26.1:[Não Devias Estar Em Casa?]

[02/03/2019- Sábado]

ARIEL MURPHY

"Ariel, amor, coração, paixão, rubi, ruivo, ruivinho, e-"

"Detergente e sabão em pó, não se esqueça." Max completou a fala do Tera, que me abraçava por trás em cima da sua cama.

"Não quero ir!"

Eles tentavam-me convencer a ir a uma festa que passava anualmente em Anoía, contudo eu queria ficar em casa enrolado nas mentes, com a minha caneca branca cheia de cappuccino, com o óscar ao meu lado e a ver Grey's Atanomy até às quatro da manhã.

"Você nunca quer ir!" Max resmungou.

"Eu não gosto de festas. Só bebedeiras, casais quase a ter relações sexuais em cada canto, música horrível a estourar os meus tímpanos, para não falar que provavelmente a tua piranha está lá."

"A Camoren não é mi-- nem vale a pena estar sempre a bater na mesma tecla." Suspirou.

"Sabe um sítio onde a piranha do Tera de certeza não está?" Max pousou a cabeça nas minhas pernas, os seus olhos azuis penetrantes nos meus.

"Onde?"

"Moon Bar."

Moon Bar, o bar LGBT mais conhecido na cidade. Já tinha ido algumas vezes e sempre me diverti, mesmo sem par. Era um lugar bem espaçoso, privado, caro, mas onde vale a pena pagar um bom dinheiro nas entradas.

Assim, eu já vou.

"Tera, a escolha é tua." Olhei para os seus olhos e pedi, silenciosamente, para que ele cedesse.

"Sais de casa se formos ao Moon Bar, não é?"

"Sim."

"Então, 'bora."

🌑🌒🌓🌔🌕🌖🌗🌘🌑

Não demorou nem 1 hora, para que nós tivéssemos prontos para sair da porta principal de casa.

Tera estava vestido- como sempre- com uma camisa social branca tingida com folhas vermelhas e azuis e acompanho por umas calças pretas que tapavam quase todo o inferior do abdómen. Max,por sua vez, estava trajando com a sua roupa habitual: sweater e calças da adidas. Uma sweater azul claro contrastante ao negro das calças. Eu estava trajado por uma t-shirt branca com o símbolo ꭥ (ómega no alfabeto grego). Por baixo, calças justas rasgadas no joelho.

Quantas vezes o Tera já me apalpou graças a estas calças...

A viagem até ao bar não demorou mais do que vinte minutos. Fomos recebidos por uma fila pequena e por bandeiras coloridas. Entrei de mãos juntas com as do Tera e o Max na frente, já cumprimentando metade da população que estava dentro das 4 paredes brancas.

"Em junho, o bar está cheio." Gritei para o Tera ouvisse.

"Porquê?"

"Este ano, junho foi nomeado Pride Month."

"Faço anos nesse mês."

Ainda com as mãos juntas às minhas, procurou um lugar onde se podia sentar, ao pé da bancada das bebidas, longe do palco onde os dançarinos seminus e musculosos se expunham lentamente.

Estavam tapados apenas por uma cueca vermelha e azul e, na sua cabeça, o capacete dos bombeiros. O símbolo? Um dildo a pegar fogo.

"Ariel."

Mordi o lábio ao imaginar o Tera a dançar da mesma maneira atrevida ao som de Anitta e Ludmilla. Um riso fraco saiu da minha boca ao imaginá-lo apenas de cuecas, a elevar-se no ferro enorme e a passar as mãos no seu abdómen um pouco barrigudo.

"Ariel!" Alguém me chama enquanto toca no meu ombro.

Um rapaz estava no meu lado. Um pouco mais alto do que eu, com o cabelo mais encaracolado e negro que o meu, porém com a mesma cor azulada dos seus olhos.

Benjamin Elio, o meu melhor amigo do sétimo ano.

"Benjamin?!" Saio da cadeira e abraço-o com força.

"Onde você teve, bixa?" Beijou a minha bochechas repetidas vezes e saltitou na mesma quantidade. Acompanhei-o, enquanto espremia o seu corpo contra o meu.

"Não fui eu que mudei de país sem dizer nada!"

Tantas noites que eu chorei graças à saudade que sentia dele. Saiu do país sem me avisar e eu só soube através de uma carta escrita a rosa. Tive raiva dele? Claro. Mas nunca poderia guardar rancor eternamente da única pessoa em quem confiei nos momentos mais difíceis.

"Foi mal."

"Olha para ti, minha Lua! Estás mais lindo que eu!"

"Sempre fui mais lindo que você." Atirou o seu cabelo invisual para trás e mandou um beijo com os seus lábios pintados com um batom negro. "E quem é o garoto aí do seu lado?"

Presumi que ele falava do Tera, pois o Max já estava perdido entre amigos e antigos namoros. Tera estava com uma imperial na boca, com o olhar sumiço nas outras bebidas que, possivelmente iria beber ainda esta noite.

"O meu namorado."

Benjamin, antes de falar algo, puxa-me para longe dele. "Ele sabe?"

"Sabe o quê?"

"A situação com o seu pai?"

"E-Ele foi preso há alguns meses."

"Minha Lua, finalmente." Ele abraça-me de novo e balança-nos ao ritmo da música. "Finalmente, você está livre das mãos daquele monstro. Se fosse no Rio, seu pai estava morto assim que entrasse na prisão." Separou-nos. "Presumo que esteja feliz?"

"Claro. Tenho namorado e todos parecem gostar de nós."

"Vocês assumiram?!"

"Sim."

Bateu as palmas e fez uma vénia. "É preciso ter coragem. Cada vez tenho mais respeito por você, príncipe da Lua."

Ah, príncipe da Lua...

Tanta falta que eu tive de ouvir alguém me chamar príncipe da Lua.

"E como vai os namoros?"

"Só ficante."

"Está cá?"

"Sim. Foi só fumar." Ele olha para trás de mim e sorriu atrevido. "Seu namorado vem aí."

Olho também.

"Amor, apresento-te Benjamin Elio. Benjamin este é o meu namorado, Tera." Ele beija a minha boca com gosto, abraçando-me por trás. O sabor da cerveja não conseguia substituir o sabor natural da laranja, notei. Tera estende a mão na direção de Benjamin, que logo a apertou.

"Prazer conhecê-lo, gato!"

"Benjamin!"

"Não faz mal, é bom saber que alguém me acha bom!" Rosna para mim entre risos. "O Max? Ele disse-me que queria sangria."

"Eu também quero." Biquei os meus lábios. "Queres alguma coisa, Benjamin?"

"Eu não bebo."

🌑🌒🌓🌔🌕🌖🌗🌘🌑

"E você é de que parte do Brasil?" Benjamin pergunta interessado.

"Porto Alegre. E você?"

"Rio de Janeiro, mas irei me mudar permanentemente para Chicago, amanhã." Espera, o quê? "Estou aqui de férias."

"Não. Agora que descubro que estás cá, vais te embora?"

"Não chora, amor. Falamos por mensagem. Você consegue viver sem mim por mais alguns anos. E depois quando você tiver dinheiro, me visita. A porta estará aberta para você!"

Um rapaz, tão alto quanto o Max e tão forte quando o Tera, interrompe a nossa conversa, entrando no nosso espaço pessoal com um sorriso. "Onde estiveste, Benjamin?" Sotaque francês. "Andei à tua procura pelo bar inteiro."

"Desculpe, Thomas. Encontrei um amigo meu e tivemos a por a conversa em dia."

"Boa noite."

"Boa noite. Vamos, amor?"

"Sim."

Benjamin abraçou-me mais uma vez com fervor e beijou cada pedaço do meu rosto, excluindo os lábios, claro. Beijei-o da mesma forma, enquanto o apertava mais e mais. "Vê se me escreve, príncipe."

"Eu escrevo." Sussurro no seu ouvido, e deixo-o separar-se de mim.

Benjamin distanciou-se de nós aos saltos, contente por ir, enquanto o seu namorado continuava a olhar para cá, ao passo que o seguia lentamente.

Tinha o olhar fixo no Tera, assim como o Tera tinha o olhar fixo nele.

"Tera." Max chama-o, quebrando o clima gélido que se formara.

"Hm?"

"Conhece ele?"

"Não, mas tenho um mau pressentimento sobre ele."

🌑🌒🌓🌔🌕🌖🌗🌘🌑

Depois de o Benjamin sair, pareceu que ele tinha drenado toda a felicidade e adrenalina do bar. Pelo menos, era o que sentia. Estava encostado na parede, sentado na cadeira já havia meia hora. Aborrecido e frio demais para ir dançar com o Tera e o Max.

Que saudades que tenho das minhas mantas...

Queria sentir o calor das mantas quentes e felpudas da sala. Queria sentir o cappuccino aquecer o meu corpo por dentro. Queria ver doutores e sangue na televisão.

Vamos para casa.

"Tera." Chamo-o, assim que ele passa por mim com o copo vazio, pronto para levar mais uma dose da bebida. Não me ouviu. "Tera, Tera!"

"Diz, Rubi?" O seu olhar estava feroz, a cara quente e os seus braços em volta da minha cintura. Ele estava com desejo. "Passa-se alguma coisa?"

"Vou para casa."

"Porquê?" E o desejo desvaneceu-de.

"Estou farto de estar aqui." Beijo os seus lábios rapidamente.

"Queres que te leve?"

"Não, fica aqui com o Max. Divirtam-se mais um pouco."

Afasto-me dos seus braços, sentido com os meus dedos o suor que saia dos poros dos seus braços. Ele estava a ferver. Tento seguir as linhas das suas veias, mas falho pela rapidez. As nossas pontas dos dedos logo se encontraram e descolaram-se depois de átimos de segundos- embora terem parecido milhares de anos de choques elétricos benéficos e calmantes-.

"Xa--"

Antes de lhe conseguir virar as costas, ele pega-me pela cintura e puxa-a para perto da sua. Beijou o meu pescoço com vontade e mordeu-o de leve. "Tem cuidado, okay?" Sussurrou na minha orelha e selou os meus lábios com carinho.

"Okay." Prometo.

Saí do bar com o rosto cansado e ansioso para chegar a casa. Percorro as ruas desertas e com pouca luminosidade em silêncio, tentando ser o mais rápido para chegar a casa. Porque razão eu não trouxe um casaco? Procuro algum tipo de calor nos meus auriculares ao pô-los nas orelhas e ligar a música calma de Billie Eilish.

🌑🌒🌓🌔🌕🌖🌗🌘🌑

No meio da terceira música, algo mexeu com o meu instinto. Algo o provocou. Olhava para trás constantemente, com receio. Receio que fazia o meu coração querer sair do meu peito e fugir para a Lua. Receio que criava um ardor agoniante no meu prisma. Receio que obrigava a gravidade sair de mim, forçando-me a correr, com as pernas bambas, à procura dela.

Os passos começaram a se ouvir, no mesmo instante em que eu tirei os auriculares.

Alguém está atrás de mim.

Comecei a roer as unhas; a suar frio; a sentir o sangue sair de mim. A minha mente ficou vazia e branca. Agia por instinto, mas ele estava inexistente de igual forma.

Ok, Ariel, calma. Estás sozinho na rua escura e desabitada. Ouves passos atrás de ti. Não fiques tenso. Provavelmente é só um gato vadio.

Sim, era um gato. É um gato de certeza.

O choro queria vir sem parar, porém sabia que, se o libertasse, não pararia de soluçar e ficaria petrificado na rua deserta e escura, sozinho e à mercê de tudo. Não era um gato, não era um gato de certeza.

Peguei no telemóvel e, com as mãos trémulas, procurei o contacto do Tera. Ele não estava muito longe do bar. Ele vinha me buscar e eu estaria a salvo de tudo nos seus braços, no seu colo, na sua cama, na sua casa.

"Se fosse a ti não ligava ao teu Supremo, pirralho." Uma voz soa atrás de mim e me estagna no mesmo instante.

Esta voz...

Não é possível.

Não pode!

Lua, não pode!

"O que estás a fazer nestas ruas, filho?" Ele devia estar preso. Ele devia estar preso. Ele devia estar preso. "Não devias estar em casa?"

[Continua]

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