Capítulo 5


GREGÓRIO

Não tem como negar que o que a Beatriz disse me entristeceu, claro que não é culpa dela, pois ela nem sabe sobre a condição do meu filho, mas isso não quer dizer que não foi um gatilho para mim. Desde que o Lorran nasceu eu luto pela vida dele, nos disseram que ele não iria sobreviver ao nascer, mas ele sobreviveu, nos disseram que ele poderia não sobreviver a primeira cirurgia, mas ele venceu, nos disseram que ele poderia não sobreviver ao primeiro ano e agora estamos aqui rumo ao seu aniversário de onze anos.

Todo esse tempo eu lutei para manter o Lorran vivo, isso se tornou meu objetivo de vida e quando a Beatriz disse aquilo mesmo sem querer me abalou profundamente.

Aproveito que meu filho foi encontrar com os amigos na pracinha no fim da rua e tomo um banho, depois abro uma garrafa de vinho pra relaxar, escolho um filme sobre a segunda guerra e me acomodo no sofá, aproveitando o meu fim de sábado. Quando o filme está na metade, a porta de casa é aberta e vejo meu filho entrar, mas ele não está sozinho, a Beatriz faz companhia a ele, eu me levanto rápido para entender o que está acontecendo.

– Lorran , o que significa isso? Eu dei permissão para você ficar até as nove com os seus amigos aconteceu alguma coisa? Você nunca volta antes do tempo. – Fico de cócoras na frente dele passando a mão sobre seu corpo magrinho tentando ver se está tudo certo com ele.

– Eu estou bem, mas menti para o senhor e sei que vou ficar de castigo, mas foi por uma boa causa que eu consegui um milhão de reais – ele fala e abre seu sorriso branco faltando o dente do canto.

– Do que você está falando?

– Não é bem assim...— Beatriz e eu falamos juntos e quando olho para ela suas bochechas estão coradas, meu filho ainda continua com a mão grudada a dela.

Vê o Lorran com outras mulheres sempre me traz um aperto no peito, pois sei que ele tem uma grande carência de amor materno e está sempre buscando figuras femininas antes minha mãe cumpria esse papel na vida dele mas depois que ela se foi o lugar ficou vago, já falei sobre isso na terapia dele e o psicólogo tenta trabalhar essa questão com nós dois, mas sinto que mesmo entendendo as coisas ele sente bastante falta da mãe, eu amaldiçoo aquela miserável por ter abandonado o próprio filho e permitir que ele vivesse essa sensação.

– Eu disse que seria um prazer te dar o dinheiro, mas a gente teria que conversar com o seu pai – ela fala dessa vez e eu volto a me concentrar na conversa maluca – eu nunca passaria por cima da sua autoridade Gregório.

– Essa conversa está muito confusa pra mim, mas se tratando da cabecinha do Lorran sei que não vou gostar dessa história, vai desembucha garoto.

– Dessa vez é coisa boa papai eu não to tentando fazer ovos voar nem nada do tipo.

Me arrepio inteiro quando lembro do dia em que o meu filho decidiu fazer experiências com ovos, ele estava tentando jogar ovos da casa da árvore para que eles chegassem inteiros ao chão, Lorran tentou usar vários aparatos e proteções para que seu feito fosse bem sucedido, a casa ficou cheirando mal durante dias. Confesso que me senti meio orgulhoso pelas tentativas dele, que fez até um mini paraquedas para os ovos, mas mesmo assim ele ficou um mês de castigo pela bagunça e pelo desperdício de comida.

– Eu pedi a Beatriz um milhão de reais pra gente ir para Europa operar o meu coração e ela vai me dar – ele solta com um sorriso orgulhoso nos lábios – e ela falou que vai me dar então agora eu sou um milionário e nós já podemos fazer as malas.

– Lorran que história é essa? Eu não te dei essa educação! Nós não pedimos dinheiro às pessoas. Beatriz me desculpa, eu não incentivei uma coisa dessas eu não sei como esse menino teve uma ideia tão absurda. Eu peço perdão pelo constrangimento e... –vou falando as frases uma por cima da outra gesticulando com os braços sem ter a chance nem de respirar.

– Calma Gregório, eu não to julgando ou me senti constrangida.

– Ela é super legal papai, acredita que ficou feliz pelo meu coração estar fora do lugar?

– Eu não achei legal e nem fiquei feliz – Beatriz fala constrangida e tons de vermelho tomam conta de seu rosto – e só que eu sou médica e nunca tinha visto essa condição e muito menos em uma criança da idade do Lorran e eu achei interessante, mas sei que pra vocês deve ser uma coisa terrível e...

– Sua vez de ficar calma, eu não estou julgando o seu entusiasmo pela rara condição cardíaca do meu filho. – Alfineto só para vê-la ficando ainda mais vermelha e constrangida, tenho que admitir que é fofo. Mas agora eu tenho que lidar com o pestinha do meu filho. – Você mocinho está muito, muito encrencado.

– O que? Por que? – ele grita passando as mãos sobre o cabelo e depois fechando os punhos ao lado do corpo.

– Você mentiu para mim que iria encontrar os seus amigos e depois foi pedir dinheiro, uma quantia enorme de dinheiro, a uma desconhecida. Por isso um mês sem vídeo game e sem sair para encontrar os amigos.

– isso é tão injusto que eu so estava tentando salvar minha própria vida, inferno..

– Lorran dois meses de castigo, eu não vou admitir esse tipo de conduta dentro de casa – ele resmunga e sai batendo os pés subindo a escada correndo e sei que vou precisar ter uma conversa bem séria com ele.

Passo as mãos pelo cabelo bagunçando o coque que havia feito e então as tranças caem sobre as minhas costas, eu respiro fundo e levo as mãos ao rosto tentando me acalmar e não deixar que minhas emoções saiam de controle. Um bolo se forma em minha garganta e eu tenho que usar toda a minha força de vontade para não derramar algumas lágrimas. Minhas mãos desceram até minhas coxas e inclino o corpo me apoiando neles para não cair de joelhos.

– você está bem? – uma voz suave pergunta e só então me lembro que não estou sozinho, uma mão delicada pousa sobre meu ombro, como estou sem camisa o calor do toque dela faz a minha pele se arrepiar. – Toma bebe isso vai te fazer bem.

– É a sua recomendação médica doutora Monteiro? – falo enquanto me recomponho e pego a taça de vinho de sua mão e viro todo o conteúdo em um só gole – me desculpe por tudo isso eu não fazia ideia que o meu filho ia fazer uma loucura dessa, eu to morrendo de vergonha.

– Não precisa, você devia ter orgulho. Eu o achei muito corajoso. Você precisava ver ele chegando na minha casa com pose de pequeno homem me mostrando o coração dele e depois ele passou algum tempo listando os motivos pelos quais ele era um bom garoto e merecia um milhão de reais, depois ele apelou para o meu lado médica e disse que seria um absurdo com a minha profissão eu deixar um garotinho de apenas dez anos andando por aí com o coração fora da caixa torácica, pelo amor de Deus que criança sabe falar caixa torácica?

– ele é uma figura mesmo, mas é inadmissível ele pedir dinheiro para alguém, como ele teve essa ideia? – falo me sentando na beira do sofá e colocando as mão sobre a cabeça, ela vem e senta ao meu lado me fazendo sentir seu perfume gostoso.

— Vai ver que é pelo fato dele escutar você me chamando de riquinha mimada — resmunga brava e eu quero estrangular o Lorran.

— eu tava irritado e você mereceu. — falo só para provocar e ela revira os olhos. — tá bom desculpa por te chamar de mimada, mas Lorran passou muito dos limites.

– Ele está assustado, olha eu passo os meus dias cuidando de pessoas com problemas cardíacos muito mais simples que uma ectopia cordis e mesmo assim as pessoas morrem de medo, imagina alguém tão novo quanto o seu filho, não o culpe por tentar.

– Ele foi diagnosticado ainda durante a gestação foi um choque eu li muito, quase beirando a obsessão apesar de serem poucos casos no mundo, e me preparei, na verdade me preparei para a morte dele a condição não era favorável. – minha voz sai embargada por lembrar tudo que senti naquela época. – Ele sobreviveu a primeira noite, mas para ele continuar vivo precisava fazer uma cirurgia super arriscada pois o intestino dele também estava para fora. os médicos mandaram eu me preparar para o pior e foi isso que eu fiz, mas ele viveu, e a partir daí eu procurei viver um dia de cada vez, apagando os pequenos incêndios quando eles apareciam.

– E a mãe do Lorran?

– Quando ela recebeu alta depois da cesariana ela sumiu. Deixou os papéis do divorcio e da guarda total do bebê,e nunca mais a vi.

– Que horrível que tipo de mulher faz isso?

– A Cecília Nogueira – falo e me viro para ela e aí percebo que ela está tomando vinho direto da garrafa.

– Não – ela fala chocada e cospe um pouco do vinho me fazendo rir – Você tá me dizendo que se casou e tem um filho com a Cecilia Nogueira? Praticamente um clichê de filme teen americano, o popular da escola se casando com a popular da escola um clássico.

– mas nos filmes a mocinha não foge largando o filho doente para trás – falo desanimado e ela me olha com pena. – e aposto que o filho do mocinho não sai pedindo dinheiro as pessoas para procedimentos médicos

– por que não um cirurgião local? Temos bons médicos aqui no Brasil, eu sou uma boa cirurgia cardíaca.

– mas você sabe que medidas feitas aqui são paliativas

– eu teria que dar uma olhada nos exames dele primeiro.

– Eu literalmente tenho uma mala cheia deles, mas para resumir o lorram não tem costelas, totalmente formadas, sei que tem termos médicos chiques para isso mas já tomei uma garrafa de vinho e não vou me aprofundar.

– para o coração dele voltar ao lugar ele iria precisar de uma prótese.

– isso, no brasil tem ótimas próteses, mas nenhuma que acompanhe o crescimento dele então temos duas opções...

– Ou vocês vivem fazendo cirurgias a medida que ele vai crescendo – ela me interrompe e começa a pontuar as coisas de maneira mais técnica – ou esperam ate a fase adulta, mas isso seria um risco constante para ele e a ultima opção seria uma prótese feita em impressora 3D onde a tecnologia avançada iria permitir que ela se desenvolvesse junto com ele, assim ele ficaria bem com só um cirurgia e acompanhamento especializado, vez ou outra algum procedimento pouco invasivo para corrigir alguma intercorrência.

– Mas essa tecnologia ainda não está disponível aqui, claro que há algumas pesquisas e estudos mas o doutor Fabrício é o maior em seu ramo, a anvisa nem mesmo tem diretrizes sobre o assunto, sendo assim nosso plano de saúde nunca aprovaria uma cirurgia experimental desse porte – conto e sinto meu peito pesado com o desânimo que me abate toda vez que penso nesse assunto.

– por isso o dinheiro...

– O médico inglês se disponibilizou a fazer a cirurgia de graça, mas nós teríamos que arcar com todo o resto e não só as passagens e hospedagem que já seriam caríssimas ainda tem que pagar o anestesista, o hospital, a internação e pagar pela prótese. Eu juro que estou tentando mas a cada dia.. – respiro fundo para não surtar por pensar nas dificuldades que venho enfrentando – me desculpa estar desabafando assim com você é porque as vezes tudo parece tão grande e impossível.

– Aceita o dinheiro, o que vou falar agora vai parecer muito arrogante e eu sei que a desigualdade social é horrível, mas é a verdade e não quero que você se ofenda, mas um milhão para minha família não é nada, os meus irmãos conseguem isso sentados atrás de um mesa em poucos minutos, tenho certeza que a Camilly usou mais que isso pra decorar a casa. Eu recebo bem mais que isso apenas por ser parte da diretoria. – como não sei o que dizer diante disso apenas me levanto pegando outra garrafa de vinho e uma taça para ela, nos sirvo e então bebemos em silêncio por longos minutos e só depois volto a falar alguma coisa:

– Eu não posso, não seria certo que tipo de homem eu seria aceitando dinheiro assim.

– Seria o tipo de homem que quer salvar o filho. Olha está muito tarde e você já bebeu muito vinho, mas amanhã, quando estiver sóbrio, pense com cuidado na minha proposta e se te faz sentir melhor seria um empréstimo. – ela fala e se levanta indo em direção a porta.

– Eu pensei que você me odiasse – falo abrindo a porta e me escorando nela depois que a Beatriz passa por mim.

– Eu odeio, mas felizmente o seu filho não tem culpa disso e aquele menino ganhou meu coração facilmente, ele é o motivo.

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