Civilidade

"Vai ter amor, vai ter fé, vai ter paz. Se não tiver, a gente inventa."

Caio Fernando Abreu

Havia dias que Mauro desejava não ter saído da cama e, embora o sol brilhasse no céu azul com diversas nuvens, aquele definitivamente era um deles.

Sua colega e também amiga de infância, Yasmin, o acordou cedinho decidida a fazer seu ouvido de penico. Estava ha uma hora reclamando incessantemente de Marina. Nem mesmo quando teve de ir para o colégio obteve um descanso. E se tivera a esperança de que perto de Carlos o assunto morreria se enganara. Yasmin incluiu o ouvido do outro amigo e ainda retornara ao inicio da história que a deixara irada.

Carlos não parecia se importar, estava concentrado no saquinho de salgadinho que tinha na mão, mas Mauro estava farto do blábláblá sem fim da amiga.

– Sei que é problemático pra você entender isso, mas concordo com a Marina. Deveria desistir e seguir em frente como a Limeira fez – Mauro propôs. – Vai acabar sendo expulsa se a diretora Patrícia desconfiar que você pediu para as garotas do colégio prejudicarem a Sophia – acrescentou após receber um olhar feroz da loira.

– Duvido que ela se atreva, além disso, quem vai contar? – questionou com as mãos na cintura. – Você como meu amigo deveria me ajudar a fazer a Marina voltar pro nosso lado, não me apavorar a toa.

– Nosso lado? Não tenho nada haver com seus planos.

– Você é meu amigo!

– Sou. Por isso te aconselho a rever suas decisões.

– Carlos, faça alguma coisa – Yasmin exigiu ao se voltar para o outro amigo, mas esse já tinha se afastado para comprar outro salgadinho em uma loja do lado do colégio. – Vocês são dois traíras.

Furiosa, Yasmin sai pisando fundo em direção ao portão aberto do colégio e trombou contra alguém que segurou sua cintura impedindo que caísse.

– Não olha por onde anda Guerra? – gritou irada ao se afastar de Davi.

– Foi você que não olhou. Além de cega e mal agradecida – queixou-se o Guerra antes de se voltar para o colega ao seu lado. – Deveria ter a deixado cair, não é Leonardo?

Yasmin encarou Leonardo, que até então não havia notado a presença, e depois retornou a olhar para Davi. Fez isso mais duas vezes antes de comentar pensativa.

– Vocês sempre andam juntinhos. Ah! Agora entendo tudo – exclamou alto atraindo a atenção dos demais colegas que chegavam pra mais um dia de aula.

Davi a encarou com uma sobrancelha erguida, estranhando o sorriso bizarro no rosto da loira, e Leonardo respirou fundo aguardando o que de ruim sairia por aqueles lábios pintados de rosa choque.

– Vocês são namoradinhos – disse a Ortiz rindo.

– TÁ MALUCA, MULHER! – Davi esbravejou em meio ao acesso de riso dos colegas. — Leonardo, não vai dizer nada?

Em vez de responder Leonardo colocou as mãos nos bolsos, ignorou os colegas e passou pelo portão em completo silêncio.

A atitude do Moreira deixou Yasmin zangada. Queria enfurece-lo, mas em vez disso ele se foi sem abrir a boca, como se nada estivesse acontecendo. De que mundo aquele garoto era?

Davi pensou em seguir o colega e exigir que ele o ajudasse a desmentir as mentiras da Ortiz, mas naquele instante Sophia chegou com Miguel e o mundo pareceu parar.

Não via e nem falava com Sophia desde o beijo em frente a casa dela, desde que percebera sua idiotice, ou melhor, desde que Leonardo lhe fizera repensar sua atitude. Temia que Sophia nunca o desculpasse. Leonardo, após voltar a declarar que fora burro ao ouvir as ideias de Leona, dissera que Sophia cedo ou tarde o perdoaria pelo beijo forçado, mas tinha dúvida quanto a isso.

Estava tão distraído com seus pensamentos que demorou a perceber que a Almeida lhe sorria e movia a delicada mão no ar para chama-lo. Ficou sem ação ao perceber que ela queria falar com ele e, talvez devido a sua demora em responder, decidira ir até onde ele estava.

*S2*

Observando a namorada caminhar até Davi Guerra, Miguel tentava conter a vontade de segui-la. Só não o fazia por respeitar a vontade da Almeida, que pedira para falar a sós com o amigo... A quem queria enganar? Só não ouvia de perto aquela conversa de reconciliação porque temia dar uma nova surra no cão abusado que Sophia persistia em querer manter como amigo. No entanto seus olhos não desgrudariam dele e se tentasse alguma gracinha... Sophia podia reclamar o quanto quisesse, mas quebraria Davi ao meio.

– Pelo jeito a Sophia decidiu te trocar pelo Davi. – Ouviu alguém declarar a suas costas. Voltou-se pra trás e encarou Leona com irritação. – Também, depois daquele beijaço que eles deram...

Com o cenho franzido e sem entender a parte do "beijaço", Miguel retornou os olhos para onde Sophia estava juntamente com Davi, um sentimento ruim se formando em seu peito quando os viu abraçados.

– É. Parece que a santinha do pau oco prefere os beijos do cãozinho Guerra – provocou a ruiva se postando ao lado do Rodrigues, as unhas vermelhas trilhando o perfil do moreno que a encarou com os olhos semicerrados. – Você só foi um passatempo, um meio pra ela descobrir os prazeres da carne.

Com um gesto brusco, Miguel afastou a mão da ruiva de sua face.

– Se vai mentir, pelo menos se informe melhor – retrucou o Rodrigues fazendo alusão ao fato de que Sophia não o usou pra sexo como a ruiva insinuara. Quanto ao beijo... Apertou os punhos para segurar a vontade de ir até a namorada e perguntar se era verdade. O que não foi preciso porque, quando voltou a olhar para onde ela estava, Sophia andava em sua direção com o Guerra-cão-dos-infernos do lado.

– Oh! Queridos, estávamos falando de vocês. – Se adiantou Leona com um sorriso venenoso. – Ou melhor, do beijo que vocês trocaram há uns dias atrás.

Havia um modo infalível para notar quando Sophia tinha culpa ou vergonha de algo, ela corava, desviava o olhar e batia os dedos um contra o outro. Naquele momento, ao olha-la em busca de "É mentira", Miguel viu a morena fazer tudo isso com intensidade. Pensou até na possibilidade dela desmaiar, o que ele encararia como uma tentativa de fugir do assunto.

– A verdade é que eu beijei a Hina a força – Davi declarou corrigindo a ruiva, ciente do que a mesma pretendia fazer. – Beijo que a Sophia não correspondeu.

– Miguel! – Sophia gritou após o soco que o namorado deu em seu amigo que caiu. – Puxa Miguel! Ele ainda tá machucado – queixou-se antes de tentar se abaixar para ajudar o amigo, sendo impedida por um braço que a enlaçou pela cintura. – Ele cometeu um erro, mas já se desculpou.

– Essa é a minha maneira de perdoar o safado que se atreve a beijar a minha namorada. – Miguel forçou um sorriso para Davi, que já estava de pé a sua frente. – Agora está perdoado e pode seguir sua vida... Bem longe da minha namorada.

– Davi já entendeu que o vejo como um irmão – Sophia se pronunciou disposta a fazê-lo entender que não se afastaria do amigo.

– Pois deveria começar a rever essa sua família incestuosa – resmungou ao lembrar-se de Nathan.

– Por favor, entenda que antes de aceitar ser sua namorada Davi já era meu amigo, meu melhor amigo.

Miguel olhou para os olhos suplicantes da namorada, depois para os de Guerra, que massageava a mandíbula, depois para a pequena plateia que se formara, com certeza sedenta por sangue, e de volta para os olhos de Sophia. Aquela garota era sua perdição.

– Certo! – disse por fim conseguindo um sorriso da namorada. – Mas nada de abraços, mãos unidas, beijo - mesmo que seja no rosto - está proibido, e não quero que fique sozinha com esse cão sarnento...

– Miguel!

Ignorando a reprimenda da Almeida, Miguel continuou:

– E, se por algum motivo, esse cachorro vira-latas fazer uma dessas coisas vou perdoa-lo a minha maneira.

Sophia suspirou fundo ao se dar conta que aquela decisão com regras bobas seria o mais civilizado que conseguiria do namorado.

– Também ficarei de olho em você, Rodrigues. – Davi resolveu dizer com raiva, tanto pelas imposições de Miguel quanto por perder Sophia para aquele verme. — E se magoar a Soph, juro que arrebento a sua cara feia.

– Davi!

Os dois se encaram com ódio e Sophia, consternada, percebeu que o significado de civilidade era ignorado por ambos.

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