— …Kyung… Se-Seo...

— Kyung Seok Lee. Pode me chamar de Mateus.

— Ah, Mateus, bem melhor. Eu não sei falar esse outro nome — a moça do Departamento Pessoal sorriu, conferindo uma ficha. — Enfim, Mateus, você veio saber sobre a solicitação de um veículo, certo?

— Sim.

— Não tinha nenhuma informação a respeito, mas, realmente veio uma solicitação da matriz. Só que você vai precisar aguardar alguns dias até que tenha um veículo disponível. Você é do Japão…? 

Meu horário de trabalho terminou e, neste momento, aguardo o ônibus que vai para o terminal.

Sendo honesto, gosto desse trajeto e do serviço de transporte público em Ipetrópolis. Sequer chega perto do caos de São Paulo. Essa é a parte boa no que diz respeito a morar em uma cidade pequena. As coisas são calmas, o ritmo é desacelerado. Combina comigo.

Vou sentir falta quando pegar o carro da empresa.

O ônibus vira a esquina e vem em nossa direção. Há outros funcionários aguardando embarque.

Durante a viagem, os passageiros começam a reclamar sobre um suposto cheiro de fumaça no ar.

Consigo sentir apenas quando vejo, de fato, uma fumaça preta sair do motor pelo lado de fora.

— Pára esse busão, motora!

As pessoas começam a gritar como se o veículo fosse explodir a qualquer momento.

O motorista está calmo, e dessa forma segue adiante, ignorando o desespero dos passageiros e até algumas palavras de baixo calão.

Por fim, na parada seguinte, ele estaciona e pede que todos desçamos.

As pessoas agora reclamam que têm de sair do transporte quebrado e aguardar o próximo.

O ônibus seguinte chega após vinte minutos de espera e resmungos. Ele pára no meio da rua e abre as portas traseiras.

Quando todos conseguimos entrar, quase não sobra ar respirável. 

Consegui um espaço perto da última porta, ao lado dos bancos altos. No banco alto próximo da janela, há uma garota lendo um livro.

Desde que cheguei à cidade, há três dias e meio, ela é a primeira pessoa que vejo segurando um livro ao invés de um smartphone.

A moça não me viu, parece imersa nos próprios pensamentos. Intercala olhares demorados entre o livro e a paisagem que passa pela janela.

O sol está predominante, mesmo em um fim de tarde, e os raios dourados refletem nos vidros do ônibus. Todos observam a vista do sol se pondo atrás das montanhas que cercam as duas cidades vizinhas. Uma brisa sopra dentro do espaço lotado, trazendo um breve alívio do calor que chegou a 35° graus às três da tarde.

Dá para ver no rosto das pessoas, há pouco tão estressadas pelo contratempo, esboçando em seus rostos uma leve expressão satisfeita, como se, apesar do longo dia exaustivo, apenas observar a paisagem por um breve momento fizesse tudo valer a pena.

Quando o ônibus entra na avenida e as casas tampam a vista do pôr-do-sol, as pessoas voltam a conversar, seja uns com os outros, ou em seus respectivos aparelhos. Mas a garota continua observando o lado de fora com a mesma expressão no rosto, como se a paisagem não tivesse ido embora. O livro está aberto sobre seu colo desde quando entrei.

Atento, espero que ela levante a capa apenas para satisfazer a minha curiosidade e saber de uma vez que título está lendo. Se for um clássico, devo admitir que apenas saber o nome da obra não será suficiente para acabar com a minha curiosidade sobre esta moça.

Ela tem cabelos encaracolados na altura dos ombros sem muita definição, soltos, voando na direção do vento, e usa roupas despojadas.

Nos aproximamos do terminal e seus olhos continuam vidrados na janela. 

O livro mal se mexeu. A espessura dele é mediana, não passa de 200 páginas, dá para ver que a capa é dura e a aparência da impressão é nova.

Quando o ônibus está prestes a parar, a moça fecha o livro rapidamente e o guarda na mochila.

Não deu para ver detalhes, mas meus olhos foram onde precisavam mirar.

O título do livro é: O Príncipe.

Definitivamente um clássico.

Com certeza se trata de um clássico. Ela só pode estar lendo Maquiavel.

Desço no terminal após receber alguns empurrões, nada tão anormal durante desembarques em horários de pico.

Assim como todos os passageiros, sigo para a plataforma da linha que vai para Canário.

Apesar das preocupações em mente, o prazo da apresentação, o dilema da minha ideia para o projeto, o incrível senso de humor do meu novo chefe… apesar de tudo, essas idas e voltas do trabalho tem me distraído. E, neste momento, não consigo parar de pensar em que tipo de pessoa aquela garota deve ser, como, por exemplo, que tipo de personalidade ela possui dentro da tipologia de Myers-Briggs. É péssimo criar idealizações, porém, inevitável.

Meu palpite é que ela seja universitária. Talvez curse História à distância enquanto mora com os avós ou com os pais… talvez Economia ou Direito… Seja o que for, ela aparenta ser uma pessoa inteligente, mais para Humanas do que para Exatas.

O fato é que não conheço ninguém que leu Nicolau Maquiavel apenas por diversão e continuou achando divertido até o fim.

Amanhã, vou observar com mais atenção e ver se pegamos o mesmo ônibus com frequência. Apenas por curiosidade.

Nesse meio tempo esperando, a fila da plataforma duplicou e o ônibus está três minutos atrasado. Ontem ele se atrasou por vinte e dois minutos.

Olho para a entrada do terminal e não há sinal do veículo.

Em um assento de concreto, a três metros de distância de onde permaneço em pé, aquela moça do livro está sentada. Não simplesmente sentada, mas ela está me encarando sem piscar.

Faço o mesmo até que ela fique sem graça e desista, como se fosse uma competição.

Sua expressão é tão séria que, se não fosse pela curiosidade, eu estaria receoso.

De repente, a jovem pisca os olhos e passa de amedrontadora para amedrontada em milésimos de segundo. Ela abre a mochila de qualquer forma, checa o celular e corre desesperada até sair do terminal.

Pode ser interessante saber mais sobre essa garota. Apenas por curiosidade.

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Também estamos super curiosas 😎

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