Capítulo 3
Acordar. Um ato tão simples, mas que é tão difícil para mim. O simples ato de abrir os olhos todas as manhãs me deixa triste e é por isso que sempre demoro alguns segundos com eles ainda fechados, mesmo já estando desperta, com o desejo latente de ser um sonho e na realidade eu não estar mesmo acordada. Fui dormir muito tarde ontem respondendo comentários e acabei perdendo o sono com medo de sonhar novamente com André. Sonhar com ele seria o golpe final que meu coração necessitava para parar de uma vez por todas de funcionar. Pensando bem, agora, até que teria sido bom, só assim eu não precisaria mais levantar da cama todos os dias e fingir que sou uma pessoa feliz.
Tento me virar de lado na cama, ainda de olhos fechados, mas percebo que meu cobertor está preso, impedindo que eu mude de posição. Nesse momento sinto um focinho gelado tocar minha bochecha e abro os olhos para dar de cara com olhos enormes me encarando. O que estava prendendo meu cobertor era o peso de Tica, minha vira-lata gigantona. Quando ela me vê abrir os olhos, levanta, começa a abanar o rabo, toda estabanada na cama, e pisoteia a mim e aos irmãos que estavam dormindo em cima do cobertor. Tica não tem noção do seu tamanho, nem do peso que tem, e acredita que é do mesmo tamanho de meus outros quatro cachorros.
- Ai filha, cuidado! – Pronto, a algazarra está feita! Os outros acordam e começam a fazer festa em cima da cama. Só me resta levantar, porque agora ninguém mais dorme. É impossível permanecer triste com toda essa demonstração de carinho. Olho para o relógio que tenho no criado mudo. Já são 11h da manhã. Está muito tarde! – Vocês querem sair do quarto não é? Por isso me acordou, Tica? – Dou um beijinho em cada um deles, levanto e abro a porta para que saiam. Todos saem correndo desesperados descendo as escadas, rumo ao quintal e me pego os observando e sorrindo. Percebo pela milésima vez que eles salvaram a minha vida e sou grata todos os dias por meus filhos peludos existirem. Foi por causa deles que não tomei aquela caixa inteira de remédios para tirar minha vida...
Desde que me entendo por gente vivo cercada por animais. Minha mãe sempre conta uma história muito engraçada sobre meu nascimento. Quando meus pais casaram, minha mãe tinha uma cadelinha da raça Pequinês, toda preta, chamada Negrita, que levou com ela para nossa casa. Todos a amavam muito e minha mãe vivia com ela para cima e para baixo. Mesmo grávida nada mudou nessa rotina. Negrita sempre foi o xodó da família. Nasci com cabelo grande, preto, bem cheio e liso. A franja chegava na altura do nariz e cobria meus olhos. Quando a enfermeira me colocou nos braços de minha mãe ela começou a chorar desesperada e todos ficaram preocupados. Meu pai, coitado, sem saber o que fazer perguntou:
- Lídia, o que aconteceu? Você está bem? Não está feliz por nossa filha ter nascido linda e saudável?
- João Roberto, olhe. Olhe bem para nossa filha! O que foi que eu fiz meu Deus?! – e continuou chorando.
- Lídia não estou entendendo você. O que está te deixando assim? – preocupado, meu pai tenta me tirar dos braços de minha mãe.
- Você está cego homem? Olhe a carinha de nossa filha! Ela é a cara da Negrita! Eu não deveria ter olhado tanto para ela quando estava grávida! Agora nossa filha parece com uma cadelinha pequinês! – Meu pai bateu com a mão na testa num perfeito facepalm e caiu na gargalhada.
Essa história já foi motivo de muitas risadas aqui em casa e vez ou outra, meus irmãos ainda me chamam de Negrita. Lembrar disso me deu uma saudade tremenda de minha mãe. Tenho sentimentos bem controversos em relação ao atual casamento dela. Ao mesmo tempo que fico muito triste com a separação de meus pais, fico feliz por ela ter encontrado um homem que a ama e que faz tudo por ela. Minha mãe é muito feliz no casamento, mas ela mora em São Paulo, bem longe daqui e sinto muita falta de tê-la por perto. Dona Lídia, além de mãe, é minha melhor amiga, confidente, companheira e também um pouco minha filha. Temos personalidades muito diferente e, por diversas vezes, nossos papéis se invertem e passo a ser a mãe. Mas neste momento, estou precisando da minha mãe amada, então pego o telefone para ligar para ela.
- Alô. Mainha? Tudo bem?
- Clara, minha filha, o que aconteceu? Você está bem?
- Calma dona desespero! Estou bem, só acordei com muita saudade de minha mãe e queria ouvir um pouco a sua voz. Não posso? – minto para ela e isso me dói, mas não posso contar a verdade. E a verdade é que a única vontade que tenho neste momento é de morrer.
- Claro que pode meu amor. Também estou morrendo de saudades de você. Você sabe que o meu maior arrependimento nessa vida é ter me afastado de você e do seu irmão. Essa saudade me consome a cada dia e se eu pudesse voltar no tempo...
- Mãe, pode parar. Nem continue com essa conversa. Você está bem com seu marido, ele te ama, faz tudo por você e é isso o que importa. A saudade pode se resolver com uma viagem. Que aliás é o que estou precisando. Preciso de férias e estou pensando seriamente em ir passar uns dias aí com você. E você tem o Thales ao seu lado.
- Ah Clarinha, você me deixaria muito feliz! E olha, venha logo porque eu acho que não vou viver mais muito tempo. Sinto isso. Você vai deixar sua mãe morrer sem me dar um neto?
- Meu Deus mãe, deixa de ser dramática! – falo sorrindo. – Você ainda vai viver por muito tempo... quanto a ver seus netos... você já tem netos o suficiente. Thales e Beto tiveram por mim e sou muito feliz sendo tia. Te dei netos peludos. Tem cinco aqui esperando a vovó.
- Amo todos os meus netos, inclusive os peludos, mas você sabe que o meu sonho é ter uma netinha sua. De preferência uma menina moreninha, dos olhos verdes...
- Mãe, já conversamos sobre isso. Pode tirar seu cavalinho da chuva que os únicos netos que você terá meus são os de quatro patas. Agora deixa eu ir. Vou tomar meu café da manhã e trabalhar.
- Está bem sua chata! Se cuide minha filha. E venha logo passar uns dias comigo. Te amo.
- Te amo muito mãe. Vou providenciar minhas férias e te falo tudo certinho. Se cuide por favor e tente não perturbar tanto o juízo do Rodolfo. Hahahaha
Desligo o telefone, desço as escadas e vou para a cozinha tomar meu café. Meu dia só começa depois que tomo uma bela xícara de café e um banho. Chego na cozinha e vejo Lúcia preparando o almoço que já está com um cheiro delicioso. – Bom dia Lúcia. Tudo bem?
- Bom dia Clarinha. Seus filhos estão lá fora fazendo bagunça. Você deixou os coitadinhos presos no quarto até agora. Eu ia abrir a porta para eles saírem, mas achei melhor não, para não te acordar. Vi que você foi dormir tarde ontem.
- Fui mesmo. Fiquei trabalhando até tarde e hoje já acordei cansada. Estou precisando de férias. Painho saiu muito cedo hoje? Quase não o vi essa semana.
- Sim, ele viajou para Recife. Vai chegar tarde.
- Hum... tá certo. Bom, vou tomar meu banho e gravar os vídeos da semana que vem.
É tão difícil esconder deles tudo o que aconteceu! Ninguém de minha família faz ideia do que André fez comigo e mesmo sabendo que ele está casado com a Kelly, e que os dois tem uma filha, minha mãe ainda tem esperanças de voltarmos um dia. Ah mainha, se você soubesse que um dia já estive grávida e que perdi meu bebê...
***
Meu dia não foi muito produtivo. Me isolei no quarto com a desculpa que estava gravando vídeos e escrevendo postagens para deixar programada no blog. Deixei o celular no silencioso e falei para Lúcia não me passar nenhuma ligação. Hoje é um daqueles dias que não queria ver nem falar com ninguém. Tive uma crise de ansiedade forte no final da tarde e até achei que teria outro ataque de pânico. Esqueci de tomar minha medicação ontem e hoje senti os efeitos disso.
Não sei o que está acontecendo comigo ultimamente; acredito que realmente estou precisando de férias. Ando muito cansada e percebo que alguns sintomas do transtorno de ansiedade voltaram. Estou com muito medo de comprar as passagens e de não conseguir viajar no dia. E se eu tiver uma crise no aeroporto? Ou mesmo dentro do avião? E se eu tiver um derrame ou ataque cardíaco por causa do estresse? Começo a sentir falta de ar e o coração acelerado. Preciso parar de pensar nisso. Deixarei para pensar nessa viagem quando eu estiver melhor. Tenho que me acalmar.
Na verdade sei sim o que está acontecendo comigo. Parei de fazer terapia sem ter alta e agora estou pagando o preço. Também não voltei mais ao psiquiatra e sinto que a medicação não está mais fazendo o mesmo efeito. Sei que preciso ir, mas não estou com tempo para isso agora. Vou pensar nisso depois...
Lembro de uma técnica de respiração que minha terapeuta ensinou para me acalmar. Apago as luzes do quarto, deito na cama com a barriga para cima e coloco as mãos sobre meu diafragma. Fecho os olhos, puxo o ar pelo nariz enquanto conto até quatro e em seguida solto o ar lentamente contando até quatro também. Repito esse exercício até sentir que meu coração voltou ao normal e já consigo respirar melhor.
Preciso de um chá. Vou evitar tomar café agora a noite para não ter mais uma noite insone. Me dirijo até a cozinha e agradeço a Deus por meu pai ter decidido dormir em Recife e só voltar para casa amanhã. Acho que hoje não conseguiria disfarçar dele meu estado deplorável e não consigo pensar em nenhuma desculpa para dar.
Lúcia está na sala assistindo a novela e me escuta batendo as panelas. Isso a faz quase sair correndo da sala até aqui. Senhor, essa mulher morre de ciúmes dessas panelas!
– Quer alguma coisa, Maria Clara? – pergunta uma Lúcia com olhar reprovador.
– Não se preocupe amore, vou apenas fazer um chá. Pode voltar para sua novela. – Respondo já colocando a água no fogo.
- E posso saber por que não me pediu para fazer?
- Porque eu ainda consigo colocar uma panela com água para ferver no fogo e um saquinho de chá dentro de uma xícara. – dou aquele sorriso exagerado que aparecem todos os dentes da boca e em seguida, uma beijoca na bochecha dela que me responde sem achar graça nenhuma.
- Hum...sei. Mas ainda assim, poderia ter me pedido que eu levava para você.
- Tá querendo se ver livre de mim e me deixar escondida no quarto é Lúcia?
- Claro que não sua abestalhada! – responde sem graça.
Dou risada.
- Sua boba! Obrigada, mas eu precisava esticar um pouco as pernas. Passei muito tempo sentada hoje. A água já ferveu e o chá tá pronto, agora é tarde. Mas se você quiser fazer aquela pipoquinha pra gente mais tarde, eu aceito.
Pego a xícara fumegante de chá de erva cidreira com limão e volto para meu quarto. Meus filhos estão todos esparramados na cama dormindo. Bando de preguiçosos! Apanho o note e sento na cama para conferir meu e-mail. Acesso a caixa de entrada e no meio das centenas de e-mails para responder, me deparo com um de Hideki.
De: Hideki Motosuwa ([email protected])
Para: [email protected]
Data: 13 de agosto de 2015 15:22h
Assunto: Chiii?
Olá Maria Clara,
Boa tarde! Tudo bem com você? Sou um grande fã seu e acompanho seu trabalho tem bastante tempo. Acredito que fui um dos primeiros a me inscrever em seu canal e desde então, assisto todos os vídeos e leio todas as suas postagens. Já li vários livros que foram indicados por você. Parabéns, seu trabalho é fantástico.
Bem, tomei a liberdade de te adicionar como amiga no facebook e ficaria muito feliz se você aceitasse. Gostaria de conversar com você e tirar algumas dúvidas sobre livros. Também sei que você gosta de animes e games (viu? Acompanho mesmo você! Rss), temos esses temas em comum também.
Se você achar que estou sendo muito invasivo, me perdoe, sou apenas um fã que sonha em se tornar amigo de seu ídolo.
Fico aguardando ansiosamente sua resposta e na expectativa de me aceitar como amigo.
Atenciosamente,
Otávio Cerqueira (esse é meu verdadeiro nome 😉 ).
Confesso que por essa eu não esperava. Confiro meu facebook pessoal e realmente me deparo com uma solicitação de amizade de "Hideki Motosuwa". Não costumo aceitar desconhecidos em meu facebook e releio umas 10 vezes o e-mail para decidir se aceito ou não. Vejo que Hideki é de Brasília, então decido aceitar a solicitação. Fiquei curiosa. Que mal há? Pode ser mais um bom amigo virtual, afinal de contas.
De: Maria Clara ([email protected])
Para: Hideki Motosuwa
Data: 13 de agosto de 2015 21:36h
Assunto: RES: Chiii (Gostei da referência)
Olá Otávio (ou devo te chamar de Hideki?),
Estou muito bem e você? Solicitação de amizade aceita! Mas apenas por você ter me deixado curiosa. 😃
Beijocas e até breve.
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Oi amores! As coisas estão começando a acontecer na vida de Maria Clara. O que será que vai acontecer depois dessa troca de e-mails?
Não esquece de curtir o capítulo e de deixar o seu comentário. Quero saber o que vocês estão achando até agora.
Beijokas
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