Capítulo II
Primeiro Juliette ergueu uma das sobrancelhas em surpresa, para logo em seguida enrrugar a testa, demonstrando confusão por tais questionamentos da esposa.
- Como assim, Sarah?... Você não sabe quem eu sou?
A loira sentou-se na cama e em silêncio se pôs a fitar brevemente a outra mulher desconhecida. Esforçou-se ao máximo para lembrar-se do rosto daquela estranha ou quem ela era, mas foi em vão porque não conseguiu recordar nada a seu respeito. Ela lhe era uma completa desconhecida!
- Me desculpe, mas não sei mesmo quem é você, nem onde estou e muito menos quem sou.
- Sarah Carolline se isso for algum tipo de brincadeira sua, saiba que é de péssimo gosto. - sua expressão se fechou em seriedade ao fazer aquela reclamação.
Muito embora sua esposa não fosse dada a esses tipos de "brincadeiras", Juliette quis acreditar que Sarah estivesse jogando com ela e por isso, estava dizendo aquelas coisas sem sentido.
- Não é brincadeira! Minha cabeça está vazia!... Eu não me lembro de nada e nem de ninguém.
Seu rosto não exibia qualquer resquício de que aquilo fosse alguma possível pegadinha ou brincadeira sua, o que deixou Juliette em pânico.
- Ah, meu Deus! Não pode ser verdade!
Como assim sua esposa acorda sem lembrar-se de nada?
Ontem a noite, antes de dormir, Sarah estava perfeitamente bem, um tanto inquieta é verdade, porque Juliette percebeu, mas estava bem e com todas suas lembranças. Agora, sem motivo algum aparente, amanhece assim: desmemoriada.
Juliette podia ver nos olhos verdes da esposa um enorme e profundo vazio.
Confusa e desorientada, Andrade desviou o olhar da mulher estranha ali com ela e passou a observar cada canto do quarto buscando ter algum resquício de lembrança que lhe fizesse reconhecer aquele lugar, mas tudo o que ela via ali, inclusive a mulher a qual arriscava um olhar de soslaio no momento, eram totalmente desconhecidos para Sarah. Era como se estivesse vendo tudo pela primeira vez, não reconhecia nada.
- Por que não me lembro de nada?
Perdida a loira indagou mais para si mesma do que para Juliette, que assim como a esposa ainda se encontrava tão assustada com aquele fato, quanto a outra mulher.
- Também gostaria de saber!
Assim como Sarah, Juliette murmurou mais para si mesma do que propriamente a esposa.
Levando as mãos na cabeça, Sarah começou a entrar em completo desespero.
- Céus! Onde estão as minhas lembranças?... Por que as esqueci?... O que houve comigo?
À medida que praticamente cuspia cada uma daquelas perguntas, o desespero por não conseguir encontrar respostas para aqueles questionamentos, foi só crescendo mais e mais na mulher.
Sua respiração tornou-se ofegante, as mãos passaram a apertar com força a cabeça em uma tentativa desesperada de quem sabe assim, "reaver" as memórias perdidas, mas elas não voltavam. Nervosa, desesperada e perdida, a mulher desabou em um choro.
Ao ver a esposa naquele estado, chorando compulsivamente, de fazer seus ombros e o corpo todo chacoalhar, Juliette não pensou duas vezes em passar os braços em torno da esposa e abraçá-la, para tentar acalmá-la e também, acalmar a si própria diante daquela situação assustadora que estavam vivenciando naquele momento.
O mundo parecia ter desabado sobre suas cabeças com aquela inexplicável e súbita amnésia de Sarah.
Por longos minutos a loira chorou nos braços de Juliette, feito uma menina assustada, fazendo com que seus corpos chacoalhassem por conta da força com a qual seu choro vinha. A esposa de Sarah também não se conteve e deixou que várias e várias lágrimas molhassem seu rosto.
Silenciosamente, Juliette só pediu aos céus que aquela aparente perda de memória da esposa fosse algo momentâneo e passageiro. No entanto havia um medo enorme ao pensar na possibilidade desse acontecimento que assolou Sarah, não ser nada passageiro como ela rezava.
E se sua amada esposa ficasse desmemoriada para sempre?
Como seria a vida delas dali para frente?
E os filhos?
Como seria para eles, principalmente para Thomás que era agarrado demais com Sarah, descobrir que a mamãe dele não se lembrava mais de seu "pequeno astronauta"?
E quanto ao casamento delas, como a relação ficaria diante dessa nova condição de Sarah?
Deus!
Eram tantos questionamentos e dúvidas, mas nenhuma resposta ou solução aparente naquele momento, apenas havia medo, muito medo do desconhecido; de uma situação totalmente inusitada e inesperada.
Após mais alguns minutos, Juliette pôde sentir que Sarah parecia ter se acalmado um pouco, pois já não chorava mais em seus braços apenas soltava fungadas. A morena então achou que agora poderiam conversar melhor e tentar entender o que estava acontecendo com a esposa.
- Sarah...
Com cuidado, Juliette desfez o abraço que dava na esposa e se afastou um pouco de Sarah para que pudesse olhá-la nos olhos enquanto se falavam. O olhar vago e confuso continuava ali nos lindos orbes verdes de Sarah e isso causou uma pontada dolorosa no peito de Juliette.
- Tem certeza que não se lembra de absolutamente nada?
A morena perguntou enquanto enxugava o rosto para logo em seguida ajeitar de volta os óculos ao rosto.
- Tenho! - confirmou a loira passando uma das mãos pelo rosto para enxugá-lo para então, focar o olhar em Juliette.
A morena se entristeceu ao perceber que a esposa lhe encarava como se ela fosse uma completa estranha, quando na verdade, Juliette era a mais íntima das pessoas na vida de Sarah.
Elas dividiam a casa, a cama e uma linda história de amor que iniciou-se quando uma tinham 19 anos (Sarah) e a outra 21 (Juliette), e com ambas cursando a faculdade. De lá para cá já haviam se passado quinze anos somando o namoro e o casamento. Para, agora, Sarah estava ali diante de Juliette, olhando para ela daquela forma tão vazia, tão sem brilho... Tão... Estranha.
- Eu vejo tudo aqui nesse quarto e é como se estivesse vendo pela primeira vez... É uma sensação tão horrível. Há um vazio enorme na minha cabeça. - relevou em um tom mais baixo, mas não tão baixo o suficiente que não fosse ouvido pela outra mulher.
Houve alguns instantes de um silêncio quase sepulcral naquele quarto, até que outra vez Sarah se pronunciou, querendo saber de Juliette:
- Como você se chama e o que nós somos uma para a outra?
Ao ouvir a esposa lhe lançar aquelas perguntas, uma nova pontada de dor atingiu o peito de Juliette. E pela segunda vez ela quis chorar.
Sua esposa e amor da sua vida não lhe reconhecia, nem sabia seu nome e muitos menos o que elas eram uma para a outra. Triste! Mas era uma amarga realidade no momento.
Juliette demorou para responder, ficou encarando Sarah por quase meio minuto. E quando enfim resolveu abrir a boca para responder, sua voz saiu trêmula e embargada.
- Eu me chamo Juliette... E sou sua esposa, Sarah!
A loira engoliu em seco.
- Minha... esposa!
Sarah repetiu meio sem acreditar ainda que aquela mulher tão bonita fosse realmente sua esposa.
- Sim! - confirmou, erguendo a mão esquerda onde se podia ver uma aliança de ouro rose cravejada com algumas pedrarias, que enfeitava seu anelar. A jóia bonita e cara havia sido presente de aniversário de dez anos de casamento de Sarah à Juliette, quando a loira propôs a amada de renovarem os votos com uma nova cerimônia de casamento.
Ao ver a aliança na mão de Juliette, Sarah automaticamente olhou para sua própria mão esquerda e vislumbrou a mesma peça, enfeitando também seu dedo anelar.
- Somos casadas há catorze anos. Mas estamos juntas mesmo há quinze. - revelou.
Sarah ficou estática olhando para a outra mulher e digerindo aquela revelação. Ela possuía uma vida com aquela estranha diante de si, mas nem ao menos se lembrava dela. Como assim?!
Juliette vendo que sua amada ainda parecia visivelmente confusa e querendo ajudá-la nesse sentido, teve uma idéia.
- Aonde vai?
Sarah quis saber tão prontamente viu a outra mulher se levantar de maneira repentina da cama.
- Vou pegar uma coisa que talvez te ajude a recobrar de algo.
Sarah ficou apenas a observar Juliette ir até o grande guarda-roupa do quarto e poucos segundos depois, retornar segurando uma caixa de tamanho médio.
Juliette sentou-se ao lado de Sarah e lhe explicou que ali dentro havia alguns álbuns com várias fotos de momentos que fizeram parte da vida delas e, quem sabe, se a esposa visse as fotografias talvez não se lembrasse de alguma coisa ou até de tudo.
A outra mulher apenas assentiu em concordância com a ideia da esposa.
Com calma e uma paciência que Juliette não sabia de onde tinha tirado mediante a gravidade da situação, a mulher foi folheando um álbum por vez a esposa e mostrando a ela cada foto, explicando-lhe sobre a vida delas: como se conheceram (na faculdade ao se esbarrarem por um dos corredores da instituição); quando começaram a namorar (poucas semanas após o esbarrão); o casamento (a cerimônia simplória e restrita a pouquíssimas pessoas, que ocorreu no quintal da casa de Vitória, amiga de Juliette, dois meses após o nascimento de Beatriz); e o "novo casamento" quatro anos atrás (uma bela cerimônia para renovar os votos e reafirmar o amor delas).
Depois Juliette contou sobre os dois filhos que elas tinham: seus nomes, idades, como eram, que ambos foram gerados por Sarah e mais outras coisa. Aí, a morena falou sobre Sarah: seu nome completo, idade, seus gostos, onde trabalha e em quê, seus amigos e tudo mais que fazia parte da vida dela e que pudesse fazê-la lembrar das coisas esquecidas.
Mais calma, Sarah passou a escutar com atenção as informações passadas por Juliette. E mesmo sem reconhecer a esposa, a loira aos poucos ia sentindo confiança e segurança nela e em suas palavras. Vez ou outra, Sarah lhe fez perguntas as quais Juliette prontamente respondeu.
A loira olhava vidrada e demoradamente cada fotografia que Juliette lhe mostrava. Nelas, Sarah quase sempre se via sorridente ao lado da esposa e das duas crianças que a outra mulher lhe disse serem seus filhos. E apesar de tudo que via e ouvia, nada lhe vinha a cabeça, tudo aquilo continuava a ser coisas, rostos e momentos absolutamente desconhecidos para Sarah.
- Como eu posso ter me esquecido da minha vida inteira assim?
Ela apoiou os cotovelos sobre as coxas e escondeu o rosto entre as mãos.
Ver a esposa naquele estado tão vulnerável estava minando com as forças de Juliette. Estava já se tornando impossível para a mulher não ceder ao choro pela segunda vez.
- Sarah... - a morena tocou as costas da esposa e viu com desapontamento e certo choque, Sarah se retecer diante do seu toque, para logo em seguida se afastar um pouco, evitando o contato entre elas. Juliette reprimiu um soluço de choro que quase deixou escapar diante daquela reação de Sarah ao seu gesto de carinho. Rejeição! Aquilo jamais havia acontecido até hoje, até aquele momento. Suspirando, a morena recolheu a mão e se pronunciou com a voz trêmula: - Nós vamos descobrir... o que houve com você. Vou te...
- Me deixa sozinha.
Sarah 'pediu' de maneira bem ríspida ao lançar um olhar um tanto mortal a esposa após interromper sua fala.
- Não me peça isso.
- Saí e me deixa só.
- Não! - teimou Juliette. Ela não pretendia deixar a esposa sozinha, queria estar do seu lado. Ser seu apoio e porto seguro neste momento de confusão e medo pelo qual a loira estava passando.
- Eu preciso de um tempo pra assimilar tudo o que me disse. Será que não pode entender isso? - esbravejou sem impaciência. - Saí daqui de uma vez, garota!
Aquele "Garota" só não foi mais dolorido para Juliette, que a forma rude com a qual Sarah falou e sua reação de segundos atrás quando tocou suas costas.
Aquela Sarah diante dela nem de longe era a sua Sarará.
- É Juliette, Sarah!!... Me chame de Juliette, não de garota!
- Que seja! Apenas me deixa sozinha de uma vez, droga.
Ela retrucou de maneira áspera, antes de cobrir outra vez o rosto com as mãos.
Mesmo não querendo, Juliette decidiu acatar ao pedido da esposa e deixá-la sozinha no quarto. Talvez lhe fizesse bem um pouco de tempo a sós consigo mesma. Saiu do quarto sem dizer mais nada e foi para a sala. Sentada no sofá, ela enfim colocou para fora o choro que bravamente segurou lá no quarto. Chorou de maneira desesperada e compulsiva.
Inevitavelmente o pensamento dela foi naquele momento aos filhos, em como contaria para eles o que houve e em como eles reagiriam com aquela situação da outra mãe.
Enquanto isso no quarto...
Inquieta, Sarah andava de um lado para o outro do cômodo feito uma fera enjaulada. Novas lágrimas vieram lhe visitar a face, ao mesmo tempo em que o medo vinha lhe assombrar.
Ela repassou na cabeça algumas das informações que Juliette havia lhe dado. Se perguntou como era possível esquecer-se assim do nada da esposa que parecia amá-la muito e dos filhos que tinham. Aquilo não fazia qualquer sentido. Ninguém perde a memória assim do nada!
Se aproximou da caixa que Juliette havia deixado sobre a cama e por mais uma vez, olhou alguns dos álbuns de fotografia. Infelizmente nada de lembranças lhe veio a mente ao olhar mais uma vez para as fotos que eternizaram momentos importantes em sua vida, os quais agora não habitavam em suas memórias.
Em cada fotografia, Sarah só conseguia identificar pessoas que ela não fazia idéia de quem fossem. Eram todos estranhos assim como a mulher que disse ser sua esposa.
Por que isso está acontecendo comigo?
Pelo que pode detectar nas fotos, ela era uma mulher feliz com a família que tinha, já que em todas as fotografias que saía ou só com Juliette, ou só com os filhos, ou então com a família toda, ela exibia o mais largo dos sorrisos. Agora se perguntava como viveria com aquelas pessoas que sequer reconhecia e por quem agora, ela não sentia absolutamente... nada!
Na sala Juliette ainda chorava um pouco, quando ouviu o barulho de carro seguido de uma buzina conhecida. Seus filhos chegaram da escola.
Uma única pergunta lhe veio à cabeça: e agora?
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top