Capítulo 17
BEATRIZ
Esfrego as unhas com a escovinha macia e o sabão antisséptico, enquanto pela janela de vidro vejo o Lorran sendo preparado vestido com uma camisola hospitalar na cor verde e sua touca de cabelo do Ben 10, ele parece simpático conversando com o anestesista, mas já conheço o garoto o bastante para saber que ele está com medo. Seus olhinhos castanhos e curiosos observam tudo ao redor e seu pé direito se movimenta descontrolado de um lado para o outro demonstrando seu nervosismo.
Termino de me lavar, minha touca combinando com a do Lorran já está no lugar então entro na sala de cirurgia e logo uma enfermeira vem e me entrega um par de luvas e coloca a máscara descartável em meu rosto, me aproximo do campo estéreo e o meu menino sorri aliviado quando me ver. A sala está lotada de médicos, enfermeiros e técnicos, a galeria acima de nós também está cheia de estudantes e outros médicos todos curiosos com a condição rara que vamos operar hoje, já eu passo os olhos por todos os monitores para ter certeza que tudo está bem.
— Tia Bea, você não vinha nunca — Lorran falou assim que me viu — eu estava tentando enrolar aquele moço ali que vai me botar para dormir.
— E eu achando que a gente tinha ficado amigo — doutor Marley, o anestesista fala sorrindo.
— A gente é, mas nem por isso eu deixei de te enrolar, você entende né? — todos ao redor riem baixinho e o clima na sala fica mais leve. — Mas já que a Bea chegou você já pode me botar para dormir.
— Vou ficar o tempo todo aqui com você, gostei do look — brinco e ele sorri
— Vamos nessa Lorran, você vai contar de dez até zero para mim, vou colocar essa máscara em seu rosto e você vai respirar fundo — O anestesista fala, e já vai se aproximando com a máscara de oxigênio.
— Espera um pouco — Lorran grita e se senta de supetão quase caindo da maca, o que me dá um baita susto — Beatriz você pensou na minha ideia de tirar uma foto? Qual é tia, só umas fotinhas pra eu mostrar aos meus amigos. — diz fazendo carinha de cachorro que caiu do caminhão da mudança.
— Pessoal, vocês aí em cima estão preparados? — pergunto para a galeria e então, várias pessoas se aproximam do vidro com os celulares na mão apontados para nós — assim está bom?
— Irado! Pode me apagar agora doutor Marley.
— Você é uma figura, garoto, agora conta pra mim de dez a zero.
Finalmente a máscara é colocada sobre o rosto dele, vejo o anestesista liberando os remédios que foram programados pela bomba de infusão, são medicações para tirar a consciência, outros analgésicos potentes para que ele não sinta nenhum tipo de dor. Enquanto o anestesista faz seu trabalho fico o tempo todo segurando a mão do Lorran, que aperta meus dedos com toda força, mas aos poucos o aperto vai se afrouxando e então sei que ele perdeu a consciência. Vou para perto do grupo de médicos que conversam em um canto, todos falam em inglês para que o doutor Fabricio Gutemberg possa nos entender
— Junto com a ortopedia imprimimos uma prótese perfeita para o menino, como ele está na pré adolescência o modelo que vamos implantar vai se adequar pelo menos até a fase adulta. — Doutor Gutemberg diz apontando para a prótese que está em um carrinho cirúrgico perfeitamente embalada na proteção estéreo.
— Pelos meus cálculos o Lorran vai se tornar um adulto de porte alto, claro que é uma previsão levando em conta a estrutura óssea que ele apresenta agora, além disso o pai dele é grande e pelo que conversamos na entrevista a mãe da criança também. Com isso creio eu que na fase adulta ele vai precisar de um reajuste, mas nada tão invasivo como o que ele vai fazer agora. — Doutora Tuanne, a ortopedista dá sua opinião.
— O problema é que os ossos do tórax dele estão muito afastados — constato — se fossem um pouco mais unidos o crescimento dele não afetaria tanto a prótese.
— Ele está pronto — o anestesista anuncia acabando com nossa interação.
Todos se movimentam pelo centro cirúrgico como se estivéssemos em sintonia, cada um sabe seu lugar e o que deve fazer, o doutor Gutemberg é o líder então todos estão atentos aos comandos dele. Como não sou uma especialista na área pensei que ia ficar mais afastada apenas observando afinal de contas o próprio diretor do hospital, que é um cirurgião cardíaco renomadíssimo, está presente na cirurgia, porém me surpreendo quando ele chama pelo meu nome pedindo para que eu me aproxime.
— Como você foi a responsável por trazer esse caso até nós e sua a honra da primeira incisão. — O chefe fala e eu quero chorar de emoção nesse momento, mas mantenho meu total profissionalismo
— Você sabe o que fazer? a pele dele é muito sensível e você não pode ferir o órgão — doutor Gutemberg me pergunta.
— Eu estudei muito sobre a condição de ectopia cordis e treinei um pouco em uvas como cortar a pele delicada.
— ótimo, então a honra é toda sua.
Me posiciono do lado direito do doutor Gutemberg o foco de luz é ajustado e antes de começar leio os monitores para ter certeza que está tudo em ordem, respirou fundo duas vezes ficando totalmente concentrada no que tenho que fazer, quando me sinto preparada posiciono minha mão e digo.
— Bisturi, lâmina dez.
O corte e feito de maneira perfeita, o doutor Gutemberg me orienta em como devo agir e consigo realizar sem nenhum erro e principalmente sem lesionar o órgão, quando minha parte termina eu me afasto e os afastadores de tórax são posicionados e os outros cirurgiões tomam meu lugar junto ao Lorran é isso tudo agora está nas mãos deles e a mim só resta observar e rezar para que tudo dê certo
GRÉGORIO
— Nos deveríamos ter feito o aborto — Cecília fala de repente
Estamos no quarto de hospital, ela foi submetida a um parto cesariana a algumas horas, mas nós não pudemos ficar perto do nosso filho nos seus primeiros momentos de vida, pois ele teve que passar por uma cirurgia delicada. Tão pequeno...
Foi só no segundo trimestre da gravidez que por meio de ultrassonografia descobrimos que tinha algo errado com o bebê, durante este exame, foi detectada massa pulsátil anterior ao tórax, sendo diagnosticada mais tarde como ectopia cordis. Foi nos explicado do que se tratava a condição o coração e parte do intestino do meu filho estava fora do corpo, uma condição rara e com alta taxa de mortalidade, o aborto nesses casos é uma das opções, mas algo dentro de mim foi veementemente contra essa ideia e eu achava que com a Cecília foi a mesma coisa, pois prontamente ela recusou essa opção.
— Achei que você também não queria optar pelo aborto, nunca disse nada. — Falo olhando em seus olhos que ela logo desvia encarando a janela.
— Minha família sempre me julgaria por fazer um aborto eles iriam pensar que matei um ser inocente, mas agora vivendo essa situação eu me questiono se seguir com a gestação foi mesmo a escolha certa a se fazer.
— Não vamos pensar assim está bom, nosso filho vai precisar de nós dois quando a cirurgia acabar, principalmente de você que é a mãe dele.
— Isso se ele sobreviver — ela responde morbidamente e eu apenas me calo.
Horas depois os médicos vem nos avisar que a cirurgia ocorreu bem, o intestino foi totalmente colocado no lugar certo, mas o coração era mais complicado pois meu filho não havia formado o esterno que pelo que entendi e o osso que fica no centro do peito, os médicos preferiam esperar que ele se estabilizasse para tentar realizar outra cirurgia de correção.
Por mais que eu soubesse que ainda teríamos uma longa batalha pela frente eu me sentia extasiado por saber que o meu filho tinha sobrevivido, mas quando olhei para Cecília ela me parecia apática e indiferente, naquele momento eu soube que minha vida mais uma vez iria mudar drasticamente.
Saio dos pensamentos quando sinto alguém tocando meu ombro, dona Elisa coloca uma xícara de café a minha frente e eu agradeço, ela está fazendo o papel de mãe para mim nesse momento já que a minha pretinha partiu antes de ver o sonho dela se realizando, minha mãe Rita sempre torceu para que o Lorran se curasse e tivesse uma vida normal, foi ela quem estava junto comigo em todos os momentos depois que o Lorran nasceu e em todas as cirurgias que ele foi submetido já que a Cecília nos abandonou.
— Eu queria muito que a minha mãe estivesse aqui agora — confesso, e dona Elisa afaga meu braço.
— A Rita era uma ótima mulher, ela amava muito você e amava muito o Lorran, sei que onde estiver ela está cuidando dele agora, ela está pedindo a deus para guiar as mãos dos médicos e salvar o seu filho. — não respondo pois as lágrimas que descem pelo meu rosto me impedem de falar qualquer coisa.
***
Já são sete da noite quando vejo a Beatriz saindo da área restrita e vindo em minha direção, ela ainda usa a vestimenta azul e seu semblante me parece cansado. A sala onde estamos está lotada, nunca imaginei que teria o apoio de tantas pessoas: Benício, Bento, Camilly, Livia, dona Elisa, a minha ex sogra Sônia assim como meus amigos Luiz Carlos e Miguel vieram de Minas para me dar apoio. Vou ser totalmente grato a cada uma dessas pessoas pois se estivesse sozinho com certeza já teria enlouquecido.
Não consigo me levantar do lugar onde estou é como se as minhas pernas não me obedecessem eu quero saber o que houve, mas ao mesmo tempo se tudo tiver dado errado eu não quero escutar. A Beatriz para e se ajoelha a minha frente e quando finalmente tomo coragem para levantar meu olhar ela está sorrindo. Meu coração que estava comprimido dentro do peito parece se expandir e sem nem mesmo perceber caio de joelhos a frente dela.
— Você precisa falar, eu preciso ouvir com todas as letras. — Falo em meio as lagrimas, sem nem me preocupar desse monte de gente estar vendo um homem de quase dois metros de altura chorando como se fosse uma criança.
— Ocorreu tudo perfeitamente bem na cirurgia, não houve nenhuma intercorrência, o Lorran está agora no pós operatório dormindo feito um anjinho com o coração no lugar.
E com essas palavras eu desabo, a abraço e ela retribui me segurando eu não sei quantas vezes a palavra "obrigado" sai da minha boca, só quero que ela saiba o quanto sou grato por tudo que ela fez.
Ao nosso redor vários gritos de comemoração tomam conta e a alegria de todos é contagiante, mas nada se compara a felicidade e alívio que tomam conta de mim.
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