CAPÍTULO 23
Tem alguém batendo no portão. Deve ser a Débora, ela me mandou um zap avisando que estava vindo passar a manhã de sábado comigo. Só para fazer vários nadas.
— Bom dia, gatinha...
— Oi, nossa! Você cortou uma franjinha, ficou lindo!
— Ah, valeu! — Ela tentou olhar para a própria testa e soprou os cabelinhos para saírem do seu olho.
— Entra, Débora.
Abri mais a porta e ela passou.
— Ué, porque você tá mancando? Machucou na academia?
— Ai, não sei... Mas acho que sim...
— Você está usando blush?
— Blush? — Pego minhas bochechas. — Não tô não...
— Vai ver no espelho, Hessi…
Chegamos na cozinha. Débora sentou e eu fui mancando rápido até o banheiro para ver o que aconteceu com meu rosto.
— Que esquisito… — murmurei, com as mãos nas bochechas, em frente ao espelho. As duas e também a ponta do meu nariz, estão super coradas, como se eu tivesse pesado a mão no blush rosa. Volto para a cozinha ainda massageando o rosto, pensativa.
— Deve ser um sinal de que eu tô ficando saudável, né?
— Só se for, miga… Então quer dizer que você está toda fitness...
— Estou tentando, mas não é fácil... Sonho com pizza de bacon quase toda noite.
A Débora soltou uma gargalhada.
— E o seu personal?
— O que tem ele?
— É gato? Sarado?
— Sarado ele é, mas, sei lá. É bonito.
— Você tentou A Técnica?
— Eu não, você disse que não podia.
— Isso mesmo, tá aprendendo direitinho!
Logo toda aquela cena do Mateus me vem na cabeça, e eu sou aquele tipo de pessoa que demonstra tudo o que tem na mente. É muito fácil saber o que eu tô pensando porque eu não sei disfarçar. Se esse assunto da Técnica continuar, a Débora vai descobrir rapidinho que eu quebrei o juramento.
Quando descobri que o Mateus trabalha junto com a mamãe, fiquei louca para contar logo para a Débora. Mas agora que tudo isso aconteceu eu não vou saber falar sobre ele e fingir que o que aconteceu nunca aconteceu. É melhor não contar nada.
Isso não é aquela frase, "o que os olhos não veem o coração não sente"? Então é melhor ela não saber, pelo menos por enquanto.
— Pois é… — Tentei sorrir, mas ficou muito forçado. — Tô mesmo, mas... e aí, as provas estão chegando… Já começou a estudar?
Mudar de assunto sempre é a melhor opção. E parece que funcionou, a Débora nem desconfia.
— Ainda não, e você? Já falou para a sua mãe da facul?
— Ainda não para as duas perguntas… — Sento na cadeira do outro lado da mesa com cuidado, pois meu joelho dói sempre que mudo de posição. Devem ter sido os agachamentos.
— E se você falar para sua mãe que não quer tentar Direito, mas mostrar outra alternativa a ela? Já pensou nisso?
Suspirei até murchar minha postura.
— Sendo sincera, Débora? Eu ainda me sinto uma adolescente criançona de treze anos, mesmo sendo maior de idade. Eu não me vejo como a minha mãe e a minha avó me veem, sabe? Elas já projetaram a minha vida para os próximos cinco anos pelo menos, e eu nunca questionei um A. Admiro demais as duas porque elas são mulheres super independentes e fortes. Se quer saber, eu não me imagino morando sozinha em Goiânia, fazendo faculdade e trabalhando, estagiando e etc., etc… Não me imagino tirando uma carteira e muito menos dirigindo! Isso parece tão adulto e tão distante de mim, da minha realidade, sei lá… Mas aí eu também fico pensando que estou perdendo tempo, que sou preguiçosa e medrosa. Olha pra dona Síl, mãe solteira que soou muito para me criar; minha avó, que estudou para caramba, casada e com dois filhos, ainda naquela época de mil novecentos e bolinhas…, daí eu entro no Facebook e vejo o pessoal da turma que eu bombei. A maioria está praticamente no terceiro período de faculdade, ou trabalhando, ou abrindo um negócio, ou fazendo sei lá, casando, parindo… Eu ainda estou aqui, com medo de sair debaixo das asas da mamãe e da vovó, ainda no ensino médio e sem ter responsabilidade nem para terminar um trabalho dentro do prazo, sem saber o que vai ser da minha vida e muito menos do que eu gosto. Ufa! Respirei! Foi mal, amiga. Deve ser a crise de abstinência por doce falando mais alto.
— Isso não é o fim do mundo, Hessi. Você só tem que ter paciência e esforço para se conhecer melhor. E se a vida que a sua mãe e sua avó querem não é o que você quer por enquanto, junta coragem, ensaia um discurso e conta para elas!
— Eu seria bem louca se contrariasse a dona Carmem. Nem o vovô, que Deus o guarde, ia contra a vontade dela...
— Você também se sente assim por causa dessa sua autoestima maltratada, lembra? Se levasse A Técnica mais a sério, ia ver só a diferença.
Solto um sorrisinho amarelo, sem saber disfarçar, claro, quando ela volta a falar da Técnica.
— Já que você falou nisso… Aquele negócio do HIV...
— IV.
— É, IV… — Não dá para olhar na cara dela, então começo a mexer no caminho de mesa de crochê. — Dá muito trabalho para aumentar? — perguntei como quem não quer nada.
— Claro que não, Hessi! — Ela ficou tão empolgada que até largou o celular para prestar mais atenção em mim. — Você só precisa ser mais vaidosa!
— Vaidade com certeza não é minha área. Eu não sei fazer maquiagem, muito menos andar de salto. Pago calcinha toda vez que minha mãe me obriga a usar vestido ou saia!
— Ok, sem vestidos e saias. Porém, evidenciar o corpo é a maneira mais rápida de aumentar o nível de IV. Topa um decote?
— De peito eu só tenho o bico. — Me apalpei e a Débora riu.
— Tá, só nos resta o seu rosto. E você vai ter que botar suas calças skinny pra jogo, viu?
— Então… Meu IV vai aumentar para quanto se eu me produzir toda?
— Qual dos dois…?
— Ãn?
— Nós temos dois tipos de IV: o IVG, Impacto Visual Geral e o IVP: Impacto Visual Pessoal. Sabendo que no IVP não dá para atingir um potencial absoluto, diria que você conseguiria 25 pontos.
— De 30?
— De 100.
— Aff... Nem quero saber o Geral.
— No IVG seria algo em torno de 10 pontos.
Fiz careta: — Qual a diferença entre os dois?
— O IVP mede a sua melhora a nível pessoal. Como se fosse um antes e depois. Mas, como eu disse, o IVP nunca chega a 100.
— Por quê?
— Porque você sempre vai encontrar um "defeito" em si mesma, então, basicamente, atingir um nível máximo no IVP é inalcançável e vai te fazer ficar paranóica. Já o IVG tem a ver com o seu IV em comparação com o IV de outras pessoas, mas isso é papo avançado, Hessi. Se você aprender o básico, como se portar com relação às expressões corporais e faciais, o céu não vai ser o seu limite, querida, só o primeiro andar. Resumindo tudo, se preocupar demais com a pontuação dos IVs é loucura. A Técnica se baseia mais em confiança do que em Impacto Visual.
Eu sou mesmo uma péssima amiga. Enquanto a Débora explicava todas aquelas siglas, tudo na minha cabeça se resumia na imagem brilhante do menino Mateus impactado com o meu IV, ou seja lá o que for. Tipo aqueles takes em que você caminha em câmera lenta e cada passo é uma loucura, com o vento batendo no cabelo…
— Ô Hessiene, leva a sério, pô!
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