Capítulo 4


BENÍCIO

Levo Dimitri e Andrei até o carro onde o motorista vai levá-los até o hotel para que descansem antes da reunião no fim da tarde, o almoço foi bem proveitoso e senti que eles estão bem dispostos a fechar negócio com a empresa o que me deixou bastante animado. O manobrista trás o meu carro e eu agradeço quando ele me entrega as chaves, abro a porta do carona e faço um sinal para que a Lívia entre e ela o faz sem olhar em minha direção e eu suspiro enquanto fecho a porta. Dou a volta no carro e sento no meu lugar e logo o carro está em movimento, a empresa não fica longe do restaurante, mas nesse horário o trânsito está lento o que faz o trajeto ser mais demorado que o normal; estávamos no mais absoluto silêncio e eu completamente mergulhado nos meus próprios pensamentos, até que a voz da Lívia preenche o ambiente.

– Você pode me dizer o que eu fiz de errado afinal?

– O que? Do que você está falando? Não fez nada de errado.

– Você está estranho comigo e durante o almoço me olhou como se estivesse com raiva, eu fiquei pensando que fiz algo de errado.

Merda! Eu não queria dar essa impressão, a verdade é que eu estava morrendo de ciúmes com a aproximação dela e do Dimitri, ele parece realmente encantado com a Lívia, mas afinal de contas quem não ficaria? A simpatia, o sorriso e toda a beleza são um atrativo irresistível, é impossível não se encantar por ela e o Dimitri não perdeu tempo nas investidas. Então sim, eu estava me corroendo de ciúmes, um ciúmes que não me pertence nem é o meu direito, mas isso não impediu a sensação de correr pelo meu sistema me deixando irritado e tudo piorou com o fato deles estarem se comunicando em uma língua que eu não entendo e o russo parecia hipnotizado com cada palavra que saia da boca dela.

– Você não fez nada de errado, pelo contrário você foi perfeita.

– Eu não entendo o que aconteceu... – ela fala e eu a encaro quando o carro a minha frente para.

– Eu que não estava no meu melhor momento, tudo que vem acontecendo não está me fazendo bem. Vou reiterar que você foi perfeita, o Andrei elogiou bastante o modo como você foi anfitriã deles no aeroporto, meu mau humor não tem nada a ver com você. – conto a ela uma meia verdade.

Claro que noventa por cento do meu mau humor hoje tem a ver com ela mesmo que indiretamente,mas eu não posso simplesmente dizer " eu estou puto, pois estou com ciúmes de você, eu queria socar a cara daquele russo cada vez que ele sorria em sua direção".

Olhando para ela parece que aceitou o que eu disse, a expressão de preocupação abandona seu rosto e eu acho isso bom, a Lívia não tem que lidar com a confusão de sentimentos em que me encontro, os carros à minha frente voltam a se movimentar e uso a desculpa de precisar me concentrar no trânsito para encerrar a conversa, a verdade é que se continuássemos nesse assunto eu poderia soltar alguma coisa que entregasse tudo que venho tentando reprimir nos últimos tempos.

Chegamos na empresa e ela vai direto para sua mesa enquanto eu vou ao encontro do meu pai, nossa relação anda bem estranha desde o dia que o Bento saiu da empresa, faz uma semana do ocorrido e ainda não consigo acreditar nas coisas que aconteceram.

Em um minuto estávamos sentados escutando o sermão costumeiro do meu pai e no instante seguinte o Bento já estava se levantando e saindo da sala eu permaneci no meu lugar estático apenas encarando a porta se fechando atrás dele.

– Que merda acabou de acontecer aqui? Benício o que deu no seu irmão? – meu pai perguntou ao berros

– E você pergunta pra mim? Graças a você e a todo esse circo em que vivemos, eu não sei nada sobre o que se passa na cabeça do Bento. – alfinetei, acho que o choque me deixou mais corajoso. Meu pai não respondeu, apenas me olhou com desgosto e saiu da sala.

E desde então ele anda mais frio que o normal. Só aparece para latir ordens para todos os lados e se certificar que tudo vai ocorrer exatamente da forma que ele deseja. Acho que ele ainda está esperando que o Bento volte com o rabinho entre as pernas e se desculpe pela insubordinação, mas lá no fundo eu acho que isso não vai acontecer. O Bento não é alguém que muda de ideia rápido e acho que deve haver um motivo forte para ele fazer o que fez, mas no fim tudo que eu tenho são só suposições, a Beatriz tentou entrar em contato com ele, mas o número de telefone dele foi cancelado e a casa, que antes era nossa casa de infância, mas que agora só pertence a Bento, está fechada e minha irmã não conseguiu apurar nem com os empregados o destino do meu irmão.

A única notícia que tive dele foi um e-mail, falando que ele deseja que a Lívia seja realocada dentro da empresa sem redução de seu salário e com todos os benefícios garantidos, como se eu fosse mesmo capaz de demitir e Lívia, não que o Bento saiba disso. Mas depois desse e-mail o meu irmão realmente sumiu do mapa, tenho a forte suspeita que vovó sabe o paradeiro dele, mas ela não iria me revelar isso nem sobre tortura, dona Matilde é totalmente fiel a família e protege a nos três com tudo que tem dentro de si.

– Seu pai já está esperando por você Benício. – Nora a secretária dele me avisa e eu entro na sua sala depois de bater na porta duas vezes.

– Então como foi o almoço? – ele questiona antes mesmo que eu possa me sentar.

– Ocorreu tudo bem os Pushkin parecem bem dispostos a fechar a parceria, o Andrei está bem informado sobre a empresa e nossos produtos. O almoço foi bem agradável.

– Ótimo, pelo menos no quesito competência você não me deixa envergonhado. – ele fala sem levantar os olhos dos papéis que estava analisando.

– O que o senhor quer dizer com isso? Em qual quesito eu deixo o senhor envergonhado?

– Na aparência, o que mais seria desde a adolescência eu tenho vergonha do quão gordo você ficou.

– Eu não acredito que o senhor está falando isso.

– Por que não? É a mais pura verdade, o Bento que era a verdadeira cara dessa empresa. Você se esforça e é um ótimo profissional, mas não tem o porte necessário para ser o rosto da Monteglass, aliás nem você nem a Beatriz que é outra gorda, não sei como ela quer ser uma médica daquele jeito.

– Não fale assim da Beatriz – eu me irrito, a minha irmã foi a que mais sofreu com o que passamos e o que ele fez a separou de nós e a mandou morar com a vovó – é o que você quer dizer com o Bento ser a verdadeira cara da empresa?

– O Bento sempre foi minha escolha para ocupar o meu lugar, não só por ele ser o mais velho, mas porque ele é atlético e magro, bem diferente da imagem que você apresenta.

– Então qual foi o motivo de tudo isso? Dividir a empresa, dar filiais diferentes pra nós dois, colocarmos em uma competição? Que tipo de jogo doentio você estava fazendo com nós dois todo esse tempo?

Acabo me exaltando e dando um soco na mesa fazendo com que finalmente ele levante os olhos e me encare, eu sempre soube que meu pai tinha se tornado um grande babaca e que manter a aparência e os status eram o principal em sua vida. Mas isso que ele está me falando agora é um absurdo.

– Eu sabia que vocês dois queriam a presidência, então porque não usar isso ao meu favor? tem noção de como lucramos desde que vocês dois começaram a trabalhar aqui na administração.

– É claro que eu sei dos lucros, o que eu não entendo é por que me dar esperanças de algo que você não estava disposta a fazer?

– Assim eu mantinha você motivado, eu sempre vi em você muita determinação Benício, você tem sim o que é necessário para ser um bom líder e o Bento tem exatamente as mesmas características o seu seu único defeito é a sua aparência e isso fazia com que o Bento estivesse sempre um passo a frente de você.

– um absurdo,depois de tudo que eu fiz, que eu faço por você por essa empresa.

– você está assim abalado por escutar a verdade? Você era uma criança normal e aí na adolescência foi como se você tivesse perdido o controle e ficou do tamanho de um elefante.

– Você sabe muito bem que eu tive depressão e que por isso meu peso subiu.. – falo com a voz abalada, esse é um assunto que me machuca muito.

Depois que perdemos a mamãe e eu passei por uma fase muito sombria na minha vida, quando a adolescência chegou eu era um garoto tímido e retraído, sofria bullying na escola, o Bento vivia me defendendo, mas a pressão de tudo foi demais para mim e com isso eu acabei desenvolvendo um quadro de depressão grave chegando ao ponto que pensei em tirar a minha própria vida. Foi uma época sombria e só com muita terapia eu consegui superar, porém eu engordei muito nessa época e cheguei ao ponto de pesar cento e vinte quilos quando eu tinha apenas quinze anos, eu é o Bento temos a genética do nosso pai então sempre fui alto, mas nem isso impediu que o meu sobrepeso ficasse bastante evidente na época.

– você era um bebê chorão que não conseguia superar a morte da mamãe, achei ótimo quando você parou com a frescura de estar deprimido e resolveu agir como homem.

– Eu deveria fazer a mesma coisa que o Bento e sair dessa empresa e nunca mais botar os pés aqui dentro.

– Você não seria capaz... – ele fala, percebo que se incomodou com o que eu disse e sinceramente estou começando a pensar que meu irmão fez a melhor escolha da sua vida quando resolveu deixar essa vida para trás.

– Eu seria sim, ainda mais depois de saber que você não pretende dar a promoção que eu mereço por causa de uma coisa tão fútil como a aparência que eu tenho.

– Mas você teria coragem de deixar sua irmã para trás? Você sabe bem que a Beatriz não é assim tão forte, eu facilmente tiraria ela da faculdade de medicina e a colocaria para trabalhar na empresa. Você iria mesmo sacrificar a felicidade da sua irmã? –ele questiona e isso me faz calar, e eu faria de tudo por minha irmã e sei que ela com seu coração imenso não abandonaria meu pai e faria tudo que ele pedisse. Ele percebe que atingiu seu alvo e então me dispensa com um gesto de mão.

Eu saio da sala batendo a porta e depois me tranco no meu escritório e só saio de lá na hora da reunião com os Russos.

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