A dor dela

Desde o primeiro dia de Júlia. Eu pessoalmente me encarreguei de lhe explicar o sistema e as demais tarefas.

Todas as vezes em que eu quase perdi o controle, meu pai aparecia e rapidamente eu esquecia tais pensamentos. Meus relacionamentos se tornaram minha fuga. Nunca mais ousei ficar mais que quinze dias sem alguém.

Depois da chegada dela, percebi que o racismo de meu pai não era tão velado assim. Neste quase um ano, ele praticamente não dirigiu sua palavra  à ela. Tudo bem que ele não aparece tanto por aqui assim. Mas a evita descaradamente.
Até mesmo me parabenizou por ela ser tão organizada e sobre como ela deixou a sala de reunião mais charmosa com seus pequenos toques. Ideia de Thales quando viu a mesa dela com alguns detalhes que faziam toda a diferença de modo discreto.

Ela também organizou vários coffee break para algumas reuniões mais importantes. O primeiro resultou na demissão de Valéria. Thiago percebeu o olhar que ela lançava a Júlia e mais tarde colou o ouvido na porta do banheiro feminino e escutou a cobra destratando-a. Foi rua na hora e Julia segurou as pontas junto com Rafaela, até uma nova assistente ser contratada.

No geral temos uma boa convivência, apenas quando me concentro em seus lábios que as coisas quase saem um pouco da linha, acabo tendo que me "refugiar" na sala de um dos meus irmãos por alguns minutos
*
Ano passado ela se formou com louvor e tive receio que ela saísse daqui.
Ao mesmo tempo me questiono se não teria sido melhor assim.
*
Acabamos criando um certo carinho por Júlia. Apenas dentro da empresa. Também! Seria impossível não ser assim, ela é tão meiga e prestativa.

Nunca flertei com ela ou ela comigo, mas tem coisas que notamos no olhar.

Thales e o que mais conversa com ela além de mim. Ele já entra mais no pessoal, querendo sempre saber dos namorados e até mesmo sobre a saúde de sua avó, que recentemente ficou com sérios problemas de pressão alta e diabetes.
Soubemos, porque algumas vezes Júlia teve que chegar mais tarde para lhe acompanhar ao médico. Ele também me contou com naturalidade que Julia tem um namorado há seis meses. E eu com isso? Espero que se casem e sejam felizes. Claro que tudo isso sem ela deixar a empresa. Julia se tornou essencial para que eu produza com louvor. Sem ela fico perdido. Descobri isso com seus atrasos justificados.

Acabo sempre vindo trabalhar sorrindo, porque sei que ela estará aqui para me receber com seu sorriso tímido. Se não fosse por meu pai...

-Thomas, eu preciso sair agora, minha avô passou mal e foi levada as pressas para o hospital. -entrou com os olhos arregalados, me tirando dos meus devaneios.

-Calma Júlia! Respira anjo. -apressei-me em levantar e ir ao seu encontro.

Contra tudo que evitei ao longo do tempo, à abracei tentando acalmá-la.

Minha porta estava escancarada; Thales passava na hora e entrou.

-O que foi Júlia? -Ele questionou percebendo seu nervosismo.

-Minha avó, eu só tenho ela. -explicou ainda em meus braços deixando a primeira lágrima rolar.

-Thales, vou levar Júlia para ver à avó, ela não tem...

-Vai, pode ir. Cuida de tudo que for necessário e me liga assim que tiver notícias. -instruiu, me interrompendo.

-Não precisa Thomas, Eu pego um táxi. -falou com a voz trêmula.

-Eu te levo. -peguei sua não e deixando tudo pra trás, a levei para o elevador. Rafaela veio correndo me entregar a bolsa dela e Thiago que saia o elevador. Desceu conosco enquanto eu lhe falava o ocorrido. Ele abraçou Júlia. Fato que me deu um desconforto e depois mandou eu ligar com notícias.

Entramos no meu carro e ela me falou o nome do hospital na Penha, Zona Norte do Rio. Fomos em silêncio e meu coração doía cada vez que eu lhe olhava e ela deixava uma lágrima rolar. Cada toque do seu celular, eu e ela prendiamos a respiração. Isso quando não era ela a ligar.

Quarenta e cinco minutos depois...

Estacionei na rua de acesso a emergência e ela desceu sem olhar para trás. Na porta foi abraçada por algumas pessoas e um cara se aproximou a abraçando mais forte e deixando um beijo em seus lábios. Eu que já estava perto dela, fechei sem perceber meus punhos.

Uma enfermeira que aparentemente conhecia Júlia e dona Cleuza, saiu do hospital com os olhos baixos. Júlia imediatamente soltou o cara e foi ao seu encontro. A enfermeira a abraçou e falou algo em seu ouvido. Julia deu um grito doído de NÃO...

Um flesh, passou em minha mente e meus olhos encheram, eu entendia exatamente o que ela estava sentindo.

Dei dois passos em sua direção e fui agarrado por ela que soluçava descontrolada. Senti suas pernas falharem, a peguei no colo, aceitei o copo de água que alguém oferecia e fui com ela de volta para meu carro.

Abri a porta do carona e me sentei mantendo ela junto a mim, em meu peito.

-Bebe um pouco anjo, você precisa se acalmar. -ela apenas nega com a cabeça e continuou chorando agarrada em mim. Eu queria ser capaz de diminuir sua dor, mas sabia que isso era impossível.

Alguns minutos de passaram e seu choro, agora era silencioso.

-Eu quero vê-la. -pediu limpando as lágrimas.

-Ainda não, fique mais um pouco aqui comigo.

A tal enfermeira se aproximou e lhe ofereceu um calmante, ela dispensou.

No seu habitual tom baixo de voz, começou a falar da relação dela com a avó, sorriu algumas vezes.

Alguns minutos depois, meu celular toca.

-Oi irmão. -falei com Thales.

-E aí?

-Ela está mal. -limitei-me em dizer.

-A avó faleceu?

-infelizmente.

-Puta que pariu! -esbravejou Thiago do outro lado. Na certa a ligação estava no viva voz.

-Dê todo o suporte que ela precisar.-acrescenta Thales

-Obrigado! Estou fazendo isso. Tchau.
-me despedi dele e passei a mão nos cabelos dela que me olhava um pouco perdida.

-Obrigada! -Agradece mantendo seus  olhos vermelhos sobre os meus. Seus lábios estavam tão próximos aos meus...

-Meus sentimentos amor. -fala o tal sujeito se abaixando na frente de nós dois.

-Ai Cesar! Minha vozinha se foi.

-Vai passar. -diz perdendo a chance de se calar.

-Isso não passa idiota, isso adormece imbecil. -tive vontade de dizer.

-Já estou mais calma, eu quero realmente vê-la. -reforça, ainda em meu colo.

-Vamos. -fala ele, lhe estendendo a mão e fachando a cara ao me olhar. Ela levanta segurando sua mão, mas ao estar de pé, estende a outra para mim.

O cara faz cara de revoltadinho e a solta, eu também solto sua mão, mas  a seguro pela cintura.

A mesma enfermeira nos conduz para o subsolo do hospital.

Eu começo a ficar nervoso, mas me recuso a deixá-lá sozinha.
Uma porta de abre e nos é permitido a passagem.

Dona Cleuza, parecia dormir sobre a maca fria. Júlia se aproxima e acaricia o rosto da senhora.

-Chega de tantos remédios né vozinha? Dá um abraço bem forte na mamãe por mim. Agora ela que vai cuidar da senhora. -suas lágrimas rolaram e eu controlo as minhas.

Depois de poucos minutos, a chamo para sairmos e ela aceita sem protesto.

Na saída da sala, um cara de uma  funeraria me entraga um cartão, Júlia o pega da minha mão e eu o pego de volta.

-Deixa que resolvi isso.

-Não precisa.

-Precisa sim anjo.

Caminhamos para fora e uma jovem com um bebezinho se aproxima, beija Júlia e olha para mim me agradecendo.

-Vem vamos tomar um café. -Chama. Acho, que nós dois.

Nos sentamos na cantina e Julia fica olhando pro nada enquanto a jovem vai buscar o café.
Quando sua amiga senta, eu me levanto para resolver o velório.

Ficamos calados e nossos cafés esfriaram, o tal Cesar se sentou ao nosso lado e o marido da amiga chegou e disse que as levaria para casa e a ajudaria ela nos papéis. Apresentei ele ao cara da funerária e parti deixando ela com os amigos. Mesmo não sendo isso que eu queria.
Me despedi deixando um beijo em sua testa, lhe falando que eu ligaria mais tarde e que qualquer coisa poderia me ligar, entreguei meu cartão ao marido da amiga.
*
À noite liguei para ela, e o tal Cesar atendeu dizendo de maneira grosseira, que ela estava dormindo por causa do calmante.
*
Na manhã seguinte, Rafaela foi dispensada para ir ao enterro.

Eu até pensei em ir, mas isso poderia trazer problemas. Meu pai estava na empresa e íamos receber um grupo importante de Madri.

Meu pai anda cada vez mais calado e aparentemente sua tristeza está mais evidente. Ja tentei conversar com ele e nossas conversas terminam sempre com ele se afastando e jogando uma indireta para eu me manter longe de Júlia. Às vezes até ameaça despedi-lá.

À tarde ela mesmo me ligou agradecendo.

-Esquece isso Júlia, se precisar de algo me ligue. -claro que eu não a chamaria novamente de anjo, ontem foi um momento de fraqueza, que não deve é não vai se repetir. Tê-lá em meus braços, mesmo que em um momento de dor, foi o suficiente para me tirar o sono.

Júlia se ausentaria por três dias e eu me senti um egoísta por querê-la aqui. Mesmo sabendo de sua dor.

Esses três dias foi quase um caus. Júlia conhece cada pasta e ver Rafaela fazendo a tarefa dela me deixa mais desnorteado. Parece que ninguém tem a capacidade dela.
*
THEODORO

Até agora o detetive não encontrou Silvania

Entro em meu escritório e pego a carta que a mesma me escreveu anos atrás.

Quero dinheiro para tirar essa coisa de dentro de mim. Faça isso o mais rápido possível ou Helena saberá que você me agarrou gostoso dentro da casa dela.
Imagina a cara daquela lesada ao saber que seu amado marido racista comeu a empregada negra?

Lembro-me que fui pessoalmente falar com ela. Pedi que não o fizesse, mas sei que no fundo desejei sim que ela acabasse de uma vez com aquela história. A filha da puta tinha nos filmado e disse que ia mostrar a Helena se o bebê nascesse. Eu não podia suportar imaginar minha mulher assistir aquilo.
Aquele dia com Silvânia foi fora de tudo o que já fiz. Eu estava louco. A bebida apenas aumentou meu desejo naquele dia. Nunca transei assim com minha mulher. Tratei Silvania com puro tesão, perdendo totalmente o controle. Soquei fundo e gemia puxando seus cabelos rebeldes. Foi realmente um sexo selvagem. Mas foi apenas isso. Me senti inojado assim que Thiago entrou na área de serviço com a chupeta na boca e com seu andar atrapalhado. Ele me olhou como se entendesse tudo. Meu corpo suado, minha calça arriada e o vestido de solange levantado. Seus olhinhos se encheram e quando me afastei para pegá-lo no colo. Ele chorou e bateu em meu rosto. Eu tapa leve. Eu merecia uma surra.
O arrependimento foi instantâneo, assim como a culpa.

Durante a semana do ocorrido. Silvania começou a se insinuar pela casa e Helena me questionou. Não tive como mentir. Ela mandou Silvânia embora e a mim também. Mesmo eu lhe dizendo que foi apenas uma idiotice, ela não quis me perdoar.
Um mês depois, Silvania me enviou a cópia do exame positivo. Eu fiquei perdido, tentei achar Helena, mas ela havia sumido. Fato que me deixou mas nervoso.

Quando quinze dias depois, me enviou o exame de sangue negativo. Me senti podre pelo que paguei para ser feito. Me senti um lixo e pedi perdão a Deus. Chorei tanto aquela noite que acabei bebendo e ligando para Igor. Ele não estava no Brasil, mas me ouviu. Foram dias terríveis. Mesmo Helena tendo voltado para casa, ela não aceitou me ver.

Aí como obra do destino. Exatos três mêses depois, Helena me conta que está grávida. Era Deus me dando uma chance de consertar meu erro. Eu jurei abraçado a seu ventre que amaria aquele bebê como se fosse meu. Que o protegeria de tudo e todos. E assim tenho feito. Thomas era a minha redenção. A chance de fazer tudo certo. Foi tão fácil perdoá-la, que ela acabou fazendo o mesmo comigo.

-Eu preciso achar meu filho.

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💋Aline Victal💋💋.

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