Dor física
- vai falar? – a voz da rainha dos humanos ecoou pela cela.
O príncipe dos monstros, Chara, mantinha o rosto abaixado, com sangue escorrendo de seus lábios e do topo de sua cabeça, aonde um grande corte recém aberto jorrava sangue.
Rainha na verdade era um termo incorreto, ela era a mãe do atual rei, Dominic Heaven, que olhava a tortura feita ao príncipe do lado de fora da cela, torcendo os lábios e desviando o olhar cada vez que a lâmina de Blair se aproximava da pele de Chara.
- responda garoto! – rosnou a rainha, puxando a cabeça de Chara pelos cabelos fazendo-o a encarar.
Chara, com as pálpebras caídas e olheiras enormes olhou para a rainha, seus olhos não brilhavam em vermelho, como deveriam, e se mantinham no tom real, Castanho escuro, estava vazio, não iam encontrar nada vermelho ali além de sangue.
Chara não ia falar, não contaria aonde a família real dos monstros estava escondida, não iria contar quem protegia a barreira ou se quer aonde que a barreira estava, não iria contar o que sabia sobre as almas.
Por Asriel, por Amiram, por seus pais, por Gaster, por Snow.
— não vou contar porra nenhuma pra você, humana podre. — Chara rosnou. — pode cortar minha pele o quanto quiser, obrigar seu maldito peão que chama de filho sugar minha determinação como quiser, quer me torturar? Vá em frente, vadia. Conheço meu coração, cresci como monstro, vou morrer como um. — ele sorriu, levantando os olhos cheios de ódio.
A rainha ficou vermelha de raiva, soltando o cabelo de Chara ela rosnou o jogando com tudo pra trás, mas a cadeira aonde estava preso impediu o príncipe de cair.
— faça-o falar Blair! — gritou.
Blair se encolheu, olhando Chara com dor nos olhos. Chara retribuiu o olhar com tédio.
— vamos campeão, continue cortando, quem sabe eu morra de hemorragia até o final do dia. — ele rosnou.
— cale a boca garoto! — gritou a rainha, dando um tapa em Chara com tanta força que o garoto cuspiu sangue.
— mãe, chega. — a voz grave de Dominic chamou a atenção da velha rainha.
— não até ele falar. — ela rosnou.
— Me perdoe, Rainha. — Blair falou, com o ódio transbordando da voz. — não vou cortar esse rapaz até ele se recuperar, a menos que você queira o matar de hemorragia.
O chão está inundado de sangue dele.
Chara riu alto ao ver a rainha fechar os punhos.
— Está me matando e não consegue suas informações, como se sente? — ele arregalou os olhos sorrindo. — Perdendo para os monstros porque não consegue falar um humano falar.
Ele riu de novo, puxando os punhos e fazendo mais sangue escorrer pelos braços mutilados.
— e sabe, não me matei ainda porque eu quero ver meu irmão matando você. — Chara sorriu sombrio, ignorando a dor lacinante que ardia em todo seu corpo. — porque eu te garanto que quando vocês perderem a guerra, você vai ser a primeira a ser executada, sua vagabunda podre.
Dominic jogou Chara no chão com cadeira e tudo, manchando as paredes de sangue.
Chara engasgou com o sangue, mas sentia vontade de rir.
Ofender a rainha e Dominic era a única coisa que pensava depois de dilacerar a garganta deles igual fizeram com Snow, estava fraco e preso, não conseguia fazer mais nada além de desejar. Sonhar longe demais, jamais sairia daquelas masmorras escuras de cristal neutro, pesado como se o mundo inteiro estivesse sobre os ombros do príncipe.
Chara morreria ali, e não sentia nada além de pesar por não poder ver Asriel de novo, queria sentir o cheiro de lavanda do irmão só mais uma vez antes de morrer, queria poder ouvir Gaster brigando com ele por imprudência, comer a torta de caramelo e canela da mãe, abraçar Frisk, ser manequim de Muffet, queria só mais um minuto com eles, pois começava a esquecer do timbre da voz de Asriel.
Como eram os chifres dele mesmo?
Como era o formato dos olhos de Frisk?
Qual era a cor dos olhos de Toriel?
Gaster tinha o quebrado em qual lado do rosto?
Como era que Asgore o chamava?
Os detalhes estavam apagados, não conseguia ver nas memórias embaçadas pela dor, esse desejo estupido o prendia ali, o peso do colar pendurado em seu pescoço por dentro do suéter, o maldito pingente de coração que Asriel havia lhe dado com um sorriso no rosto.
"Não mate e não seja morto"
Como queria morrer, como queria poder fechar os olhos e afundar na dor até não sentir mais ela, queria tanto esquecer, se permitir abandonar aquela vida.
Já havia quebrado uma parte da promessa, não sabia porquê insistia em tentar manter a outra, queria tanto ver Snow de novo, passar as mãos por seu cabelo cor de neve, seus olhos cores púrpura, abraçar Amiram chorando por não ter a protegido, e poderia fazer tudo isso se só desistisse.
Mas não conseguia.
Toda vez que pensava nisso lembrava de Asriel chorando ao lado da cama quando Chara desmaiou pela primeira vez quando sua alma transbordou, lembrava de Gaster entrando desesperado com a voz transbordando alívio ao ver Chara acordado, as lágrimas de alívio correndo pelo rosto de Asgore, e simplesmente não conseguia.
Ele andava no fio da navalha, estava sendo puxado pelos dois lados e não sabia qual escolher acompanhar, não sabia se seguia o vulto branco de olhos púrpura e a monstro Dragão de Komodo de quase 2 metros e meio com cabelos prata, ou se voltava pro monstro cabra de olhos esmeralda, pro humano moreno com voz grave, pra humana negra com senso de justiça intenso. Para onde seguiria? Qual dos lados escolhia?
Faria diferença ir para o segundo? Voltar para Asriel, Frisk, Mara? Iria se quer vê-los algum dia de novo? Era mais fácil desistir, Asriel iria brigar tanto com Chara... O príncipe conseguia ouvir a voz do irmão ecoando em sua cabeça.
"Como você ousou me abandonar!? Você prometeu ficar comigo! Você disse que não ia me abandonar até ser a hora certa!"
Será que veria Asriel sendo Rei? Se sentando naquele trono de prata da mãe? Veria ele se casando e tendo filhos?
Veria Mara feliz com alguém também?
Veria a filha de Gaster e Suyen?
Será que seria capaz de ver Omiron sendo a general dos monstros como Amiram era?
Teria chance disso algum dia? Queria tanto coroar Asriel, como planejaram quando pequenos.
Os olhos de Chara se encheram de lágrimas, que arderam ao escorrerem nos ferimentos abertos em seu rosto, queria tanto ouvir a voz de Asriel, nem que fosse dizendo que ele era horrível, que ele era podre e merecia morrer, queria tanto ouvir Asriel falando qualquer coisa, que Chara dormia demais.
Se tivesse outra oportunidade ele nunca mais diria que Asriel era muito protetor, comeria qualquer comida que Papyrus fizesse, por mais ruim que fosse, não brigaria com Gaster quando ele obrigasse o príncipe a comer feijão para repor o ferro no sangue, aproveitaria cada fodendo segundo em vez de dormir o dia todo. Faria qualquer coisa que pedissem se apenas pudesse os ver de novo.
A dor da tortura era a que menos doía.
Nunca havia dito que amava Snow, nunca havia ganhado de Amiram numa batalha.
E prometera a general que cuidaria de sua filha.
Chara não iria desistir, sabia que nunca mais veria nenhum deles, que iria morrer ali na melhor das hipóteses, mas se tivesse só mais uma chance, ele iria manter todas essas malditas promessas.
Ele se cuidaria por Gaster.
Ele protegeria Omiron por Amiram.
Ele seguiria sua vida por Snow.
Ele seria o melhor amigo para Mara.
Ele seria o príncipe dos monstros pelos monstros.
Ele choraria sempre que precisasse por Asgore.
Ele viveria por Asriel, independente de o quão forte a dor fosse, não abandonaria o irmão por nada nesse mundo.
Faria tudo certo, seria o monstro perfeito por Toriel, por mais que ela nunca fosse o ver assim.
Veria aquele maldito pirralho cínico e teimoso sendo o maior rei desde Mirabel Dreemurr, colocaria a maldita coroa da mãe na cabeça dele e o declararia rei. Veria Melyssa e ele se casando, tendo filhos. Veria Mara sendo a justiça mais forte que já existiu, veria Omiron ficando mais forte que ele, veria uma porra de um campo de dentes de leão algum dia.
Só queria mais uma maldita chance.
As cordas se soltaram e a porta da cela bateu, Chara caiu no chão sem forças pra se manter na cadeira, estava fedendo sangue e mofo, mas seus cabelos ainda tinham um leve cheiro de canela, o cheiro que Asriel adorava, o cheiro que Snow dizia odiar.
O príncipe gemeu, mas reuniu forças para levar a mão até o peito e segurar o coração de ouro por baixo do suéter rasgado.
Chorando silenciosamente, com os olhos embaçados pelas lágrimas salgadas, os lábios quebrados e doloridos tremendo.
Ele viveria por Asriel.
Viveria pelo bebê chorão dele.
Por seu irmão.
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