Capítulo XXXI

Quando Sarah entrou no consultório de Camilla naquela manhã de terça-feira, duas coisas chamaram imediatamente a atenção da médica com relação a sua paciente de meses. A primeira foi à expressão muito mais leve, relaxada e sorridente que Sarah trazia no rosto. E a segunda coisa, foi o fato da loira e a esposa entrarem ali de mãos dadas, algo que nunca havia acontecido durante todos esses meses em que a neurologista já tratava de Sarah.

- Ei! Pelo visto Búzios lhe fez bem, não é? - Camilla estendeu a mão em cumprimento a Sarah.

- Fez mais que bem, Camilla! - Sarah afirmou, apertando a mão de sua médica e com os lábios espichados em um grande sorriso. - Foram simplesmente maravilhosos os dias por lá. - seu olhar vagou por um segundo a esposa que se encontrava ao seu lado.

Juliette era em grande parte o motivo de estar feliz e radiante daquele jeito. Desde que abriu seu coração a ela e as coisas entre as duas se "acertaram", Sarah se sentia imensamente feliz, em estado de graça, na verdade.

- Mas que bom isso! - a médica sorriu contente.

Durante esses meses era comum dela ver sua paciente chegar ali para suas consultas de rotinas com uma expressão para baixo e às vezes até meio mal-humorada, diferentemente, do rosto alegre e sorridente que agora via nela.

- Juliette como vai você? - Camilla se dirigiu a outra mulher que até aquele momento só observava a interação de sua mulher com a médica.

- Vou bem, Camilla. Obrigada! - sorriu a professora.

Camilla podia jurar que o sorriso da outra parecia tão brilhante e luminoso quanto à expressão vista no rosto de Sarah.

As três se acomodaram nas cadeiras e logo a neurologista quis saber de Sarah como tinham sido essas duas semanas, que passaram desde a última consulta que se viram.

A loira lhe relatou que teve oscilações quanto a intensidade das dores e pontadas na cabeça. Tiveram dias em que sentiu dores mais leves e outros em que a dor foi mais forte e incômoda. Vieram algumas perguntas de praxe e após as informações repassadas, Sarah contou toda animada sobre a viagem que fez com família e o quão bem lhe fizeram esses dias, tanto que enquanto esteve em Búzios não sentiu uma dor de cabeça sequer e nem pontada alguma na cabeça.

- Isso não deixa de ser uma grata e agradável surpresa, já que essas dores e pontadas que sentia estavam se tornando quase que constantes, não é?

- Sim. Foi como se tudo que eu sentisse nem existisse enquanto estava lá. Não senti absolutamente nada de desconforto e também, ainda não senti nada desde que voltei de lá, Camilla.

A médica apenas assentiu achando curioso esse fato, porém não achou que isso fosse algo alarmante já que Sarah se mostrava muito bem aparentemente.

- Sarah... - Quando Camilla pronunciou o nome da paciente já não tinha mais um sorriso no rosto. - Já tenho os resultados das análises e comparações que fiz dos primeiros exames que você fez, com os últimos que atestaram a véia entupida que tem na cabeça.

- Pela sua cara não temos boas notícias, não é Camilla?

- Infelizmente não.

- Quais foram os resultados? - Juliette foi quem indagou.

- Os primeiros exames não mostraram nada de véia entupida neles. O que indica que não há qualquer ligação entre a perda de memória que a Sarah teve com o quê se descobriu há poucas semanas em sua cabeça.

- Isso significa que voltamos à estaca zero, sobre o possível motivo que me fez perder a memória?

Não havia revolta ou raiva em seu tom de voz ao indagar, muito pelo contrário. Sua voz saiu calma e macia.

- Lamentavelmente sim, Sarah! - Camilla falou com pesar. Queria muito dar boas notícia a sua paciente, mas infelizmente essa era a verdade e não podia enganá-la.

Por incrível que pareça a resposta de sua médica não deixou Sarah abalada. Talvez em outros tempos até deixasse, mas agora não. Até porque no fundo já desconfiava que seria algo assim ou semelhante a isso que ouviria de Camilla. Achava difícil que uma coisa estivesse ligada a outra, já que essa véia entupida só aparecera agora.

- Sendo assim, vou continuar desmemoriada após a cirurgia que fizer, não é?

- É bem provável que sim!

- Seja honesta comigo, Camilla... Você acha que algum dia ainda vou recuperar a memória?

A médica encarou bem sua paciente por longos segundos. Depois olhou rapidamente para Juliette, que parecia receosa do que ouviria. Voltando seu olhar a Sarah, Camilla foi honesta com sua paciente como ela havia pedido.

- Sim. Por que, você não acha isso?

- Sinceramente, às vezes acho que não. Faz mais de quatro meses que estou assim que tenho a impressão de que vou ficar desta forma pra sempre.

- Ei, não diga isso, Sarah! - Juliette segurou com a mão livre o rosto da esposa e virou-a, fazendo com que Sarah a olhasse em seus olhos. Não conseguiu escutar aquilo que a outra disse e ficar calada. Ainda que estivessem diante de Camilla, a professora tinha que dizer algo. - Você vai, sim, recuperar a memória! Talvez demore mais um pouco ou talvez não, mas tenho certeza que vai se recuperar e é assim que tem que pensar também. Tem que ser positiva. - ralhou a professora.

- Sua esposa tem razão, Sarah. Eu já disse isso e repito: assim como perdeu a memória de uma hora pra outra, pode muito bem recuperá-la dessa mesma forma.

- Eu sei disso. Mas quer saber de uma coisa, Camilla?... - ela desviou o olhar de Juliette que lhe observava e focou sua atenção na boa médica e então, prosseguiu com sua fala. - ... Se caso minha memória não voltar mais e eu ficar pra sempre desmemoriada, não vou me importar tanto. É bem verdade que se isso me acontecer nunca mais teria de volta muitas lembranças da minha vida. Lembranças importantes e especiais. Mas... posso construir novas lembranças como já estou construindo. E além do mais, acho que dentre tudo o que foi apagado da minha mente, eu já consegui redescobrir o mais importante.

- Que seria?

- O amor pelos meus filhos que se tornaram minha paixão e... o amor pela minha esposa... - seu olhar se voltou a Juliette, que naquele instante tinha os olhos marejados. -... por quem sou completamente apaixonada, Camilla!

❤️❤️❤️

Logo que elas entraram no carro para irem embora para casa, Juliette não pensou duas vezes em fazer o que lhe deu vontade de fazer instantes atrás, quando ela e Sarah ainda se encontravam no consultório de Camilla, e Sarah confessou a médica sobre o amor que tinha redescoberto pelos filhos e por ela.

Pegando a esposa completamente de surpresa, Juliette tascou um beijo em Sarah. Como não esperava por esse "ataque" delicioso da esposa, a loira demorou uns segundos para retribuir ao beijo, mas logo depois que fez isso, o beijo se transformou imediatamente em algo intenso e profundo, cheio de amor e paixão. E que só teve fim, porque respirar se tornou algo necessário.

- Uau! Foi muito além do que eu pretendia que fosse! - murmurou a professora, sorrindo assim que seus lábios se separaram dos de Sarah.

- Céus! - a outra exclamou ofegante, tentando se restabelecer e se situar de onde se encontrava após esse beijo arrebatador que a deixou aturdida. - Ju, isso foi muito bom! ... E de tirar o fôlego, literalmente!

As duas acabaram rindo. Realmente o beijo havia sido algo de tirar o fôlego. Talvez se a vontade de respirar não tivesse falado tão alto, era bem possível que ainda estivessem presas uma aos lábios da outra.

- Achei que essa seria uma boa forma de retribuir suas palavras de instantes atrás. Só não pensei que minha retribuição fosse ganhar essa proporção toda. - confessou com um meio sorriso e encostando sua testa na da esposa.

Aos poucos ela já conseguia enxergar sua Sarah voltando a esposa desmemoriada.

- Oh, pois eu adorei que tenha tido essa proporção! - seu sorriso foi tão largo que a professora não resistiu em lhe roubar mais um beijo, só que esse foi bem rápido.

- Eu também sou completamente apaixonada por você! - Juliette lhe confessou baixinho após o beijo roubado.

❤️❤️❤️

Lumena estava na cozinha preparando o almoço quando ouviu as vozes de Sarah e Juliette que acabavam de chegar em casa. O casal logo já aparecia ali na cozinha, onde à ajudante se encontrava.

- Oi, Lu! - as duas a cumprimentaram.

- Oi! O que é isso? - apontou para a sacola posta por Juliette sobre a mesa.

- Morangos! - contou a morena tirando de dentro da sacola duas caixas com as frutas vermelhas.

- Ela sentiu desejo de comer morangos no caminho pra casa. Então tivemos que parar no supermercado pra comprá-los. - Sarah contou com um sorriso.

A ajudante riu enquanto via Juliette saborear os morangos com muito gosto. Depois resolveu perguntar sobre como tinha sido a consulta de Sarah. Se a médica tinha encontrado relação entre a perda de memória que sua patroa tivera com a véia entupida que aparecera em sua cabeça.

- Infelizmente ela não encontrou nada, Lu. Voltamos à mesma, sem saber o que causou minha amnésia.

- Sinto muito, dona Sarah. Mas tenho fé que logo isso se solucionará e a senhora irá recuperar a memória de novo.

- Eu disse quase a mesma coisa pra ela.

- E quanto a cirurgia, ela vai ser mesmo feita?

- Sim. Essa semana vou fazer alguns exames que a médica pediu e dentro de quinze dias estarei me operando. - contou a não muito contente.

Não queria fazer essa operação por se tratar de ser na cabeça. Tinha medo de que algo desse errado e não voltasse da cirurgia.

- Vai ver como dará tudo certo, dona Sarah!

- É o que eu espero!

Um tempo depois as "crianças" chegaram da escola. A família almoçou junta e em seguida, Juliette foi trabalhar.

Durante a tarde, Sarah aproveitou que Tom estava entretido vendo TV para assim escrever em seu diário. Relatou os últimos acontecimentos de quando ainda estavam em Búzios e também sobre sua consulta de hoje. Ela não deixava nada de fora para que assim quando acontecesse de recuperar a memória e por acaso, não lembrasse de que a tinha perdido, pudesse saber exatamente de tudo que lhe aconteceu e o que passou durante esse período.

Cinco dias se passaram e tudo seguia tranquilo na casa Andrade-Freire até que algo inesperado aconteceu... A primeira lembrança de Sarah veio a sua cabeça e graças a um objeto que pertence à sua esposa.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top