vinte e quatro

Fazia pouco tempo que estávamos no avião, mas parecia uma eternidade.

Eu só queria chegar logo.

Pensei em dormir, mas isso seria impossível.

O Michele e o Raffaele não parava de falar um segundo desde que entramos.

Em italiano, claro.

Queria saber o que eles tanto falavam.

Raffaele estava sentado na janela e eu na outra ponta, com Michele entre nós dois.

A aeromoça tinha vindo até nós perguntar se queríamos algo mas não, negamos.

Eu só queria sair desse avião logo.

E saber se eu teria muitas mensagens no meu instagram.

Ri sozinha por que isso era um bom plano.

Isso fez com que os meninos parassem de falar e olhassem pra mim.

- O que? - perguntei. - Estou rindo sozinha.

- Você é estranha, Eve. - Raffaele falou.

- Obrigada? - falei. - Levarei como um elogio.

Vi quando o Michele socou o amigo no braço e isso me fez rir mais.

- Você topa ser fotografada? - ele perguntou enquanto esfregava o braço com uma careta no rosto. - Vamos precisar de alguém morena e bonita.

Por um momento fiquei confusa, mas me lembrei que ele era fotógrafo. E, reparei em algo.

- Vamos? - perguntei e olhei para o Michele ao meu lado, que me olhava, mas rapidamente ele socou o amigo mais uma vez. - Me conte mais sobre isso.

Eu fiquei olhando pra eles, esperando que falassem algo, mas não obtive nada.

- É extra confidencial. - o amigo do Michele falou. - Mas, se você quiser a gente quer também.

- Acho que não. - falei e sorri, eles eram estranhos.

E voltaram a conversar.

Eu iria perguntar do que se tratava mais uma vez, mas se ele disse que não pode falar é por que não pode falar. Eu odiava ser tão curiosa.

Ainda faltava poucas horas de vôo.

Michele e o amigo tinham parado de conversar e por isso, eu percebi o quão silencioso estava o avião.

O Raffaele estava dormindo, como provavelmente todo o resto dos passageiros, por que eu conseguia ouvir a sua respiração baixa.

Acho que Michele estava acordado, mesmo que ele estivesse com os olhos fechados.

As vezes eu falava algo e ele respondia, então, não sei.

Eu estava tocando sua mão, que estava na minha perna, contornando a sua tataugem de fênix.

Acho que, até o momento, era a minha favorita dele.

Não que eu tenha tido oportunidade para observar e avaliar cada uma, ainda, então, até agora eu gosto mais dessa.

- É a minha favorita. - ouvi ele dizer e olhei na sua direção, ele tinha os olhos abertos e me olhava.

- Sério?

- Sim. - ele sorriu e balançou a cabeça.

- Acho que é a minha também. - falei e olhei para sua mão e senti o aperto leve que ele deu, eu o olhei.

- Por que?

- Não sei. - dei de ombro. - Eu não cheguei a ver todas que você tem, então, no momento gosto mais desta.

Eu esperava conseguir ver todas as outras logo.

E tocar e, provavelmente, beijar.

- Bom, pode ver quando você quiser.

- Quando eu quiser? - sorri. - Que tentador.

- Não é? - ele sorriu e tocou meu queixo. - Mas, primeiro, precisamos conversar.

Droga.

- Por que? - revirei meus olhos. - Não quero conversar.

- Você tem. - ele falou. - Nós já falamos sobre isso, sobre você não conversar. Você não tem que ter ciúmes...

- Não estou com ciúmes.

- Você está. - acusou. - E não tem motivo.

Claro que tinha motivo.

- Não quero falar sobre isso. - cruzei meus braços. - Não quero.

- Eve...

Ele começou, mas parou.

Se eu falasse sobre isso ele iria me achar uma desesperada. Eu estava me achando desesperada.

Tudo bem, que eu sentia um pouco de ciúmes.

Mas o que eu posso fazer? Eu não fiz nada de errado, são os meus sentimentos que estão passando por cima de mim.

Acho que eu fiquei tanto tempo em um relacionamento que agora que estou livre dele finalmente, eu não queira cometer os mesmos erros.

Com certeza tinha um motivo para meu ex namorado ter me traído, então o que eu fiz de errado?

Vai ver ele só é um canalha mesmo, prefiro acreditar nisso.

Então, não sei o que eu e Michele temos ainda e, não quero estragar isso.

Não tem nem uma semana que estamos juntos e eu já estou dando piti, que desnecessário.

Eu estava sã dos meus atos, mas quem disse que eu parava de fazer merda?

Michele se levantou e passou por mim, senti quando ele me puxou pela mão e me fez levantar, protestei, mas ele me ignorou e me guiou até o fim do avião.

Havia uma aeromoça sentada que se levantou no momento em que entramos mas antes que ela pudesse falar algo, Michele a interrompeu.

- Ela não está se sentindo bem. - ele abriu a porta do pequeno banheiro e me empurrou pra dentro. - Ela vai vomitar horrores, alguém tem que ajudá-la. - e fechou a porta, eu me encostei na parede oposto a dele e cruzei os braços e disse que queria sair. - Agora não dá, você vai ter que vomitar primeiro. E enquanto você faz isso, nós conversamos. - sorriu.

Deus, ele era muito insistente.

- Não podemos conversar mais tarde?

- Mais tarde quando? - perguntou. - Quando você ficar mais brava do que já está?

- Não estou brava.

- Não está brava agora, mas tenho quase certeza que ficará. - falou. - O que há de errado?

- Não há nada de errado, Michele.

- Eve, você não pode correr toda vez que tem um problema. Já falei isso pra você, então por que você está fazendo exatamente isso?

Eu passei meus olhos pelo cubículo que estávamos, pensando no que dizer, mas olhar para uma privada e uma pia não era nada agradável.

- Você se sente insegura é isso? - ele quis saber. - Eu já te falei que ela é uma amiga.

- Eu sei disso.

- Então o que há de errado, querida? - ele se aproximou e tocou meus ombros, os afagando. - Diga.

- Talvez eu me sinta insegura sim. - falei. - Mas não é nada demais, coisa boba.

- Então por que evita falar sobre?

- Não tem o por que.

- Tem, tem sim. - falou. - Você fica diferente, provavelmente chateada e muito puta.

- Isso não é verdade...

- É verdade sim! - me interrompeu, ele deu um, dois, passos pra trás e voltou a se encostar na porta. - O que te incomoda? - quis saber. - É por que eu a conheço a mais tempo que você? Por que passei mais tempo com ela? A beijei? A toquei?

Era exatamente por isso.

- Por que está falando essas coisas sabendo que me deixa brava?

Eu ficava brava e com inveja, mas apenas inveja dos momentos deles juntos, não dela em si.

- Sabe que foi tudo encenação né? - perguntou. - Algumas coisas, mas, isso não é motivo pra você ficar brava. Se eu digo que somos amigos, é por que somos amigos. Ela tem um namorado você sabia?

- Não. - dei de ombro. - O coitado deve estar sofrendo também.

- Você está sofrendo? - ele sorriu e se aproximou de novo, dessa vez ele tocou meu rosto e acariciou. - Querida, sério, você não tem com o que se preocupar. Ela é muito legal, se você der uma chance a ela, vai ver. - falou. - Nós. - apontou pra nós dois. - Estamos tendo algo, eu e ela não.

Senti todo meu corpo se arrepiar com o que ele disse, e com motivo ne.

Eu tenho certeza que estava sonhando.

- Certo. - falei. - Quem é o namorado dela?

- Ele é da Polônia, o diretor de uma peça de teatro que ela está fazendo. - falou. - Deveríamos ir assistir, algum dia sabe.

- Nah. E a quanto tempo eles estão juntos?

- Eu não sei.

- Você disse que vocês são amigos, amigos sabem sobre essas coisas.

- Sim, mas não falávamos sobre isso.

- E por que não? - quis saber. - Isso é suspeito.

- Não há nada de suspeito nisso, Eve. Você que está tentando achar coisa onde não tem, vai ser a última vez que eu vou falar sobre isso. Eu e Anna não temos nada, e provavelmente nunca vamos ter.

- Provavelmente?

- Ela tem um namorado e não, não sou eu. - falou. - Você pode perguntar a ela, se quiser.

- Não vou fazer isso...

- Então para de ficar brava por isso e acredita em mim quando falo, não estou mentindo pra você e nunca farei isso. Não sou o babaca do seu ex namorado, não há com o que se preocupar.

- Tudo bem.

- Tudo bem? - riu. - Fácil assim? Isso sim é suspeito.

- Eu disse que tudo bem.

Irei deixar de ser paranóica e deixar isso pra lá. Se ele diz que eles não tem nada é por que eles não tem, e eu vou acreditar nele.

Por que ele iria mentir sobre isso? Não há motivo nenhum pra isso.

Eu passei meus braços ao redor de sua cintura e o abracei forte, encostando meu rosto no seu peito firme. Senti quando ele me abraçou de volta e beijou minha cabeça.

Suspirei quando ele tocou minha nuca e segurou um punhado de cabelo meu o puxando, me fazendo o olhar. Ele sorriu e tocou nossos lábios por um breve momento.

- Estamos conversados.

Ele riu fraco e beijou o canto da minha boca, logo se virando e abrindo a porta, saindo do banheiro.

Eu ia ficar louca.

Quando me sentei ao seu lado de novo, ele parecia alegre e sorria.

- Tudo bem? - perguntou.

- Eu te odeio.

Ele sorriu mais e se inclinou beijando a minha bochecha e meu pescoço. Ele pegou minha mão e entrelaçou nossos dedos, ele beijou minha palma e descansou nossas mãos em sua perna.

- Não odeia nada.

Ele beijou meu pescoço mais uma vez e deitou a cabeça no meu ombro, a deixando ali até que chegarmos na Polônia, as sete e três da manhã.


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