Alguma coisa

Asriel não tinha tido o luxo de pregar os olhos desde que Chara saira
Estava com ódio, raiva absurda do irmão, mas não conseguia dormir enquanto o garoto não voltasse para Asriel gritar em sua cara que era um pirralho imaturo, que agia de maneira imprudente e idiota.

Haviam discutido, feio.

Amiram morreu, e a culpa era de Chara, apesar de Asriel negar isso a si mesmo, a culpa era de Chara.
Chara que correu quando ela implorou para ele parar, Chara que atacou e abaixou a guarda, Chara que era o alvo daquela lança, não Amiram.

E Chara que surtou quando isso aconteceu, os gritos do irmão ressoavam nos ouvidos do herdeiro, na hora, Chara não pensou, ele quebrou a lança, avançou sobre o humano, mais humanos atacaram. Mas Amiram o segurou e o tirou dali, o levando o mais longe possível dentro da floresta.
Asgore que encontrou Chara deitado soluçando na grama sobre poeira, e Asgore que de alguma maneira trouxera a poeira da General e a derrubou sobre as flores douradas.

Quando Chara voltou, tinha sangue escarlate nas roupas, os olhos marejados e uma lança laranja nas mãos.
Mas quando viu a poeira da general posta sobre as flores douradas, ele caiu, como se algo tivesse quebrado, e gritou, tão alto que Asriel parecia sentir que os vitrais quebrariam, Chara gritou, e socou a parede com tanta força que rachaduras se espalharam, e depois chorou, chorou e chorou por quase uma hora inteira.

Asriel não se lembrava direito dos detalhes, mas confrontou Chara, ele chamou o príncipe, que o olhou com os olhos marejados.

"Você desobedeceu ela."

Foi só o que disse, e quando se deu por si de novo, segurava os punhos de Chara com as mãos incendiando fogo dourado

Chara chorava, mas gritava com Asriel e se debatia, não gritos de dor, gritos de ódio, pesar, luto. O cheiro acre de carne queimada inundou as narinas de Asriel. E Asriel o soltou, percebendo o que fizera ao irmão.
Chara não encostou nos pulsos, queimados e começando a dar bolhas, se Asriel tivesse segurado por mais um minuto teria arrancado a pele de Chara.

Mas Chara não ousou reclamar da dor, ele chorou, mas era de luto, culpa.

"Eu sei que é minha culpa, Asriel. Não precisa marcar isso na minha pele, já está marcado suficiente."

E foi embora, atravessou a barreira e sumiu na floresta.

Era a primeira vez em anos que chamava Asriel pelo nome. E não de Azzy.

Apenas quando a raiva parou de o cegar que Asriel lembrou, lembrou de tudo que havia dito para Chara, lembrou de cada insulto, cada xingamento.
Mas principalmente do que fez Chara perder a expressão durante a briga, que fez seus olhos escarlates apagarem e ficarem castanhos, um castanho profundo e manchado de dor, uma dor invisível.

"Você nem é meu irmão, é um humano idiota que mamãe achou que seria boa ideia adotar."

A briga escalou rápido, e quando Chara saiu, Asgore chorava silenciosamente atrás deles, olhando Asriel com uma tristeza profunda que não podia ser explicada em palavras, Asgore não falou nada, ele apenas cobriu a poeira de Amiram com flores e silenciosamente saiu, deixando Asriel sozinho.

Isso já havia acontecido a quase quatro horas, e Asriel permanecia parado na frente da barreira, encostado contra a parede de pedra, imóvel, com os olhos vidrados para frente.
Ele sentia o corpo doer, a magia queimando dentro de si, e seus pensamentos gritavam.

Asriel fez questão de remoer cada coisa que Chara falará para ele, mas Chara não chegou a insulta-lo, o que facilitou para Asriel conseguir chorar de raiva, raiva de si mesmo.

Como pode falar aquilo para Chara?

Melyssa tinha vindo falar com o herdeiro a algumas horas, mas Asriel a dispensou em alguns minutos, seco e educado, sincero.

"Melyssa eu preciso ficar sozinho, então saia."

Melyssa não voltou, ninguém mais veio. Nem Hisaky, sua guarda pessoal não ousou passar pela barreira.

Asriel era grato, se qualquer um aparecesse ele não conseguiria manter a linha, não enquanto Chara não passasse por aquelas malditas árvores escuras, coberto de sangue seco e com cara de morte, não. Asriel não voltaria pro subsolo enquanto não abraçasse o irmão e sentisse seu cheiro intenso de canela misturado com aquele cheiro podre de sangue humano, não enquanto não pedisse desculpas a Chara pelo que havia dito.

"Você nem é meu irmão, é um humano idiota que mamãe achou que seria boa ideia adotar."

Os olhos de Asriel se encheram de lágrimas, de novo, escorreram por suas bochechas mas Asriel não se mexeu.

"Você nem é meu irmão."

Asriel era um irmão horrível, e Chara era perfeito, nunca havia desmerecido Asriel, nem em suas brigas havia brincado com suas emoções, o ofendido.
Não havia feito isso nem quando Asriel quase arrancou a pele de seus pulsos.

"É um humano idiota que mamãe achou que seria boa ideia adotar."

Asriel mordeu a língua com tanta força que o gosto de sangue monstro, aquele líquido tal quente quanto lava, inundou sua boca, e as lágrimas fervendo embaçaram sua visão periférica.

"Eu sei que é minha culpa, Asriel."

Era, era tudo culpa de Chara, humano irresponsável e imprudente, teimoso que nem uma mula, irritantemente persistente e... Determinado.
A determinação dele apagará quando escutará o que Asriel falou, a regeneração evitando que sua pele queimada curasse. Chara deixará os ferimentos abertos ali, marcas eternas do que Asriel fizera, nunca sumiriam, não agora, não com a intensidade que foram queimadas.

Chara era masoquista o suficiente pra deixar aquelas queimaduras marcadas em sua pele até o dia que morreria, e obrigaria Asriel a ver elas pra sempre, relembrando o quão ruim ele era.

A garganta de Asriel parecia estar fechada, era difícil respirar. Asriel soluçou, levando uma das mãos até o rosto, chorando silenciosamente, era um irmão horrível, merecia ser punido por isso, mas não dá maneira que Chara fazia, não punindo a si mesmo no caminho, não, Chara deveria gritar na cara de Asriel isso, não marcar a si mesmo pra isso, não podia se punir junto.

Asriel soluçava, e apertava as garras da outra mão contra a palma da mão, como pode fazer aquilo com Chara? Como pode perder os limites daquele jeito?

Passos na grama chamaram sua atenção, o herdeiro levantou o rosto, caçando o responsável, esperando ver Chara atravessando a sombra das copas das árvores e se aproximando, mas não era Chara.
Era Mara.

— Mara? — Asriel perguntou, com a voz embargada.

— Asriel! — ela chorava, ofegava e tinha uma mancha de sangue na lateral do corpo. — O Chara- — ela caiu de joelhos, ofegante e apertando a mão contra o corte na lateral da cintura.

Asriel correu até ela, as pontas de suas unhas soltavam fumaça, seus cabelos estavam desgrenhados e bagunçados, ela estava suada, veio correndo da cidade até ali? Eram quase 5 quilômetros no meio de uma floresta densa e cheia de declínios entre as raízes.

— Mara. — ele abaixou, a pegando no colo, ela grunhiu, tossindo um filete de sangue que sujou o suéter verde do herdeiro.

— o Chara- ele- — os olhos dela se encheram de lágrimas de novo. — pegaram ele, Asriel! O rei, ele pegou o Chara!

Ela chorava, de dor, de luto, desespero.

Os joelhos de Asriel fraquejaram, o mundo inteiro ficou silencioso, parecendo pesar nos ombros do herdeiro.
Ele apertou as mãos contra Mara, o calor da garota deixando implícito que era real, ela era real, Asriel não estava sonhando, não estava alucinando.

Mara enfiou a cara no peito de Asriel, soluçando alto e grunhindo de dor com o corte na lateral do abdômen. O quão profundo era aquilo?

Asriel não conseguia se mexer, os ouvidos zuniam tão alto que ele mal ouvia os soluços da garota em seu colo.
Não conseguia pensar em levá-la pra dentro para verem aquele corte, não conseguia pensar em como ela conseguiu aquele corte.

Chara tinha sido capturado.
E a culpa era de Asriel.

O corpo inteiro de Asriel estremeceu tão forte que ele quase caiu, mas apertou as mãos, uma pequena parte racional dele mantendo Mara em seu colo com firmeza, se ela caísse ela perderia muito sangue, ela já estava perdendo muito sangue.
O fedor de ferro que o sangue humano tinha fez Asriel voltar a si, não o suficiente pros ouvidos pararem de zunir, com sua mente gritando tão alto que sua cabeça doía.

"Pegaram ele, Asriel!"

Asriel gritou, tão alto que mal entendeu o que disse, mas chamou Hisaky, chamou qualquer um que viesse.

Melyssa saiu, mas Asriel não viu o rosto dela, nem o de Hisaky, nem o de Undyne, nem o de Asgore.

Ele não se lembrava de entregar Mara para algum deles, não lembra de começar a correr pra cidade, não lembra de ter caído contra uma árvore e ter arranhado o rosto.
Tudo que lembrava era da voz de Mara.

"O rei, ele pegou o Chara!"

Asriel não parou pra respirar, ele corria o mais rápido que conseguia, seus pulmões queimavam tão forte que parecia que ele respirava fogo, mas ele não fez questão de parar e recuperar fôlego, era resistente a calor, isso era o de menos, Chara foi capturado e a culpa era dele.

"Você nem é meu irmão."

Asriel chorou, o vento batendo no rosto tão forte que as lágrimas gelavam antes mesmo de encostar nas bochechas.

"Pegaram ele, Asriel!"

O Rei capturou Chara, e a culpa era de Asriel, a culpa era dele, o irmão fora pego e a culpa era dele.

"Você nem é meu irmão."

Quando Asriel chegou na cidade, mal conseguia ficar de pé, mas não parou pra recuperar fôlego, ele pulou pela barreira de bondade, transformando o fogo em uma espada e quebrando a barreira com tanta força que o som de vidro quebrando ecoou, mas ninguém veio ver o que era.

Asriel correu, centro da cidade, tinha que ser ali, não perguntou para Mara aonde era, tinha que contar com a sorte.

A cidade estava estranhamente silenciosa, e ninguém saiu pra ver Asriel chegar a praça das estátuas, aonde uma estátua de 5 metros de Mirabel Dreemurr, bisavó de Asriel, e Enrys Ouranôs, primeiro rei dos humanos, estava.

Tudo fedia a sangue, e tinha sinais de luta por todos os lados, do lado de Mirabel tinha um corpo, tinham vários corpos espalhados pelo lugar, mas Asriel reconheceu aquele.
Os cabelos cor de prata refletiam a luz da lua, mas em vez de estarem presos em um rabo de cavalo baixo, estavam soltos e bagunçados, sujos e ensanguentados.
A garganta dilacerada e a pele pálida fizeram Asriel desejar estar vendo errado, desejar que as lágrimas estivessem tão aparentes que o fizessem confundir.
Mas ele sabia que não estava vendo errado.

Cálix estava ali, o rapaz de cabelos prata e olhos púrpura que fizeram Chara ficar vermelho mais cedo, que fizeram os olhos do príncipe brilhar de novo desde Menteus, Snow estava ali, sentado aos pés de Mirabel, tão ferido e machucado que mal era reconhecível, os olhos estavam opacos, e em vez de roxo, estavam azuis cristal, a cor real de seus olhos.

Asriel curvou o corpo e vomitou, tão forte que seu estômago pareceu querer sair junto por sua garganta, o cheiro de sangue inundando tudo, a imagem da garganta rasgada de Snow faziam Asriel querer vomitar de novo, mas o herdeiro não tinha mais nada no estômago.

Chara fora capturado.
E mataram o cara que ele estava apaixonado.
Chara deve ter surtado, perdendo três coisas no mesmo dia, foi a gota d'água pro príncipe, e aproveitaram-se disso.

Asriel chorou, gritou com tanta força que ficou esperando alguém aparecer, mas os olhos curiosos atrás das cortinas das casas não vieram até ele.
Asriel juntou as forças que o restavam, não podia ir atrás de Chara, não sozinho, não assim, precisava de ajuda.
Ir até lá agora, sem um pingo de razão na cabeça iria matar ele e o príncipe, e não podia suportar a ideia de ver Chara morto, se Asriel fosse obrigado a ver Chara morrendo, não conseguiria viver de novo.

Mas não iria deixar o corpo de Snow ali, nem que levasse a noite toda, mas por Chara, ele iria honrar aquele homem, e não deixaria seu cadáver apodrecendo aos pés da estátua da bisavó.

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Estou orgulhoso
Isso tá ótimo :^

PN vai ficar louco quando eu escrever de novo

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