1531 - WERZOV
— QUEIMEM A BRUXA! — Os agitados integrantes da turba gritavam a plenos pulmões!
Um padre português da Igreja Católica em Bizencia está parado ao lado de uma mulher negra.
Ela tem quase vinte anos.
Apavorada, a mulher fita seus vizinhos ensandecidos que cospem em sua direção o mais genuíno ódio.
O coração dela está acelerado.
Em sua mente há um vislumbre do futuro próximo.
— Caros fiéis tementes ao Senhor... Esta mulher está sendo condenada por bruxaria! — Começou o padre Custódio Silvestre.
As pessoas, sedentas por justiça, urravam:
"Queima! Queima! Queima!"
Uma mulher raquítica e encurvada arremessa uma hortaliça podre em direção à condenada.
O Padre levanta as mãos para os céus.
Apenas um denso silêncio domina a atmosfera do lugar.
— Meus irmãos, o diabo vive entre nós, tentando nos cercar com suas tentações. Nos ludibriar com suas mentiras. Digo a vós que esta mulher foi encontrada na mata a fazer magia negra!
— Mentira! — Grita a moça que está amarrada a um tronco.
Inutilmente, ela tenta manter uma postura digna, mesmo estando em pé sobre toras de madeira seca.
Atrás dela, encontra-se o homem coberto por uma túnica sacerdotal de cor branca.
O rosto do algoz está escondido por um capuz de mesma cor.
— E-eu não sou uma bruxa... — Uma lágrima corre solitária pela bochecha dela.— Por favor, acreditem! Sou inocente! Inocente!
Sua voz é suave demais contra a ira do grupo que a ameaça cegamente, e o tom de súplica é ignorado pelos ouvintes.
— Amados irmãos, vejam como Satã é ardiloso. Olhamos para esta moça e vemos uma criatura indefesa, inocente... Mas, é apenas a aparência! ELA TENTOU ME POSSUIR! EU, UM SERVO DE DEUS! — O silêncio é quebrado pelo coro uníssono da surpresa.
No meio da multidão, com seus quinze anos incompletos, está a assustada jovem de longos cabelos brancos.
Desde sempre atendia pelo belo nome: Lira Merak.
Ela não é capaz de mover os olhos para outra direção, não consegue se obrigar a parar de fitar o rosto de sua amiga.
A mesma que corriam juntas, quando criança, gargalhando pelos prados frescos, sentindo no rosto o vento que renovava os ânimos e trazia esperança.
Seu olhar não é capaz de abandonar a figura Aleksandra Varzov, assim como sua mente e seu coração não conseguem se desconectar dela.
Lira ouve perto de si os pais da moça que se desfazem em lágrimas... Não por piedade, mas, por acreditarem que o diabo entrara em sua pobre filha, e que a usara para tentar o padre.
— Eu não sou uma bruxa! — A voz de Aleksandra ressoa pelos ares em um pedido de misericórdia, mas ninguém parece ouvir seu berro.
O padre Custódio olha para o executor que já segura na mão esquerda a tocha acesa.
— Filha, — O padre Custódio aproxima-se de Aleksandra — Se eu estiver a mentir, Deus não deixará esta lenha arder em chamas, e ficará provado que sua alma é pura. Mas, caso o contrário... O fogo consumirá seu corpo, para que sua alma seja purificada e salva.
— N-não... Por favor... O senhor sabe que sou inocente, eu que fui desonrada... SOCORRO!
— Demônio, ousas blasfemar contra um servo de Deus?! — O padre Custódio acena com a cabeça para o homem de branco que estende a mão direita e posiciona a tocha sob as madeiras.
A fumaça não sobe.
No entanto, aos poucos, para desespero de Aleksandra, faz-se ouvir o barulho do fogo que dobra a madeira.
Tímidos filetes de fumaça saem pelos lados do púlpito da desgraça e sobem pelo ar.
A mordida do fogo na madeira fica mais alta.
Aleksandra, começa a sentir a temperatura subir pelas plantas dos pés descalços.
Inevitavelmente a moça começa a se mexer. Gritar. Apavora-se. Clamar. Nada acontece.
Lira, fica horrorizada, sente-se zonza. O cheiro da carne sendo queimada junto com os gritos de dor e desespero de sua amiga infernizam seus ouvidos.
Ela vira-se para correr, não quer assistir mais aquilo... mas é impedida por sua tia.
— Fique menina. Sair agora é chamar atenção desnecessária. Feche os olhos, mas não saia.
A jovem mira o olhar em sua tia. Em sua retina há um questionamento mudo: "Por quê?"
— Porquê as trevas não suportam a luz. Fique quieta e feche os olhos. — A mulher, com mais de cinquenta e poucos anos, fala quase sibilando.
Os gritos aumentam, a impressão que Lira tem, é de que o fogo só não queima a boca e os pulmões de Aleksandra.
O padre Custódio pega água benta e lança três vezes sobre a fogueira humana, cujo fogaréu já ultrapassa os três metros de altura.
Aos poucos a multidão se dissipa...
A tia de Lira, Ana, envolve a moça com uma capa cinza feita de tecido e palha, em seguida a puxa contra si, unindo-as em uma unidade, um corpo.
A fogueira queima durante toda a noite.
Pela manhã, as brasas ainda castigam o corpo encriquilhado pelo fogo.
O crânio tostado repousa sobre os restos mortais transformados em cinza.
Uma chuva fina começa a cair no vilarejo.
Ninguém deve tocar no corpo carbonizado. Nem mesmo a família deve reclamá-lo para enterrar.
Lira Merak observa a chuva que cai. Está com os braços cruzados apoiados no batente da janela aberta.
A janela fica em seu quarto, na parte de cima de um sobrado com térreo e primeiro andar.
A moça suspira. Seu olhar é melancólico e opaco.
Werzov é uma vila com pouco mais de quinhentos habitantes, fica ao leste da Romênia, na região dos Balcãs.
No local atualmente se situa a Sérvia, essa mesma região pertencia à Ioguslávia, que não existe mais.
As ruas do lugar são estreitas, do tipo feito para a passagem de pedestres e animais.
As casas são tão próximas que não raras vezes uma é colada à outra, como se apoiassem uma à outra para sustentar mutuamente suas estruturas de madeira.
Algumas são tão rústicas que dão impressão de que a madeira é recém tirada da floresta.
Já outras, são belas em todos os mínimos detalhes que algum construtor e escultor trabalhou de forma minuciosa empregando sua arte e, sem dúvidas, encantando a todos que tenham a sorte de sobre elas pousar um olhar.
A maior parte das casas conta com térreo e primeiro andar.
Quando chove, nas ruas, se formam imensas poças de lama que em conjunto com as pesadas nuvens cor de chumbo instaladas no céu, deixam a cidade com aparência mais sombria, tenebrosa.
A lama é escura, movediça e atola boa parte daqueles que tem a audácia de sobre ela tentar transitar.
Não existe sequer um ponto da vila onde a traiçoeira lama deixe de se fazer presente.
O banho diário é probido pela Igreja, sob o pretexto de que os seguidores de Satã, adeptos de artes proibidas, usam o elemento água em suas bruxarias para castigar o lugar com a infertilidade.
Há um ano que na vila não nascem crianças.
O número de abortos espontâneos tem aumentado, o que faz a situação ser ainda pior.
O Padre Custódio faz questão de sempre gritar a plenos pulmões que há uma casta de bruxas entre eles.
Sim, segundo o homem, elas tem amaldiçoado os habitantes.
A população vem sofrendo, haja vista, a ordem de crescer e multiplicar na vila, não está acontecendo.
O vilarejo é cercado por uma floresta densa e verde, e há nas redondezas dois afluentes que abastecem a cidade em cinco pontos estratégicos e com horários sistematizados pelo chefe da vila (algo como um prefeito) Andrej Alioth.
O prefeito tem dois filhos. Um é seminarista e se chama Esteban Alioth.
O outro, almeja seguir a carreira do pai, seu nome é Bojan Alioth.
O primeiro, Esteban, é loiro, puxando a descendência Balcânica de seu pai. Já o mais jovem é moreno, tendo traços claramente herdados da linhagem de sua mãe, cuja família veio de uma região mais ao norte, perto da Suméria.
Lira é uma jóia de beleza. Tem cabelos brancos, compridos e ondulados. Nariz, reto, com ponte alta e levemente arredondado nas extremidades.
Seus lábios são suaves, pouco cheios e suavemente rosados.
A pele não é branca como a neve, mas é clara e às vezes levemente bronzeada do sol.
A moça tem um sinal de nascença que parece desenhado sobre a homoplata direita.
Uma pequena labareda, como um pingo de fogo.
Até onde sabe, sua família não tem uma história incomum, exceto pelo avô.
O pai de seu pai, serviu ao exército da Valáquia, comandado por Vlad Tepes, que foi assassinado pelos aliados do Império Otomano, mais precisamente, pelo governador regente da Hungria, John Hunyadi, no ano de 1431 D.C.
O corpo de Vlad Tepes, criador da Ordem do Dragão, nunca foi encontrado.
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