Capítulo XXXIII

Primeiro ela abriu um olho, mas logo em seguida o fechou por conta da claridade do quarto. Cerca de alguns segundos depois abriu os dois olhos e a primeira coisa que viu, foi que já se encontrava sozinha na cama, pois sua esposa acordava cedo para preparar o café para as crianças que tinham que ir à escola.

Espreguiçou-se, mas depois não fez menção alguma de se levantar de sua aconchegante e quentinha cama. Estava tão bom ficar deitada nela, mas estaria melhor ainda se sua mulher estivesse ali também para ela poder ficar agarrada à ela como tanto gostava e assim, poder sentir seu corpo no dela, bem como seu perfume delicioso e sua pele macia.

Agradeceu aos céus o fato que daqui a uns dias estaria de férias, pois assim teria um mês inteirinho para ficar direto em casa curtindo a companhia de sua mulher que também se encontrava de férias da universidade onde lecionava e também, a companhia dos filhos que entrariam de férias escolares dentro de quatro dias assim como ela.

Tinha planos para essas férias. Queria aproveitá-las ao máximo com sua família, já que não era sempre que suas férias coincidiam com as de Juliette. Estava pensando em fazer uma viagem com os filhos e a esposa, todos juntos. Quem sabe ir para a outra casa delas em Búzios, já que não iam lá há certo tempo. Ou talvez pudessem ir para outro lugar também. Orlando, seria uma boa, tinha certeza que seus filhos iam adorar ir para lá por causa do parque de diversões. Assim como ela, os filhos eram loucos por parques de diversões. Mas ainda tinha que pensar direito no roteiro dessas férias, além de falar com Juliette para saber o que a esposa achava de seus planos para a família.

Novamente, ela se espreguiçou, porém, dessa vez após fazer isso resolveu se levantar da cama. Ainda bem que hoje pegaria no serviço só depois do almoço. De pé rumou direto para o banheiro de onde saiu quinze minutos depois de banho tomado e com uma toalha enrolada em torno do corpo. Pegou em suas gavetas um conjunto de lingerie e uma roupa qualquer de ficar em casa, e vestiu-se. Alguns minutos depois devidamente vestida e os cabelos penteados, ela saía do quarto para seguir à cozinha de sua casa, onde tinha quase certeza que encontraria sua adorável esposa.

Só que ao entrar no cômodo não foi Juliette quem Sarah encontrou e sim, Lumena que estava de costas para ela mexendo em algo na geladeira.

A economista não pôde deixar de se surpreender em ver a ajudante ali. Pelo que se lembrava, a outra mulher só voltaria a trabalhar em sua casa amanhã, já que suas férias terminavam hoje. Ou será que ela se enganou e confundiu o dia de volta da outra?

É bem provável que isso tenha acontecido, já que ultimamente por causa do excesso de trabalho que estava tendo no escritório para poder tirar suas férias, ela andava com a cabeça meio cheia e desordenada, por isso mesmo que não via a hora de tirar suas tão merecidas férias para descansar.

- Bom dia, dona Sarah!

A fala da ajudante tirou a loira de seus pensamentos imediatamente.

- Bom dia, Lu!

- Vou esquentar seu café rapidinho e já lhe sirvo. - ela foi dizendo enquanto ligava a cafeteira.

Sarah apenas assentiu se acomodando em uma cadeira do balcão ilha da cozinha. Quis perguntar a outra mulher como tinham sido as férias delas enquanto esperava que lhe servisse o café, mas achou que ia parecer enxerida demais se perguntasse. Resolveu então questioná-la a respeito de Juliette que até agora não tinha visto.

- Lumena onde está a Ju?

A ajudante estranhou a pergunta, pois era sabido por sua patroa que naquele dia sua esposa ia trabalhar na Universidade pela parte da manhã, então por que ela perguntava algo que já sabia?

- Ué, ela está na Universidade trabalhando! - Lumena contou segundos depois de ficar encarando-a.

- Trabalhando?? - Sarah surpreendeu-se com a informação. - Isso é impossível, Lu! Ela está de férias do trabalho.

- Férias?? - a empregada franziu a testa.

- Sim. Desde a semana passada. Então ela não pode estar trabalhando.

De que férias ela está falando?

Lumena ficou totalmente confusa, mas logo a confusão dela foi começando a se dissipar quando um pensamento lhe veio de imediato à mente. Sua patroa tirou férias há cinco meses, mais precisamente uma semana antes de Sarah perder a memória. Então para ela se lembrar disso só queria dizer uma coisa...

- Dona Sarah que dia é hoje? - dependendo da resposta dela, Lumena saberia se tinha ou não acontecido o que suspeitava.

- Que pergunta mais sem propósito é essa, Lu? - ela franziu a testa.

- Apenas me responda, senhora, por favor! - pediu nervosa. Precisava ter certeza se aquilo fazia sentido ou estava enganada em sua suspeita.

Mesmo não entendendo o motivo pelo qual sua ajudante lhe fazia aquela pergunta, Sarah respondeu:

- Se não estou enganada, hoje são 22 de Junho.

- Meu Deus! - a outra levou uma das mãos à boca.

A data mencionada por Sarah era de exatos cinco meses atrás, o que confirmava o pensamento da ajudante... Sua patroa havia recuperado a memória!

- Lumena o que houve? - a mulher assustou-se com a reação um tanto exasperada da outra ao ouvir sua resposta.

- A senhora se recuperou por completo.

Sem ainda acreditar no que ocorreu Lumena murmurou, mas sua patroa ouviu sua fala, porém não entendeu aquilo.

- Do quê está falando? De quê me recuperei se nem ao menos estava doente? - ela não entendia nada daquilo.

Lumena antes de respondê-la, sentou-se na cadeira em frente à de Sarah. Precisava fazer isso ou ia se estatelar no chão de tão surpresa e feliz que estava com o que havia acontecido. Respirou fundo tentando se acalmar.

Quase não conseguia crer no que sucedera. Sua patroa estava aparentemente recuperada da amnésia, mas pelo que pôde perceber, ela não se lembrava que havia ficado desmemoriada.

- Lumena? - ela a chamou. - O que está havendo com você? Por que ficou assim depois que eu disse a data de hoje?

A ajudante encarou por uns segundos sua patroa ainda aturdida. Como contaria aquilo para ela? Ia ter que dar um jeito de contar.

- Dona Sarah... A data que mencionou é de... Cinco... meses... atrás. - ela contou pausadamente, mas ainda assim causou espanto em sua patroa o que disse.

- Quê? - Sarah quase berrou.

- Veja! - Lumena tirou o celular do bolso e lhe estendeu o aparelho. - Hoje são 22, mas de Novembro, não de Junho como disse.

Com desconfiança a economista pegou o aparelho da mão da outra mulher e ao olhar a tela do aparelho, ela viu que realmente era a data que Lumena dizia.

- Que isso? Alguma brincadeira? - olhou séria para sua ajudante.

A outra negou com a cabeça. Antes fosse!

- Diga-me, como hoje pode ser Novembro se ontem era Junho?

- Junho foi há cinco meses, patroa!

Sarah olhou novamente para o aparelho em suas mãos e não! Aquilo não podia ser! Tinha alguma coisa errada. Não se pula cinco meses em uma noite de sono.

- Isso não faz sentido e nem pode ser possível! - sorriu nervosamente e balançando a cabeça em negativa.

- É, sim, dona Sarah! Pode até mesmo parecer loucura, mas é verdade.

- Como?? - murmurou mais para si do que para a ajudante.

Como ela ia dormir e ao despertar no ''dia seguinte'' já tinham se passado cinco meses? Não podia ser verdade. E muito menos possível ou cabível!

Em uma noite de sono não se passam cinco meses assim! Por Deus!

Aquilo só podia ser brincadeira, ou melhor, um sonho maluco. É isso!

Tudo não passava de um sonho doido! Andava trabalhando tanto que a consequência era ter sonhos malucos como esse.

Tinha certeza de que a qualquer momento seu despertador tocaria ou Juliette lhe chamaria. Ela acordaria e descobriria que aquilo não estava lhe acontecendo.

- Já entendi. Isso tudo não passa de um sonho, não é? - ela disse meio sorrindo a Lumena.

A ajudante não sorriu, porque ao contrário do que sua patroa achava, aquilo não era sonho. Era a pura realidade. Uma realidade que ela só estava tendo conhecimento agora que "voltou a si".

- Não, patroa, não é sonho. Eu vou lhe explicar o que está havendo. Preciso que me ouça, mas me ouça com toda a atenção do mundo, dona Sarah.

A loira parou de rir e encarou a outra desconcertada.

Pelos minutos seguintes, Lumena  lhe narrou tudo o que tinha acontecido.

Sarah levou um susto danado quando soube que havia perdido a memória do nada. Depois ficou estarrecida e em seguida, em choque.

Por segundos a loira chegou até a duvidar da veracidade do que ouviu, mas logo chegou à conclusão que Lumena não inventaria uma coisa daquelas. Sua ajudante não era desse tipo de brincadeira.

A mulher ficou abismada com como havia perdido a memória do nada.

Imediatamente pensou na sua família e no quanto deve ter sido difícil para eles lidarem com uma situação dessas.

Com dor no coração ela soube que logo que perdeu a memória, passou a se isolar da família; evitava ficar perto dos filhos e de Juliette; chegou a dormir durante dias no quarto de hóspedes, porque não se sentia a vontade para dormir ao lado da esposa, a mulher com quem dormia há quase quinze anos; e passava quase que o dia todo dentro do quarto de hóspedes só descendo para fazer suas refeições e depois retornava para se enfurnar lá no cômodo.

- Céus! Eu fiz minha família sofrer durante meses. - ela concluiu, interrompendo Lumena que relatava tais fatos. Os olhos verdes da mulher estavam cheios de lágrimas pelo que acabava de ouvir. Não se imaginava fazendo nada daquilo à sua família. Mas fez!

- Não foi proposital isso. A senhora não se lembrava das coisas e nem deles.

- Eu juro que não consigo me imaginar sendo capaz de evitar ficar perto dos meus filhos e da Juliette. E também de preferir dormir no quarto de hóspedes, longe da minha esposa... Deus! - ela pôs as duas mãos na cabeça. - Em quase quinze anos de casamento isso nunca aconteceu nem quando tivemos brigas sérias.

Lumena a olhou consternada com sua tristeza por saber o que aconteceu e o que ela tinha feito sua família passar, ainda que não tenha sido intencional nenhum de seus atos na época em que estava desmemoriada.

Era visível o atordoamento, mas graças a Deus essa situação chegou ao fim e foi hoje. Lumena mal podia esperar para ver a reação de sua outra patroa ao sabe que a esposa enfim recobrou a memória.

A cabeça de Sarah começou a doer e parecia que ia explodir depois de saber daqueles fatos desconhecidos. Tudo aquilo mais parecia que tinha ocorrido com outra pessoa. Era tão inacreditável, improvável e sem lógica de ser, mas ela não duvidava da veracidade daqueles fatos narrados por Lumena, apenas precisava digerir aquilo tudo para se conscientizar de que não estava louca.

- O começo foi difícil para todos aqui... - Lumena lhe contou, quebrando o silêncio que se instaurou entre Sarah e ela após a economista ter falado anteriormente. -... A dona Juliette ficou sem chão com o que houve. As crianças arrasadas, principalmente, o Tom que não entendia direito o porquê de uma hora para outra a senhora não ser mais a mesma com ele. Mas pouco a pouco as coisas foram se ajustando. A senhora foi se reaproximando e readquirindo sentimentos pela sua família. Demorou um tempinho para isso acontecer, mas aconteceu.

- Eu... - ela suspirou. Sentia-se sufocada e atordoada com todo aquele bombardeio de informações. - Eu preciso subir... Ficar sozinha para digerir todas essas coisas que me disse Lu. - ela se levantou da cadeira de maneira abrupta.

- Claro. Mas antes que se vá eu preciso lhe dizer mais uma coisa importante.

A ajudante ainda não havia lhe revelado sobre a gravidez de Juliette. Preferiu deixar isso por último. Não tinha a menor ideia de como sua patroa reagiria com aquela novidade, mas quis dizer assim mesmo. Ela precisava saber daquilo antes de ver Juliette para evitar possíveis choques maiores.

- O quê?

- A dona Juliette... Ela... Está grávida!

A outra arregalou os olhos imediatamente ao saber daquilo.

- Grávida??... Então a inseminação deu certo? - lembrou-se de imediato o procedimento que a esposa tinha feito semanas atrás, ou melhor, meses atrás.

Lumena assentiu e lhe revelou que Juliette havia descoberto isso semanas após a esposa ter perdido a memória, quando a gestação já estava com mais de um mês.

- Eu vou ser mãe de novo? - a notícia a pegou totalmente desprevenida, mas ao mesmo tempo, deixou a mulher abobalhada.

- Sim e de gêmeos. Um casal mais especificamente! - Lumena sorriu emocionada para Sarah.

Juliette lhe daria mais dois filhos! Quanta coisa aconteceu e ela desconhecia tudo isso.

Se antes ela era um desmemoriada, agora também se sentia como tal depois de ter tantos fatos contados a ela e não recordar-se de nenhum deles.

- Eu preciso subir... É muita informação pra minha cabeça... Eu não consigo raciocinar direito...

- A senhora quer um copo de água?

- Não!... Quando a Ju chegar não diga a ela o que aconteceu, por favor. Eu mesmo quero falar com ela. - dizia meio aérea como se estivesse fora de órbita completamente.

- Sim, senhora!

Ela saiu dali e foi direto para seu quarto. Chegou lá e não sabia o fazer. Sentou-se. Levantou-se. Pôs-se a andar de um lado para o outro do quarto enquanto tentava reorganizar as coisas em sua cabeça.

Tudo o que Lumena lhe disse minutos atrás pipocava em sua cabeça.

Ela havia acordado em uma manhã completamente desmemoriada.

Não sabia seu nome, não reconhecia a família, os amigos e desconhecia totalmente quem era.

Como aquilo acontecia assim do nada?

Desespero, angústia, dor, confusão... Tudo tomava conta de sua cabeça e de seu coração naquele instante.

Ela se sentia sufocada. E também culpada.

Culpada por ter causado dor as pessoas que amava. E além da culpa ainda tinha o sentimento de raiva por ter feito três daquelas pessoas sofrerem.

Pensou nos filhos que viriam e que ela só soube agora. Como será que tinha reagido quando soube da gravidez? Ficou feliz? Levou um susto como agora?

Queria o quanto antes que Juliette chegasse para falar com ela. Vê-la. Abraçá-la. Beijá-la. E pedir perdão pelo que houve.

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N/A: A noite posto outro capítulo para vocês 😉

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