Lampejo
"Se meus inimigos pararem de dizer mentiras a meu respeito, eu paro de dizer verdades a respeito deles".
Adlai Stevenson
Nas primeiras aulas, Yasmin não deixara a mente descansar, procurando uma forma de punir Leona. Necessitava da retaliação com urgência. Mas só após vestir o uniforme de limpeza e seguir para a quadra da escola que um plano brilhou em sua mente vingativa. Iria acabar com a reputação de boa moça de Leona.
— Ei, Yasmin! Vai ficar admirando o quadro de aviso por quanto tempo enquanto tiro essas... Coisas? – reclamou Marina raspando com uma espátula uma massa acinzentada que esperava ter sido de chiclete um dia.
— Tive um lampejo.
— Ótimo! Enquanto "lampeja", que tal colocar as mãozinhas pra trabalhar? – retrucou raspando com força uma massa enorme de procedência desconhecida.
Com um sorriso vitorioso, Yasmin foi limpar os bancos, imaginando a cara de Leona quando colocasse seu plano em ação. Sua felicidade só cessou quando, ao retirar as luvas, viu que uma de suas delicadas unhas estava trincada.
— Ela me PAGA!
*S2*
Fora uma semana quase improdutiva.
Não conseguira falar com Leonardo. Ele simplesmente sumia nos intervalos e na saída do colégio, nem mesmo no fim de semana o encontrara. Também não conseguira falar com Marina ou Yasmin, ambas passavam os intervalos e meia hora após as aulas aos serviços do colégio. Por celular tudo lhe parecia tão frio que parara de telefonar.
Em compensação, André, com quem passava todos os intervalos, lhe dissera que Yasmin tinha um plano que colocaria em ação o mais rápido que conseguisse, porém não explicara para Marina – que fora quem passara a informação para André — o que era e nem quando de fato ocorreria. Davi, que também ficava ao seu lado nos intervalos, após pedir desculpas, prometera não impor seus sentimentos e nunca mais insultar Miguel. Ele também estranhava o sumiço do Moreira. E, por fim, teve aquele breve momento em que Miguel quase a beijaria.
Ajeitou o uniforme e se olhou no espelho, a centelha da esperança a fez sorrir minimamente. Era o dia da aula de Tarefas Domésticas e Miguel teria que sentar ao seu lado. Era tolice esperar que essa proximidade forçada fizesse Miguel mudar de ideia? Se fosse, era a maior tola do universo.
*S2*
O tumulto e o burburinho da entrada do colégio estavam piores naquela manhã de terça-feira. Havia um garotinho distribuindo um panfleto para todos que seguiam até o portão aberto. Sem a menor vontade de carregar um papel desnecessário, Leona o ignorou e seguiu seu caminho.
Nos últimos dias caprichava na maquiagem, exalava um perfume exótico e fazia tudo para atrair a atenção de Miguel. Infelizmente o uniforme não ajudava, mas tinha de trabalhar com o que podia. Desejava conquista-lo antes do fim de semana, assim no sábado poderiam passear como dois enamorados.
Estava absorta nas cenas românticas em sua mente e não reparou nos pescoços que viravam, nos risinhos e nos comentários indelicados e maliciosos que eram soltos ocasionalmente por onde passava.
— Leona! – Ouviu a voz de Cássio ao longe. Fez questão de ignorar. – Leona!
Percebendo que não adiantava só chamar, Cássio a alcançou e segurou seu braço.
— O que foi imbecil?
— Só queria mostrar como somos fotogênicos – respondeu com um sorriso abusado.
— Pirou?!
Ele estendeu um papel na altura de seus olhos.
— Que porcaria é essa?! – questionou incrédula, agarrando a folha para picota-la em mil pedaços.
— Destruir esse não vai adiantar – comentou Cássio com a zombaria que lhe era comum e a irritava. — Todo mundo recebeu um e agora somos o assunto do momento.
Observou ao seu entorno. Era o centro das atenções.
— Leona e Cássio, que bom encontra-los juntos. – Ouviu a voz insuportável de Daniel, que se materializando a sua frente. – A diretora os chama.
*S2*
Depois de receber a maior bronca de sua vida, Leona retornou a sala de aula e evitou olhar para os colegas. Mas o falatório era audível até para quem não tinha interesse no assunto.
— Hoje a aula será especial – informou Kátia. – Todos me acompanhem ao auditório.
Cabisbaixa, Leona seguiu os colegas, fazendo questão de ficar muitos passos atrás deles.
— Desculpe retira-los de suas salas – começou a diretora em frente a uma tela branca. – Devido a um acontecimento lamentável e o conselho de um aluno. Decidi passar o filme A Classe para todas as turmas no dia de hoje, começando pelo terceiro ano. — Desceu do palco e sentou na primeira fila.
As luzes se apagaram e o filme começou. Todos ficaram atentos ao desenrolar da história e, ao fim, os alunos continuaram em seus lugares, a espera das luzes acenderem e terem permissão para voltar às aulas, mas, pouco depois da cena final, a tela ficou preta, piscou com um chiado e outro filme, em preto e branco, começou. Porém, para surpresa de todos no auditório, as cenas se passavam no refeitório do colégio.
Leona afundou em sua poltrona quando uma imagem de si apareceu subindo em uma mesa, ficando de frente para Marina e André, seu corpo inclinado em direção ao casal. Ficou mortificada quando a cena se repetiu, agora com um close em suas mãos que, habilidosas, espetavam a caixinha de suco atrás de si com a fina agulha de uma seringa. A tela chiou novamente, apareceu Sophia bebendo o líquido, close no horário. Novo chiado, Sophia sendo carregada por Miguel e um close no horário. As imagens cessaram e, pelo olhar que a diretora tinha ao procura-la nas fileiras, Leona antecipou o que aconteceria e tremeu de medo.
*S2*
Na saída, acompanhada pelos colegas, Sophia, Marina, André, Mauro e Carlos, Yasmin era só felicidade. Não só afundara a reputação de Leona, como foi abençoada com a revelação de que era inocente na crise alérgica de Sophia. Além disso, apesar de ter passado o intervalo limpando a sala de ciências, Patrícia as dispensara do "castigo" no fim das aulas. Esperava que em pouco tempo fossem dispensadas totalmente.
— O que acha que vai acontecer agora? – Marina questionou, apertando o corpo contra o do namorado, que a abraçava pelos ombros.
— O óbvio: Leona vai ser expulsa e nos receberemos nossa carta de liberdade.
— Ela não expulsou vocês – recordou André.
— Por falta de provas, e porque tivemos o melhor advogado do mundo do nosso lado: Meu pai.
— A Sophia também ajudou – disse Marina olhando agradecida para a amiga parada ao lado de Carlos.
— Como conseguiu as imagens? — quis saber Sophia.
— As fotos foram fáceis. Ficamos de olho naqueles dois. Demorou, mas conseguimos fotografar os momentos íntimos dos "irmãos" – contou. Ao que Mauro bufou entediado e Carlos resmungou algo sobre pagar um churrasco para ele.
— E as filmagens?
— Ah... Não fui eu...
— Por quê? Porque Yasmin não sabe ser sutil.
— Por todos os santos! Como consegue aparecer do nada, cara? – reclamou André, a mão sobre o peito, onde o coração batia acelerado devido o susto.
— Foi você? – Yasmin perguntou para a figura alguns passos atrás de André, acompanhada por Davi.
Ele anuiu.
— Ouvi quando disseram que Sophia podia ter sofrido o atentado em frente às câmeras do colégio. Conversei com a diretora e a convenci a me deixar verificar as fitas – explicou. – Depois só foi editar e utilizar no fim do filme que indiquei para a Patrícia passar para a turma.
— Você é um gênio! – gritou Yasmin e, sem cerimônia, pulou no pescoço dele e lhe deu um beijo barulhento que deixou os colegas constrangidos.
— Esquisito! – murmurou André. Em sua mente Leonardo era inamorável e incapaz de dar um beijo desentupidor de pia como aquele.
Sophia estava feliz por Yasmin. Ao que parecia, Leonardo a perdoara, ou a Ortiz o forçaria a continuar aquele beijo até que a perdoasse.
Sentiu a nuca se arrepiar, olhou para trás e seu olhar encontrou o de Miguel por um segundo antes dele o desviar. Ele seguiu seu rumo sem dar sinal de que o que acontecera mudaria sua resolução de terminar o relacionamento.
Suspirou profundamente e sentiu um toque em seu ombro.
— Conseguiremos convence-lo, Soph – garantiu Marina com um sorriso confiante, que não alcançou à amiga.
— Nem sei se vale a pena – retrucou cansada e magoada com a atitude do Rodrigues. – Se me deixou é porque não me ama mesmo – comentou acariciando distraída o amuleto com o símbolo Rodrigues.
— Ou por ser um idiota – pronunciou Davi. Diante do olhar contrariado da amiga, corrigiu: — Não quis ofende-lo. Só acho que só um idiota deixaria a garota que ama solta para outros garotos paquerarem, sendo que, a garota em questão, deseja ficar com ele.
— Já sei! – gritou Yasmin atraindo a atenção dos colegas, os braços ainda em torno do pescoço do Moreira. – Tive uma ideia. – Diante do resmungo de Leonardo, voltou-se ofendida. – Confie em mim. Também sou um gênio. – Sorriu enigmática e piscou marota. – Mas meus métodos são mortíferos como o de uma abelha rainha.
Leonardo sorriu minimamente e os outros não entenderam a graça da piada. Se é que era uma piada.
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