestia uma camisa de flanela xadrez, vermelha e desbotada, por cima de uma regata preta, as mangas dobradas até os cotovelos. As jeans largas estavam molhadas até os joelhos, e suas pesadas botas de combate afundavam no lodo do lago, como se ele não se importasse com o frio ou a sujeira.

Dixie parou, o coração acelerando como se estivesse correndo uma maratona. O mundo parecia desacelerar ao seu redor enquanto ela dava mais alguns passos, aproximando-se dele. Ele não se virou.

Sem pensar, sem dizer uma palavra, ela o abraçou.

Sua mão conectada ao ombro machucado deslizou até o quadril dele, tremendo levemente enquanto sua outra mão subia para pousar no peito dele, por cima do tecido da flanela. O calor do corpo dele era reconfortante, uma âncora contra o turbilhão de emoções que ameaçava engolir sua sanidade.

Adam congelou sob o toque dela, o corpo tenso como se temesse que qualquer movimento pudesse desfazer o momento. Sua respiração era irregular, a voz embargada quando finalmente falou:

— Você acordou...

Ele não se virou. Não parecia capaz de olhar para ela.

— Olhe para mim. — Dixie pediu, a voz suave, mas determinada.

Ela segurou os braços dele, virando-o com cuidado até que finalmente suas orbes gélidas encontraram os olhos cor de outono dela. O contraste era quase doloroso: o azul frio dele, cheio de uma angústia que parecia insuportável, contra o esverdeado quente dela, inundado de algo que parecia tão estranho quanto reconfortante — esperança.

Os cachos de Dixie estavam emaranhados, uma bagunça que emoldurava seu rosto pálido. As sardas em sua pele pareciam mais proeminentes, espalhadas por seu nariz e bochechas. Ela era um desastre ambulante, mas estava ali. Viva.

— Estou aqui. — A voz dela saiu baixa, mas firme. — Eu estou bem.

Por um momento, Adam apenas a encarou, como se tentasse confirmar que era real. Que não era mais um fantasma que sua mente criava para torturá-lo.

E então, sem dizer nada, ele a puxou para um abraço tão apertado que ela sentiu a dor no ombro pulsar ainda mais, mas não se importou. Os braços dele a envolveram com uma força que era tanto protetora quanto possessiva, como se estivesse determinado a nunca deixá-la escapar de novo.

Ele enterrou o rosto nos cabelos dela, o calor de sua respiração tocando sua pele. Dixie fechou os olhos, o cheiro dele — uma mistura de terra, fumaça e algo que era só Adam — preenchendo todos os seus sentidos.

Por um momento, não havia dor, nem medo, nem incerteza. Apenas eles dois, juntos, contra tudo o que o mundo insistia em jogar contra eles.

Dixie manteve os braços ao redor de Adam, o peso dele contra ela tão familiar quanto dolorosamente intenso. Era como abraçar uma tempestade, sabendo que podia destruí-la a qualquer momento. O calor do corpo dele invadia o dela, uma presença esmagadora que a fazia esquecer por um instante do mundo caótico ao seu redor. Mas as perguntas fervilhavam, cada uma mais afiada que a outra, cada uma uma faca prestes a cortá-la de dentro para fora.

Ela se afastou o suficiente para olhar para ele. Os olhos azuis de Adam brilhavam como gelo sob a luz pálida, carregados de algo que ela não conseguia nomear.

— O que vamos fazer agora? — A pergunta saiu baixa, quase como um sussurro, mas a intensidade dela era palpável.

Adam fechou os olhos, como se a pergunta fosse uma faca em sua pele já marcada. Quando os abriu novamente, havia uma profundidade ali, uma mistura de dor e desejo, uma guerra silenciosa travada dentro dele.

— Não sei. — A resposta veio como um murmúrio, mas carregava o peso do mundo.

Ele ergueu as mãos, segurando o rosto dela, os polegares traçando linhas lentas sobre suas maçãs do rosto. O toque era estranho, suave demais para um homem como ele, mas ainda assim, dominador, como se ela fosse dele e ninguém mais tivesse o direito de tocá-la.

— E qualquer resposta que pensei... não parece justa com nenhum de nós.

Dixie franziu a testa, tentando entender onde ele queria chegar, mas ele continuou antes que ela pudesse falar.

— Eu não posso te pedir que desista de tudo por mim. — A voz dele estava rouca, carregada de algo que parecia quase vulnerabilidade. — Seus amigos, o que resta da sua família, sua carreira, sua vida...

Ele fechou os olhos novamente, como se estivesse tentando reprimir algo que ameaçava escapar.

— E eu não cheguei tão longe, não fiz todas as coisas que fiz, para acabar enjaulado para sempre como uma aberração.

Dixie sentiu o peito apertar ao ouvir a palavra. Aberração. Como ele podia se ver assim e, ao mesmo tempo, ser tudo para ela?

— Mas... — Adam abriu os olhos, e a intensidade deles a fez estremecer. — Eu não acho que consiga te deixar ir também, Dixie.

Ela ficou em silêncio, o coração batendo descompassado.

— Você me enxerga. — Ele sussurrou, a voz dele soando tão crua que ela quase sentiu a dor na própria pele. — Realmente me enxerga, de um jeito que ninguém jamais fez.

Dixie prendeu a respiração, a intensidade do momento a consumindo. Mas algo dentro dela a empurrou a perguntar:

— Nem Elizabeth?

O nome pairou entre eles como um fantasma, denso e sufocante. Adam recuou ligeiramente, os olhos azuis escurecendo com algo que parecia uma sombra de arrependimento.

— Nem Elizabeth.

A simplicidade da resposta dela atingiu como uma onda fria, a honestidade cortante e cheia de significados.

— Isso muda tudo. — A voz dele era um murmúrio rouco, mas cada palavra parecia perfurar o espaço ao redor deles. — Isso que a gente tem...

Ele a puxou para mais perto, as mãos firmes em sua cintura, pressionando-a contra ele como se estivesse tentando se fundir a ela.

— ...é perigoso, é perturbador.

Ele inclinou a cabeça, os lábios a milímetros dos dela, a respiração quente contra sua pele.

— Mas, porra, é real.

Dixie sentiu o corpo todo aquecer, um calor que irradiava de dentro para fora, fazendo-a esquecer momentaneamente da dor no ombro.

— Eu realmente não vejo como eu poderia só caminhar para longe disso tudo agora.

Ela o encarou, os olhos dela espelhando uma mistura de confusão, medo e algo muito mais profundo que ela não queria admitir.

— Você quis me matar no momento em que me viu. — Sua voz era provocativa, mas havia verdade ali.

Adam riu, um som baixo e sombrio que reverberou no espaço entre eles.

— É verdade. — Ele admitiu, os lábios curvando-se em um sorriso sombrio que fez um arrepio subir pela espinha dela.

Ele ergueu a mão, traçando o dedo lentamente pelo contorno do pescoço dela.

— Mas isso não quer dizer que eu não tenha desejado outras coisas.

Os olhos dela encontraram os dele, e o silêncio que se seguiu foi ensurdecedor.

— O que você quer, Adam? — A pergunta saiu quase como um desafio, mas também carregada de algo mais.

Ele inclinou a cabeça, os lábios pairando sobre os dela.

— Eu quero tocar você.

As palavras eram um sussurro, mas cheias de promessas que faziam o ar ao redor deles parecer mais pesado.

— Sentir você.

Ele deslizou a mão pela curva de sua cintura, os dedos traçando o tecido fino de sua camisa com uma lentidão torturante.

— Provar você.

Os lábios dele roçaram os dela, mas ele não a beijou, apenas pairou ali, prendendo-a em um limbo de expectativa.

— Reclamar cada centímetro de você como meu.

Dixie mordeu o lábio, a respiração acelerada enquanto ele continuava.

— Quero fazer você gritar o meu nome por desejo, não por dor.

Ela sentiu o coração disparar, cada palavra dele como um toque, um lembrete do que ele podia ser, do que ele queria ser para ela.

— Quero te ouvir me chamar de amor, não de assassino.

Ele finalmente a beijou, o toque feroz e possessivo, como se quisesse marcá-la de um jeito que nada no mundo pudesse apagar.

Quando ele se afastou, os olhos dela estavam marejados, mas ela conseguiu sussurrar:

— Amor?

Adam segurou o rosto dela novamente, os olhos dele queimando com algo que parecia fogo.

— Seu.

Hughie irrompeu pelos terrenos do lago como um furacão, a porta de trás da cabana de Clarence batendo com força contra a parede e fazendo Dixie saltar de susto.

— Ei, já acabou a novela barata? Nós temos problemas!

A voz dele era alta e carregada de sarcasmo, mas havia algo mais — uma tensão subjacente que se traduzia em seus passos apressados e no jeito que ele olhava por cima do ombro, como se esperasse que alguém estivesse logo atrás.

Adam se virou devagar, cada movimento meticulosamente calculado, e o olhar glacial que ele lançou a Hughie poderia ter cortado vidro.

— Por que não vai cuidar da sua vida?

Hughie cruzou os braços, a postura desafiadora e provocativa.

— Que foi, irmão-urso? Quer que eu te enfie a porrada de novo?

Adam deu um passo à frente, cada músculo tenso como se estivesse prestes a explodir.

— Eu gostaria de ver você tentar.

Dixie se colocou entre os dois, as mãos erguidas para separá-los.

CHEGA VOCÊS DOIS! — gritou, a voz tremendo de frustração e exaustão.

Os dois homens congelaram, mas o ar ao redor deles parecia prestes a explodir, uma corda puxada até o limite. Adam desviou o olhar, mas o maxilar travado traía a raiva que borbulhava sob a superfície. Hughie, por outro lado, bufou, mas recuou ligeiramente, o sorriso sarcástico ainda colado no rosto.

Dixie respirou fundo, tentando manter o controle.

— O que aconteceu, Hughie?

Hughie lançou um último olhar provocador a Adam antes de se voltar para Dixie, os ombros relaxando ligeiramente.

— A polícia está perto. — Ele passou a mão pelos cabelos bagunçados, o nervosismo evidente. — Eu os despistei, mandei-os para o lado errado da trilha, mas eles não vão ficar perdidos para sempre.

Ele fez uma pausa, os olhos arregalando ao pousar nela.

— E, caramba, Dixie, você está bem!

Ela deu de ombros, tentando manter a compostura, mas a tensão era palpável.

— Estou... mas talvez não esteja por muito tempo. Quanto tempo a gente ainda tem?

Hughie olhou pela janela, o cenho franzido enquanto avaliava a distância.

— Horas, minutos... talvez.

Foi quando o som das sirenes cortou o ar como uma lâmina, ecoando ao longe.

— Segundos. — Ele murmurou, o tom carregado de urgência.

A voz de Clarence veio de dentro da cabana, forte e firme:

— Venham aqui! Agora!

Os três correram para dentro. Clarence estava em movimento, suas mãos envelhecidas mas ágeis jogando itens dentro de uma bolsa de tecido. Roupas, cobertores, mantimentos, medicamentos, até mesmo a foto dele e de Adam que ficava sobre a lareira. Ele não parecia hesitar em deixar para trás qualquer outra coisa.

— Vocês dois precisam sair daqui. — Clarence disse, sua voz calma, mas firme. — Eu e Hughie vamos segurá-los.

Dixie parou na porta, o pânico evidente em seu rosto.

— Mas... ir para onde?

Clarence nem hesitou.

— Minha cabana de pesca, do outro lado do lago. Fica fora dos limites de Ely. A polícia não irá atrás de vocês lá.

Hughie pegou um pedaço de madeira de um canto da sala, improvisando uma arma enquanto assentia.

— Racionem o que puderem. Em duas semanas, levamos mais mantimentos para vocês.

Adam, parado ao lado da porta, segurava a bolsa com uma mão enquanto a outra segurava o batente com força, os nós dos dedos brancos.

— E se vocês não forem? — A voz dele era grave, carregada de algo que Dixie não conseguia nomear.

Clarence parou, olhando diretamente para ele, a expressão sombria.

— Então, vocês saberão que estão sozinhos.

A resposta pairou entre eles, pesada como chumbo.

Dixie sentiu o peito apertar.

— Como chegaremos lá? — Ela perguntou, a voz tremendo enquanto olhava para os dois homens que estavam dispostos a arriscar tudo por eles.

Clarence apontou para fora, na direção do lago.

— Meu barco está no deck lá fora. Tem combustível suficiente para chegar na cabana de pesca.

Ele olhou para Adam, a confiança em suas palavras inabalável.

— Adam sabe o caminho.

Dixie olhou para Adam, buscando algo nos olhos dele — talvez certeza, talvez um plano. Ele apenas assentiu, o rosto sério, e se virou para pegar a bolsa.

O som dos cães latindo ecoava mais perto agora, seguido pelas vozes dos policiais. Cada som era um lembrete de que o tempo estava acabando.

— Andem logo! — Hughie gritou, a madeira na mão levantada como se estivesse pronto para enfrentar o mundo.

Jogando o enorme saco de tecido nos ombros, Adam pegou a mão de Dixie e puxou-a para a porta. Ela lançou um último olhar para Clarence e Hughie antes de sair correndo ao lado de Adam, o coração disparado enquanto os sons da perseguição ecoavam atrás deles.

O barco avançava pelo lago, cortando a superfície escura como uma lâmina. A luz forte da tarde brilhava no horizonte, refletindo no espelho d'água e criando um contraste quase cegante contra as sombras das árvores que margeavam o lugar. Dixie estava sentada na proa, o vento bagunçando seus cachos e trazendo consigo o cheiro fresco e levemente metálico do lago. Cada respiração parecia pesar mais em seu peito, o calor do sol queimando sua pele como um lembrete de que estavam longe de qualquer segurança real.

Adam estava na parte traseira, abaixado ao lado do motor, ajustando com precisão mecânica os controles e verificando os mantimentos que haviam trazido. Ele não falava muito, mas cada movimento dele era carregado de uma energia contida, como se estivesse pronto para qualquer coisa.

Quando ele abriu a caixa de papelão com furinhos na tampa, colocou-a no colo dela sem dizer nada, os dedos dele roçando nos dela brevemente, deixando uma sensação estranha, quase elétrica.

— Ele passou o tempo todo do seu lado. Sentiu sua falta. — Adam disse, o tom firme, mas algo na voz dele parecia mais suave do que o normal.

Dixie olhou para ele, desconfiada, antes de abrir a tampa. Pequenos olhinhos negros a encararam de dentro da caixa, e um chiado baixo preencheu o ar. Elliot, o rato, moveu-se desajeitadamente, as patinhas pequenas se aninhando na palma da mão dela enquanto o trazia para perto do rosto.

— Ei, pequeno — murmurou, um sorriso fraco surgindo apesar de tudo. — Sentiu minha falta também, hein?

Ela acariciou suavemente a cabeça do rato enquanto ele chiava e se aconchegava mais perto. O momento era quase surreal, uma calmaria estranha em meio ao caos.

Adam a observava em silêncio, o rosto sério, mas os olhos azuis suavizados por algo que ela não conseguia identificar.

— Você leva jeito com feras.

Dixie abriu a boca para responder, mas o som de tiros ecoou da floresta. Ela engoliu as palavras, o coração disparando enquanto os dois se viravam instintivamente para o som. Adam ficou tenso, os músculos enrijecendo enquanto seus olhos varriam a margem distante.

— Acha que eles estão bem? — Dixie perguntou, segurando Elliot com mais força contra o peito, como se o pequeno animal pudesse protegê-la de algo.

Adam demorou um momento antes de responder, a mandíbula travada.

— Precisamos estar preparados para o pior.

A resposta direta fez o estômago dela se revirar. Ela olhou para ele, sentindo um nó se formar em sua garganta.

— Não quero que Hughie morra por minha causa.

Adam virou a cabeça para ela, os olhos frios como lâminas.

— Vinte e cinco pessoas morreram por sua causa, Dixie.

A frase cortou como uma faca, mais afiada do que qualquer insulto que ele já havia lançado. Dixie desviou o olhar, mas as palavras ficaram ecoando em sua mente. Os dezenove... depois os cinco policiais e o detetive. Todos porque ela o amarrou na árvore, apertando os nós até que ele não pudesse escapar, chamando-o de verme. Porque ela havia sussurrado, com a voz trêmula, que vermes mereciam morrer.

A raiva subiu em seu peito como uma onda, e ela o ignorou por longos minutos, focando no movimento do barco enquanto o vento trazia o barulho da água espirrando.

— É fácil culpar o monstro. — A voz dele finalmente quebrou o silêncio, baixa, mas carregada de uma amargura cortante.

Ela virou o rosto para ele, os olhos de outono brilhando de raiva.

— Bom, eu não torturei ninguém.

Adam soltou uma risada seca, um som que não tinha nada de humor.

— Só a mim.

Ela ficou em silêncio, mas sua respiração se acelerava. Ele continuou, a voz grave como o trovão:

— Se vai ficar me culpando pra sempre, por que não me deixou morrer?

Ela o encarou, o vento frio agora parecendo uma faca em sua pele quente.

— Porque sou um imbecil.

A frase pairou no ar, e antes que ela pudesse dizer algo, ele acrescentou:

— E completamente apaixonado por você.

O mundo parou. Por um instante, até o som do motor parecia distante, abafado, como se só existissem os dois. Dixie prendeu a respiração, os olhos ligeiramente arregalados enquanto as palavras dele ecoavam em sua mente. Adam não desviou o olhar, seus olhos de gelo firmes, mas vulneráveis.

Durante longos segundos, apenas o som do motor os acompanhou, e o coração dela disparou com uma mistura de choque, confusão e algo mais profundo.

O barco desacelerou gradualmente, até que o motor roncou uma última vez e parou por completo. O silêncio que se seguiu foi quase ensurdecedor, interrompido apenas pelo som da água lambendo a lateral da embarcação e o sussurrar das árvores ao vento. Dixie olhou ao redor, seus olhos varrendo a margem. Não havia nada além de floresta densa, como se o lugar tivesse sido arrancado de um tempo antes do homem.

Árvores imensas se erguiam como sentinelas, seus troncos cobertos de musgo verde-escuro. Pedras lisas e úmidas pontilhavam a costa, moldadas pelo tempo e pela água que corria ao redor delas. O rio continuava a se estender, crescendo em largura e profundidade até desaparecer no horizonte, onde encontrava as montanhas, majestosamente cobertas por uma névoa etérea.

Dixie respirou fundo, o ar fresco, mas carregado de umidade, encheu seus pulmões. Não havia vestígios de presença humana, nenhum ruído de vida moderna. Apenas o som da natureza, tão viva e intensa que era quase avassaladora.

Adam saltou do barco, seus passos pesados esmagando a vegetação rasteira da margem. Ele amarrava a corda do barco em um tronco grosso com a mesma precisão prática que fazia tudo. Quando Dixie finalmente desceu, sentiu os galhos e folhas secas sob os sapatos, cada passo um lembrete de quão isolados estavam agora.

Ela seguiu Adam, que caminhava em direção a uma pequena construção escondida pela linha das árvores. A cabana era diminuta, quase insignificante em meio à vastidão selvagem que a cercava. A madeira estava desgastada pelo tempo, com partes descascadas revelando o tom cinzento abaixo da pintura original.

Ao entrar, Dixie parou no limiar da porta, deixando os olhos percorrerem o espaço. A cabana era pequena, apenas um único cômodo com um banheiro separado por uma porta. A cozinha, a sala e a cama compartilhavam o mesmo espaço apertado, como uma casa de bonecas.

Havia uma estante com livros, muitos deles velhos e gastos, com lombadas desbotadas. Um armário ao lado guardava pratos de cerâmica simples, todos com bordas desgastadas. Outro armário, no canto, parecia guardar roupas, mas estava entreaberto, revelando mais do que cabia. Equipamentos de pesca estavam por toda parte: varas, anzóis, redes, e até um par de botas de borracha apoiadas ao lado da porta.

Uma bancada de madeira com apenas dois lugares servia de mesa de jantar improvisada. O fogão a lenha dominava a pequena cozinha, sua chaminé subindo pela parede e desaparecendo no telhado. Não havia geladeira, nem qualquer vestígio de eletricidade.

Dixie correu os olhos pelo ambiente, a ausência de modernidade se tornando cada vez mais evidente. Não havia sinais de telefone, nenhuma tomada ou fio que sugerisse uma conexão ao mundo exterior. O isolamento era absoluto, sufocante.

— Sem energia. — Ela murmurou para si mesma, seus olhos vagando para a janela suja e o matagal além.

— Sem sinal. — Adam completou, observando-a enquanto ela processava tudo.

Adam largou a bolsa de mantimentos sobre a bancada e olhou para ela, os olhos azuis brilhando mesmo na penumbra.

— É simples, mas é seguro. — Sua voz cortou o silêncio, grave e firme, como se estivesse tentando assegurar algo para ambos.

Dixie assentiu, cruzando os braços enquanto observava o lugar novamente.

— Estamos completamente fora do mapa, não é?

Adam soltou uma risada baixa, mas sem humor.

— Exatamente onde precisamos estar.

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