Aproveitando a modernidade

Outro dia conversando com minha irmã, descobri mais uma que minha mãe aprontou. E foi rindo dessa história que tive outra constatação: dona Nazinha não tinha limite.

Minha mãe sempre teve a pele branquinha e suas sobrancelhas e cílios ralos, o que os faziam estar sempre realçados com lápis. Quando ela descobriu que poderia fazer à micro pigmentação, começou a perturbar minha irmã para marcar uma sessão para que ela fizesse. Como sempre, ela pediu segredo. Tinha essa mania.

Dia marcado, foram as duas. Depois que minha mãe entrou e começou o procedimento a especialista da clínica informou a minha irmã que iria demorar em torno de uma hora e meia. Minha irmã decidiu sair e voltar depois, e se acaso terminasse antes, a secretária poderia lhe ligar. Assim ela poderia fazer alguns serviços pendentes.

Chegou o horário previsto para o término da sessão, ela voltou à clínica. Assim que entrou e olhou para o rosto da mamãe quase caiu para trás. Ela estava com as sobrancelhas pintadas e os olhos contornados, realçando ainda mais os seus grandes olhos azuis. E quase sem voz para falar minha irmã perguntou:

— Mãe, o que a senhora fez?

— Ficou bom? — ela sorria satisfeita.

— Não eram apenas as sobrancelhas?

— Aproveitei...

Ela contou que não sabia o que responder. Nesta hora apenas pensou em como chegar a casa da mãe com ela toda pintada, definitiva agora. Não era como fazer um teste de maquiagem e se não gostasse poderia lavar e ficar com a cara limpa de novo. Isto porque há até pouco tempo nosso pai não permitia nem que ela passasse batom.

Sem dizer mais nada elas foram embora.

Por dentro ela pensava mil respostas para responder ao pai e aos irmãos que perguntassem o porquê dela ter deixado que a mãe fizesse aquilo. Porém, os irmãos sabiam bem que quando a mãe colocava algo na cabeça não tinha ninguém que a faria mudar de opinião. E o pai? O que ela iria falar?

Por sorte e alívio, naquele dia quando deixou com a mãe em sua casa, não encontrou ninguém e não teve que dar satisfação. Tratou de entrar e sair rapidinho e naquele dia não atendeu nenhuma ligação.

Ficou uma semana sem aparecer na casa de nossos pais.

Quinze dias depois teria a manutenção, ou seja, o retoque da maquiagem. Ela entrou junto com a mãe e olhando nos olhos da especialista falou:

— Não faça mais nada! Entendeu? Nem que ela te implore por uma aplicação de blush ou um batom permanente. Não! Entendeu? E outra, se fizer não vai receber, pois não vou pagar!

Deixado o recado saiu da sala, mas desta vez ficou sentada esperando.

Essa era minha mãe. Acredito que ela sentia que perdeu muito tempo "obedecendo" o meu pai. Deixando de lado suas vontades para satisfazer a dele. Como um simples passar de batom.

Um dia ela se rebelou. Apareceu de batom — bem clarinho — e ele ficou muito bravo. E ela? Comprou outras cores: rosa, vermelhos e marrons. A partir daquele dia não deixou mais ninguém comandar seus gostos.

A sua vaidade aflorou. Aquelas roupas de senhoras, sabe aquelas sérias que as vovós usam? Essas, ela não mais aceitava usar. Na verdade, nunca gostou e depois dessa fase, as odiavam com força.

Em festas de aniversários, natal, dia das mães, ela se sentindo incomodada com os presentes e para não chatear ninguém sempre achava um defeito ali e outro aqui e acabava trocando do jeito dela.

Assim suas roupas foram mudando com o passar dos anos... Mais certas no corpo. Bordadas. Coloridas. Mais colares. Pulseiras. Anéis...

Certo dia a minha cunhada lhe deu uma blusa de presente, uma túnica na verdade: grande, larga, e sem graça. Mamãe cansada das desculpas pegou, olhou e devolveu:

— Sou velha, mas odeio roupas de velha. Troque, por favor!

Hoje, as novidades e facilidades que indústria de estética vem proporcionando, ela estaria se esbaldando. Infelizmente não pode viver para usufruir de tantas maravilhas.

Minha irmã recentemente colocou aplique no cabelo o que proporcionou volume aos ralos cabelos, uma herança genética da minha mãe. Ela estaria com umas madeixas douradas até no meio das costas. Hum... Acho que nem tanto, mas com um bom volume, eu tenho certeza.

Talvez um silicone no bumbum, Botox na testa e nos lábios.

Ah mãe... Que vontade que você tivesse aqui.

Lena Rossi