Capítulo XII

- Juliette... Como foi lá com o psiquiatra? O que ele disse sobre o meu caso? - ela indagou após se acomodarem a cama.

A outra olhou para esposa e por um instante hesitou no que responder.

A consulta não tinha sido de todo ruim, mas também nada animadora e a mulher não sabia como a esposa ia reagir diante do prognóstico não tão esclarecedor. Contudo não podia lhe esconder as coisas, ainda mais, se estavam relacionadas a própria Sarah.

- Quando eu contei ao médico sobre seu caso, ele à primeira vista achou estranha a forma como você perdeu a memória uma vez que, até então, ele nunca tinha visto um caso assim.

- Que ótimo sou uma aberração! - ironizou a loira erguendo os olhos para o teto.

- Não diga isso! Você não é nenhuma aberração. - com uma voz branda, Juliette tocou o braço da esposa, atraindo de volta para si a atenção da outra mulher. - O seu caso é apenas incomum, Sarah.

- Ou seja, é o mesmo que eu disse, só que com uma palavra mais bonitinha. - replicou insatisfeita.

Juliette suspirou. Falar com aquela Sarah requeria mais paciência do que com a sua Sarah.

- Sarah...

- Esse médico disse o que pode ter motivado a minha repentina amnésia? - a loira atropelou a fala da esposa, pois tinha a ligeira impressão de que Juliette ia lhe chamar atenção pelo que disse anteriormente. E não querendo entrar em conflito com a mulher, a economista se apressou em lançar-lhe aquela pergunta.

Juliette encarou a esposa por um breve instante. Queria comentar sobre o que ela havia dito antes da pergunta, mas optou por não fazê-lo e somente responder a questão lançada por ela para não entrarem em uma possível discussão boba.

- Ele acha que possivelmente essa sua amnésia possa estar atribuída a algo psicológico ou estresse mesmo, já que revelei a ele que os dias que antecederam essa perda de memória, você vinha trabalhando muito mais do que o normal por causa das férias que pretendia tirar em breve.

Sarah vinha trabalhando direto, fazendo horas extras e até trazendo trabalho para casa. Tudo  para não deixar pendências, e ser incomodada em suas merecidas férias com a família.

- Ele falou se vou recuperar a memória e quando?

Sarah viu Juliette hesitar para responder e ficou temerosa.

Será que ficaria assim para sempre?

A loira já estava a ponto de cobrar uma resposta da esposa, quando Juliette se pronunciou.

- O médico precisa primeiro avaliar você pessoalmente e procurar buscar informações sobre algum caso que possa existir e seja semelhante ao seu, pra só então poder dar alguma resposta quanto a essa questão, Sarah. Ele também recomendou irmos a um neurologista.

Se havia algo no qual doutor Rodolffo tinha sido evasivo, foi exatamente sobre quanto ao "retorno de lembranças". Por hora, ele afirmou a Juliette que não diria nem que sim e nem que não a esse respeito. "Vamos um passo de cada vez!", Foram as palavras dele.

- Ou seja, esse médico não sabe se vou recuperar a memória, não é?

- Ele não disse isso, Sarah.

- Mas também não disse o contrário,porque é provável que eu não recupere mesmo.

- Ei! Você tem que ser positiva. Não é porque ele não deu um parecer concreto que isso signifique, que você vá ficar assim pra sempre. Ele só quer primeiro se inteirar do assunto, pra depois nos dar algo mais conclusivo e seguro.

- Sei...

- Além do mais, essa foi só a primeira consulta e o primeiro médico. Nós ainda vamos a outros pra buscar novas avaliações. E iremos a quantos forem preciso.

- Você ainda pretende voltar nesse médico?

- NÓS duas vamos voltar nele. O doutor quer que você vá à próxima consulta pra que possa conversar com você. Irá, não é?

-  Não sei. - ela resmungou, torcendo o nariz.

- Como não sabe?

- A verdade é que eu não quero ir a um psiquiatra, Juliette. - admitiu.

A simples menção daquele profissional já lhe deixava desconfortável. E estar em uma consulta com aquele tipo de médico, certamente lhe deixaria mais desconfortável ainda.

- Qual é o problema de ir nesse médico?

- Já falei... Eu não estou louca pra ir nele.

A cara amarrada dela ao falar tais palavras, arrancaram um breve sorriso de Juliette.

- Não são só os loucos que vão nesse tipo de médico, Sarah.

- Tanto faz. Eu não quero ir, Juliette!

- Vamos, por favor. - ela pediu, na verdade, suplicou.

Sarah a encarou e se viu sem saída diante da forma suplicante com a qual Juliette lhe olhava. Aquilo ali fez a recusa que estava pronta a lhe dar outra vez, caísse totalmente por terra. Não havia como dizer "não" aquela mulher. Por mais que quisesse, estranhamente não dava. Desse modo, a economista cedeu:

- Tudo bem, eu vou!

Juliette lhe dirigiu um sorriso largo e esse seu gesto encantou Sarah. Era a primeira vez que ela a via sorrir daquela maneira desde que a "conheceu" após acordar desmemoriada.

- Mas só em uma consulta. Apenas uma e nem outra mais! - tratou de avisar.

- Okay! - concordou Juliette por hora.

❤️❤️❤️

Dois dias depois elas estavam na sala de espera do Hospital Central aguardando serem chamadas para a consulta que Sarah teria com a Neurologista. Enquanto estavam sentadas esperando, Juliette pode notar que sua mulher não parava de balançar a perna, e vire-mexe Sarah apertava as mãos e ficava se remexendo inquieta na cadeira, como se tivessem pregos no assento. Conhecia aquela sua inquietude, significava apenas uma coisa: nervosismo!

- Está nervosa, né?

- Um pouco!... Okay, muito. - admitiu diante do olhar óbvio da outra. Juliette sorriu por aquela resposta sua.

- Tenta se acalmar. - Juliette tocou a perna da esposa.

- Difícil, viu!

Com angústia e um pouco de impaciência já pela espera de quase vinte minutos, a loira olhou para o corredor que levava para o consultório médico.

Será que ouviriam coisas boas da doutora? Algum prognóstico mais animador e menos evasivo que o psiquiatra tinha dado a Juliette?

Torcia para que sim!

- Juliette o que... - ela se interrompeu ao encará-la e encontrar a esposa com uma expressão estranha no rosto. - Está tudo bem com você?

- Não sei, Sarah. De repente bateu um enjôo e uma dor no estômago.

- Quer que eu pegue um copo d'água pra você?

- Agradeceria se fizesse isso. - ela fechou os olhos e passou a mão sobre a barriga, incomodada com aquele repentino mal-estar.

Prontamente, Sarah se levantou e foi em passos rápidos apanhar água em um bebedouro distante alguns metros de onde estavam sentadas. Em segundos já estava de volta perto de Juliette.

- Tome! - estendeu a mulher o copo descartável com uma razoável quantidade de água.

Juliette bebeu devagar todo líquido transparente, sentido a náusea ir dissipando devagar. Assim que terminou de beber toda a água, entregou o copo a Sarah que foi jogá-lo na lixeira.

- Melhorou? - Sarah quis saber ao se acomodar de volta ao lado da esposa.

- Sim, obrigada.

- Tem certeza?

- Tenho, Sarah. - ela sorriu como forma de acalmar a outra mulher. Realmente se sentia melhor. Foi tão estranho o que sentiu, pois veio tão de súbito quanto se foi. - Acho que exagerei um pouco no almoço e por isso me senti mal assim. Mas já passou!

- Não é melhor aproveitarmos que estamos em um hospital pra você...

- Imagina, Sarah, está tudo bem agora, de verdade.

A loira não teve poder de retrucar, já que uma enfermeira apareceu avisando que era a vez delas entrarem para falar com a médica. O casal se levantou e a mulher de branco as conduziu até uma porta no fim do corredor. 

- Olá! - a mulher negra, alta, cabelos volumosos, corpo esguio e usando óculos de grau, saudou o casal assim que elas entraram em seu consultório. - Sou a doutora Camilla de Lucas, mas podem me chamar só de Camilla mesmo. - apresentou-se estendendo a mão para cumprimentar cada uma duas mulheres que entraram.

Após a troca de cumprimentos em que Sarah e Juliette também se apresentaram a médica, as três mulheres se sentaram e a doutora Camilla quis saber qual era o problema com sua mais nova paciente.

Como a pergunta foi dirigida a própria Sarah, então ela mesma foi quem a respondeu. Contou o que havia lhe acontecido e a médica ouviu a tudo com muita atenção e fazendo algumas anotações na ficha com o nome da paciente. Assim que Sarah acabou de falar tudo, a médica se dirigiu a Juliette, que até o momento se mantinha calada apenas ouvindo a esposa relatar a situação dela.

- Senhora...

- Juliette. - interrompeu a médica com uma careta engraçada. - Prefiro que me chame pelo nome, sem essa formalidade toda Camilla, senão me sinto uma velha e eu não sou. - suas palavras fizeram a medic sorrir, bem como Sarah.

A única pessoa que se dirigia a ela pelos termos "senhora" ou "dona" era Lumena, mas isso porque Juliette já tinha largado mão de fazer a mulher parar com isso. Dez anos e Lumena ainda teimava com o tratamento formal.

- Não é mesmo. - concordou a médica ainda sorrindo. - E se preferi sem formalidade por mim tudo bem. Como ia dizendo antes... Juliette por acaso sua esposa sofreu algum abalo emocional ou passou por alguma situação de grande estresse antes dela esquecer tudo? - Camilla olhou rapidamente para Sarah, e lhe explicou: - Eu estou perguntando isso a sua esposa, porque como você perdeu a memória não tem como me responder, certo?

A economista assentiu para Camilla.

Em sua resposta Juliette negou sobre a questão do abalo emocional, porém informou a neurologista que nos dias que antecederam a amnésia sua esposa vinha trabalhando direto e dobrado por conta das férias que ia tirar do trabalho. E que por isso, andava, sim, um pouco estressada e com um visível cansaço. 

-  Camilla, você acha que isso pode ter relação com a perda de memória da minha esposa?

- Olha, Juliette... Em um primeiro instante temos que levar em consideração toda e qualquer hipótese. Depois conforme os exames médicos forem sendo realizados, vamos descartando uma a uma as hipóteses levantadas, certo? - Juliette e Sarah assentiram para a médica. - Sarah me diga uma coisa, desde que acordou desmemoriada você tem sentido dores de cabeça ou alguma pontada mesmo que seja de leve?

- Não!

- E sonolência?

- Um pouco.

- Certo.

Camilla ainda fez outras perguntas mais. Toda a resposta que Sarah dava, a médica anotava em sua ficha, já que qualquer informação repassada era de suma importância.

- Camilla, por acaso já viu um caso assim como o meu?

Ela queria ouvir que pelo menos já tenha existido algum caso semelhante, para que assim, não se sentisse uma aberração.

- Anos atrás tive um paciente com esse mesmo problema de perda de memória repentina. Só que no caso dele a perda durou apenas oito horas, é o que chamamos de Amnésia Global Transitória. O indivíduo nesse caso, geralmente tem uma perda de memória com curta duração, que pode ir de alguns minutos até algumas horas. No seu caso essa amnésia não parece se aplicar, porque a sua perde de memória já dura uma semana como me contou.

- Eu tenho chances de recuperar minha memória ou vou ficar sem ela pra sempre?

Camilla lançou um olhar para a esposa de sua paciente antes de resolver, respondê-la:

- Quer a verdade mesmo que ela não seja bem o que você espera ouvir?

A neurologista prezava pela honestidade com seus pacientes, mesmo que esta às vezes fosse dolorosa e não agradasse aos ouvidos deles.

- Sim, doutora!

- Há 50% de chances de recuperá-la, como também há 50% de não recuperá-la. - Camilla viu sua paciente cobrir os olhos com uma das mãos. - Mas esta divisão de porcentagem pode mudar positivamente ao longo do tratamento e das consultas que fomos tendo.

- Assim como pode também não se alterar ou piorar, né?

O pessimismo de Sarah fez sua esposa e a médica se entreolharem.

- Também, não vou mentir.

- Sabia! Vou ficar desmemoriada mesmo. - decretou se levantando da cadeira e pondo-se a andar pelo consultório.

- Sarah, o que eu falei sobre ser positiva? - lembrou a esposa.

- Não consigo ser.

- Sarah... - Camilla chamou retirando seus óculos de grau. - ... Imagino que não está sendo fácil pra você essa situação. Que quer ela acabe para você lembrar das coisas e pessoas do seu convívio. Mas... Entenda uma coisa... casos como o seu, que envolvem perda de memória são algo incerto de dar prognóstico conclusivos prematuramente. Temos que ir devagar quanto a possível volta de suas lembranças, tudo bem?

As palavras de Camilla tiveram o poder de lhe acalmar um pouco, não o suficiente, porque a economista seguia nada satisfeita com aquela incerteza sobre a volta de sua memória.

- Tudo bem! - resmungou a economista voltando a se acomodar na cadeira ao lado de Juliette.

- Eu quero que o mais rápido possível, Juliette... - Camilla se dirigiu a esposa de sua paciente enquanto recolocava seus óculos e puxava um bloco de papel. — ... Leve a Sarah para fazer uma Tomografia Computadorizada, uma Ressonância Magnética e um Eletroencefalograma. Os dois primeiros são para vermos se há alguma lesão no cérebro e o último para analisar a atividade elétrica cerebral. Se quiser podem fazer os três exames aqui mesmo no hospital pela parte da manhã é só agendar o dia e horário. Assim que estiverem com os resultados voltem aqui pra que eu possa vê-las, okay? - estendeu a Juliette o requerimento com a solicitação dos exames que Sarah faria.

- Okay.

- Tendo esses resultados em mãos, eu posso começar a procurar um tratamento adequado para o seu caso, Sarah. - encarou a paciente por cima de seus óculos.

- Certo, doutora! - concordou a loira com um suspiro.

❤️❤️❤️

No caminho de volta para casa, o silêncio imperava dentro do carro guiado por Juliette. A morena por sinal lançava vire-mexe olhares discretos a esposa. Queria lhe perguntar o que tinha achado da consulta, mas Sarah parecia tão alheia e pensativa, que Juliette resolveu manter o silêncio.

"No que será que ela está pensando?"

Observando a paisagem que passava rápido pela janela do carro enquanto sentia o vento bater de encontro ao seu rosto e bagunçar seus cabelos, Sarah repassava mentalmente a consulta de ainda pouco. Cada fala de sua médica ecoava dentro da cabeça da loira de um modo nada animador, que não lhe fazia sentir qualquer esperança quanto a sua 'cura'.

Seria tão mais fácil e maravilhoso se ela pudesse resolver essa situação toda que lhe aconteceu, com um simples estalar de dedos. Mas aquilo não era possível!  E algo lhe dizia que aquela sua situação parecia muito longe ainda de ser resolvida.

O carro parou no sinal vermelho. Próximo dali uma praia. O lugar chamou a atenção de Sarah, tanto que ela pediu na mesma hora a Juliette se ela não podia parar mais a frente para que elas pudessem dar uma volta pelo calçadão e depois pela praia.

- Por que quer passear nessa praia?

Ela a olhava surpresa por seu pedido.

Será que aquele lugar lhe despertou alguma lembrança? .

- Eu não sei explicar... Apenas chamou minha atenção. - contou, desviando o olhar da praia para fitar sua esposa ao volante do carro.

Ouvir essa resposta da esposa fez Juliette sentir o coração dá uma acelerada rápida, pois aquela praia era simplesmente a que elas mais frequentavam com os filhos em fins de semana ou mesmo sozinhas quando queriam um momento só para elas.

O sinal abriu e Juliette sem dizer nada guiou até a vaga vazia mais próxima que encontrou na orla. Estacionou e desligou o carro, para só então encarar a esposa.

- Vamos lá, Sarah. Dá uma volta na praia! - disse enquanto tirava o cinto de segurança e sorria para a esposa, que a imitou.

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