Capítulo 7
BEATRIZ
Afago o cabelo do pequeno garoto que dorme placidamente em sua cama em formato de caminhão, quem o vê assim nem imagina tudo que ele passou nos últimos dias, com a parada cardíaca e a estadia na UTI. Para ele foi um momento difícil. Eu sinceramente achei que ele não ia resistir ou que precisaria fazer uma cirurgia, mas ele resistiu bem ao tratamento que eu monitorei de perto.
O pequeno é um lutador. A força dele é impressionante.
Já eu voltei a um hospital e foi como estar em casa novamente, o diretor me deu autorização para acompanhar o caso do Lorran já que a cidade não tem um cardiologista de plantão e eu o tratar aqui era bem mais fácil que o levar para Belo Horizonte. Me senti bem em estar exercendo a minha profissão mesmo que sem um bisturi na mão. Foi maravilhoso me sentir útil e me lembrar o porque amo o que eu faço, salvar vidas é o que nasci para fazer.
— O que ta fazendo ai parada? — a voz grossa fala atrás de mim me fazendo arrepiar de um jeito que eu não deveria, concentração Beatriz esse é o babaca do Gregório o mesmo que fazia bullying com você no colégio, não é porque ele tá mais lindo, sarado, responsável com seu filho fofo que você vai ficar sentindo arrepios quando ele está perto.
— Tava só pensando no quanto o Lorran é forte, não só por ser um caso médico que literalmente é um em milhão, mas também por ele se mostrar tão valente. Sabia que ele não chorou nenhuma vez enquanto tava na UTI — falo admirada e ele sorri pra mim, me fazendo sentir boba pela minha empolgação — certo você é o pai dele e deve saber como ele é, mas eu sempre vejo pessoas tão assustadas e com medo e um garoto tão pequeno se mostra tão corajoso.
— Eu sou um pai bastante babão pela minha cria — ele fala e eu não posso evitar a risada suave de sair pelos meus lábios, o Lorran se mexe na cama e percebemos que estamos fazendo barulho, Gregório coloca a mão em meu braço nos afastando do quarto do garoto. — Nós dois já passamos por muita coisa, uma vez ele me disse que se ele morresse eu deveria chorar só uns dois meses e depois ir procurar uma namorada.
— É um bom conselho no fim das contas.
— Ele disse que o céu deve ser legal e que a vovó iria estar lá cuidando dele, doeu ouvir ele dizer isso, uma criança não deveria estar preocupada com a morte iminente.
— Por isso não gosto quando meus pacientes são crianças me parece tão errado alguém tão jovem sofrendo tanto, crianças devem só ser livres e brincarem... Espera o que é isso — falo apontando para uma das portas que está aberta, sem nenhum pingo de descrição eu abro mais a porta do que parece um quarto de jogos tem uma televisão enorme, uma mesa de sinuca e um pebolim além de um sofá que parece bastante confortável.
— Como ele não pode correr, praticar esportes ou fazer várias coisas normais para um garoto da idade dele resolvi que seria justo ter um quarto de diversão, ele brinca aqui traz os amigos e eu também brinco aqui e trago meus amigos tenho que confessar — ele ri da última parte porque claramente crianças não jogam sinuca — aceita uma cerveja?
— Sim claro — eu sei que não devia, eu devia descer as escadas e ir para minha casa, mas não sei o que me impele a aceitar, parece que quero ficar mais tempo na companhia dele, isso é tão estranho! Vou deixar para pensar nisso quando colocar a minha cabeça no travesseiro e com calma poder analisar o que está rolando comigo, ficamos em silêncio por alguns minutos apenas bebendo, mas então o que está martelando na minha cabeça a alguns dias resolve sair para fora. — Você já pensou na minha proposta? Eu realmente acho que deveria aceitar o dinheiro Gregório.
— Beatriz eu já decidi, que não. Isso não é certo
— Olha o que aconteceu, o Lorran estava apenas parado conversando com os amigos e depois teve que ficar três dias na UTI, o coração dele parou e vou ser franca com você sobre a situação eu achei que ele não iria conseguir voltar, foi um milagre, o coração é um órgão forte mas sensível, não foi feito para aguentar uma pancada daquelas sem proteção.
— Eu sei tá legal — ele bate a garrafa de cerveja na mesa à nossa frente e depois se joga no encosto do sofá tapando os olhos com o braço e tomando longas respirações — eu já me torturei com isso o bastante, vendo meu filho lá ligado aqueles aparelhos.
— Então por que você não aceita o dinheiro e faz a cirurgia nele?
— Eu não teria como te pagar depois Beatriz. Fala sério, eu sou um professor, eu nem acabei de pagar a casa, meu carro está perto de pedir arrego, eu não consegui juntar o dinheiro para pagar a opção mais barata que é trazer a prótese 3d para o país.
—Você não precisa me pagar Gregorio... — falo colocando a mão sobre sua coxa, mas logo me arrependo do gesto e a puxo a mão de volta, o bom é que ele está tão concentrado que parece não ter notado.
— E que tipo de homem eu seria se aceitasse uma coisa dessa? — Ele grita num rompante e se levanta passando as mãos sobre o cabelo e depois as esfregando no pescoço — eu não consigo nem mesmo salvar meu filho por mim mesmo e depois eu vou aceitar o seu dinheiro. Onde está a honra nisso?
— Eu acho muito mais honrado você reconhecer os seus limites e ter a cabeça no lugar o bastante para aceitar que não pode vencer certas dificuldades sozinho. A avó Matilde gosta de dizer que é preciso uma comunidade para criar uma criança, não é feio pedir ajuda.
— Pedir ajuda é quando eu peço a sua avó para ficar de olho no meu filho quando eu preciso ir no mercado, e pedir a dona Alzira para ficar de babá quando arrumo um bico à noite, é pedir para que o Miguel o traga da escola no fim da aula. Eu sei pedir ajuda Beatriz. Mas aceitar tanto dinheiro de outra pessoa não é pedir ajuda e abusar e ser interesseiro.
Voltamos a ficar em silêncio vários minutos, vejo o quanto ele ficou abalado e percebo algumas lágrimas descendo pelo seus olhos, mas ele se vira rapidamente encarando a tela da televisão desligada a nossa frente. A situação é horrível e eu não sei o que fazer ou falar para ajudar. Eu entendo o que ele quer dizer e isso me dá uma noção de como ele se tornou um homem honrado. Minha avó sempre me disse que dinheiro é uma benção, mas também uma maldição e eu sempre levei isso a sério, pois vi o que meu pai se tornou e o que fez depois que ficou muito rico, mas agora eu estou tendo uma nova visão de como o dinheiro pode ser a salvação ou a derrota de alguém.
E de se pensar que qualquer um te oferecendo dinheiro fácil seria a solução de todos os problemas, mas parece que quando isso acontece na vida real não é tão bom assim. E tenho a certeza que na nossa sociedade, no modo machista em que todos nós somos criados, para um homem isso é ainda pior, imagina ter o estigma de que não consegue salvar a própria família, o próprio filho.
— Um jogo de sinuca — as palavras saem da minha boca quase sem eu perceber — vamos jogar uma partida de sinuca
— Serio isso Beatriz?
— Sim, você não quer aceitar o meu dinheiro fácil, mas nós podemos apostar, minha oferta é que se eu ganhar você aceita o dinheiro se você ganhar você escolhe o prêmio.Vamos fingir que é Vegas baby!
— Não me parece muito justo — ele fala reticente, o que me faz sorrir pois sei bem o passo que tenho que dar agora.
— Você tá com medinho Gregório?
— Eu sou ótimo na sinuca Beatriz, jogo todo fim de semana
— Então não tem porque tá reticente, você não se garante?— falo me levantando e indo até uma parede onde quatro tacos estão dispostos em um suporte de madeira e escolhendo um deles com cuidado e atenção. — Ainda não me disse o que você vai querer.
—Vamos sair, eu e você em um encontro...
— Não — rebato rapidamente — eu não vou aceitar essa loucura, não cometo o mesmo erro duas vezes.
— Então pelo visto é você que não se garante Beatriz, eu quero ter chance de me redimir pedir desculpas; é isso que eu ponho na mesa. Acho bem justo de maneiras diferentes nossas ofertas tem o mesmo peso moral. Vai encarar? — Ele fala abrindo uma gaveta embutida na parte de baixo da mesa de sinuca e tirando de dentro dela as bolas coloridas e numeradas arrumando no meio de um triângulo de metal sobre o tapete verde da mesa de sinuca.
— Vamos acabar logo com isso — falo resignada eu comecei com isso e não vou fugir.
***
É a última bola se eu acertar ganho a partida, Gregório está com uma cara cômica de indignação e meu sorriso é enorme.
— Não acredito nessa partida.
— Eu tenho várias habilidades que você nem imagina, meus anos na faculdade não foram só de estudos, aprendi uma coisa ou outra sobre a vida e jogos de azar.
Deixando a conversa de lado eu passo o pó de giz na ponta do taco, observo com cuidado e rapidamente planejo qual o melhor local para dar a minha tacada final, passo pelo Gregório só para provocar dou um chega pra lá nele batendo a lateral do meu quadril com o dele. Ajeito o taco e me inclino, fecho um olho para ter melhor ângulo e quando acho a posição ideal movimento o taco para trás e depois dou um impulso ele bate na bola branca fazendo com que ela role pela mesa até acertar a bola preta que por sua vez rola pela mesa como se estivesse em câmera lenta e então é encaçapada.
Eu seguro o taco com ambas as mãos e levanto sobre a minha cabeça em sinal de vitória, quem vê minha animação nem imagina que estou tão feliz por acabar de perder um milhão de reais, mas a verdade é que meu sorriso enorme não deixa negar meu atual estado de espírito. Coloco o taco sobre a mesa de sinuca e começo a dar pulinhos de alegria e a dançar de maneira engraçada em volta do Gregório que está com uma careta nada boa.
—Não seja um mal perdedor, aceita que eu sou foda — falo com ele sem para a minha comemoração.
— Quero revanche — ele fala.
— Nada de revanche eu ganhei de forma honesta e clara de uma maneira bem difícil porque você não pegou leve. ei você, aceita que doí menos — cantarolo a última parte ainda fazendo minha dancinha da vitoria.
Mas ai de repente Gregório passa o braço em volta da minha cintura e me puxa em direção a ele, minha respiração que já estava ofegante fica ainda mais, como sou baixinha tenho que levantar os olhos para enxergar o rosto dele e me arrependo de ter feito isso, pois o que vejo passando em seus olhos faz minhas pernas estremecerem. Ele me olha com desejo e algo mais.
Não, isso não pode estar certo.
— você fica muito sexy assim quando comemora a vitória, eu poderia deixar você ganhar de mim várias vezes só pra eu ter o prazer de ver esse sorriso levado, além é claro desses seios pulando assim.
—Você não deveria me dizer essas coisa
— Eu sei
—A gente não deveria estar assim tão perto
— Eu sei
— Então por que você não se afasta agora?
—Eu não consigo, Beatriz, mas por que você não se afasta ? —Ele faz a pergunta que vale um milhão de dólares.
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