14°| Querido Diário
E L L E
_ Ele está bem, Elleanor! - Brand diz impaciente. É a quarta vez dentro de uma hora em que ela repete essas mesmas palavras, mas eu simplesmente não consigo acreditar. Não até que meus olhos vejam a verdade.
_ Então por que não me deixa vê-lo? - questiono, empurrando meu prato de comida para longe. O prato praticamente voa para o outro lado da mesa e cai no chão, se espatifando em vários pedacinhos de vidro. Brand grunhe olhando pra cima e em seguida massageia as têmporas.
_ Você prometeu não resistir - aponta entredentes. Posso sentir seu estresse deixar o ambiente mais quente, de maneira em que suor se acumula na minha pele.
_ Ah não, não estou resistindo - eu digo - O prato apenas escorregou... Sabe, acidentes acontecem.
_ Está sendo infantil, Elle. - Diana critica rolando os olhos. Como sempre, o vestido que usa está faltando uns bons metros de tecido.
_ Sabe, talvez um dia eu entenda o que tanto te faz gostar e, pior ainda, confiar em Brand - inclino o corpo na sua direção - Acho que o fato dela ter te dado um quarto de luxo e comida boa, enquanto deixava seu amigo apodrecer na prisão tenha influenciado em algo... Ou estou mentindo?
_ O que quer dizer com isso? - retruca também inclinando seu corpo em minha direção.
_ Você se vendeu para ela e virou as costas para a única pessoa que esteve contigo. Você também deveria estar preocupada com Thomas, Diana! - acuso. Minha voz sobe oitavas de indignação - Ele era seu amigo e ele se preocupava com você!
_ Ele é meu amigo - ela corrige no mesmo tom - Ele não está morto! Ele. Está. Bem!
_ Chega! - Brand esbraveja, o cabelo se inflamou em chamas vermelhas - As duas, chega! - ela se vira para mim com os olhos vermelhos brilhando de ódio, mas sua voz sai baixa e venenosa - Elle, eu te direi onde ele está, mas não pense que está no controle das coisas. Você selou sua promessa e se eu mesma não fizer com que sofra as consequência de não cumpri-lá, o universo irá. E não pense que ele será mais bonzinho do que eu. - ela afunda na cadeira e balança a mão no ar - Seu namoradinho está na enfermaria, agora vá e pare de encher a droga do meu saco!
Com um sorriso de escárnio, me levanto da cadeira e corro para fora do salão de jantar. Ele está na enfermaria, não é uma frase difícil de ser dita, no entanto, Brand complica até a mais ordinária das coisas. E eu, bom, eu apenas estou jogando o mesmo jogo que ela. Eu cansei de sentir medo e me enxergar como um pedaço de porcelana que está prestes a quebrar.
A questão é que eu já estou quebrada em tantos pedaços, que seria impossível me montar novamente. Não tenho mais nada dentro de mim para ser destruído. Não é mais questão de força, mas de resistência. E também não é mais por mim, é pelos sacrifícios realizados no caminho e que eu me recuso a torná-los vãos.
Corro perdida pelos corredores até finalmente achar a enfermaria. O cômodo é vermelho como todo resto do castelo e as únicas coisa que o diferencia são as diversas camas espalhadas e alguns equipamentos estranhos. Sem falar no cheiro horrível de planta queimada. Deitado em uma das últimas camas, está Thomas, sendo cuidado por uma enfermeira alta e ruiva, com a mesma máscara dourada cobrindo metade do rosto. Por um momento, ela me lembra Eyra e o mundo parece ficar mais lento e pesado.
Tento me recompor.
_ Você está bem! - grito aliviada, correndo até Thomas. A enfermeira se afasta para me dar espaço, mas assim que abro os braços para abraçá-lo, ele recua para o canto assustado. Ainda com os braços erguidos, tento processar a cena. Thomas parece perceber o que fez e me encara envergonhado. Receoso, ele tamben abre os braços, mas não parece confortável com a ação.
É a minha vez de recuar. Ele está com medo de mim e é totalmente compreensível.
_Uhm, oi - ele diz coçando a nuca.
_ Oi. - minha voz parece sufocada. Nos encaramos em silêncio, sem saber o que fazer ou falar - Então, você está... Bem?
Tenho vontade de pular de um precipício. É claro que ele não está bem! Que pergunta mais imbecil...
_ Acho que sim. - ele dá de ombros - E você? Parece mais saudável!
_ É... Brand está me obrigando a comer. Quer me tornar mais forte para o abatedouro...
_ Não fala assim - ele pede seriamente, os olhos escuros me observaram com tristeza - Você não vai morrer, Elle.
Você não tem certeza, é o que eu quero dizer para ele, mas me contenho.
_ Quando vão te liberar? - pergunto, desviando o assunto. Thomas suspira e volta a se deitar, encarando o teto.
_ Não sei - responde - E, de verdade, eu não tenho certeza se quero ser liberado... O que acontecerá comigo depois? Sem ter para onde ir, sem minha família, longe da Califórnia. Longe pra caramba! Duvido que Brand me dará um abrigo que não seja outra cela.
Eu nunca tinha parado para pensar nisso. Eu não tinha deixado nada pra trás, além de uma madrasta cruel e seus dois projetos de Barbie. Mas Thomas deixou tudo e não foi por vontade própria. Por algum motivo, um colar estúpido decidiu que deveria trazer não apenas uma, mas duas pessoas totalmente normais para um mundo totalmente anormal... Ele deve sentir tantas saudades de casa.
_ Quando toda essa confusão acabar - e se eu estiver viva até lá - Vamos dar um jeito de te levar pra casa, Tommy.
Ele sorriu agradecido e eu fui embora, torcendo para que não fosse uma promessa vazia.
. . .
Eu tenho uma lista enorme de coisas improváveis que aconteceram comigo, mas nunca pensei que ter o quarto invadido na calada da noite pelo meu ex instrutor de guerra fosse fazer parte dela. No entanto, ali estava Sir.MacFarland, puxando meu pé para que eu saísse da cama e seguisse ele. Meu juízo estava claramente afetado pelo sono, então eu simplesmente fui atrás dele. Aquele mesmo sentimento estranho de que eu deveria confiar naquele homem ranzinza ardia dentro de mim.
Deveria ser o ponto alto da madrugada, porque não havia nenhuma alma viva pelos corredores e nenhum barulho além do assobio do vento quente de Ternes. Sir.MacFarland seguia à frente iluminando o caminho com uma tocha.
_ Para onde estamos indo? - pergunto no meio de um bocejo.
_ Shhh! - ele me olha com raiva - Quer acordar todo o castelo? Cala a boca e apenas me segue.
Ele voltou a andar. Vez ou outra, tínhamos que nos esconder dos guardas no turno da noite - ou seria da manhã? - e depois de certo tempo andando e minha mente começando a despertar, reconheço que estamos no caminho para a biblioteca.
_ Por que... - engulo o resto da pergunta ao receber seu olhar severo.
Por fim, paramos em frente à porta de madeira, que grita como uma sirene quando tentamos abri -la. Lentamente, conseguimos uma brecha grande o suficiente para que possamos ateavessa-la sem que faça mais barulho. O cheiro de mofo e poeira me acertam em cheio e eu repreendo um espirro. Sir.MacFarland não espera por mim e some biblioteca adentro. Posso ver a luz da vela que segura se movimentado e me guio por ela, esbarrando em móveis e tropeçando em pernas de cadeiras. Quando chego ao fim da biblioteca, ele está sentado em uma das mesas, rodeado por pilhas de livros.
_ O que é tudo isso? - pergunto pegando um livro pra analisar. O título é "Hellige" escrito em Deesh antigo.
_ Chegou a hora da aula de história! - ele diz com um falso entusiasmo. Ele balança a mão, indicando a cadeira na frente da mesa. Relutante, obedeço - Bom, não temos muito tempo, então teremos que resumir ao máximo. Sorte termos isso... - Sir.MacFarland analisa o título dos livros e pega um de capa de couro preta - Aqui! Perfeito! Com sorte será o único que precisaremos.
Ele abre o livro e aponta o primeiro parágrafo para mim ler. Me assusto ao ver que está completamente escrito em inglês:
"Provavelmente algum dia de novembro, Hellige.
Querido diário, hoje faz uma semana desde minha chegada nas Terras Sagradas. Um mês desde que fui arrancado dos braços de Londres para parar neste mundo hostil, mágico e encantadoramente cruel. Estou certo de que alcancei o limite da sanidade, mas prefiro acreditar que registrar todas essas coisas retardará meu processo de loucura. Embora, se a profecia estiver certa e ser eu um verdadeiro Filho do Gelo, gostarei de manter em lembrança o homem que nunca mais tornarei a ser. Porque o gelo consumirá minha essência e me tornarei como ele, perigoso, traiçoeiro e incapaz de sentir.
[...]"
Oii, meus Flocos de Neve!
O que acharam do capítulo? Curiosos? Espero que sim, hehehe
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Você é incrível!
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