CAPÍTULO 03| ME ENCONTRE ATRÁS DO CAFÉ

Acho que eu estava louco quando decidi aceitar trabalhar atendendo gente, odiava a forma como eles não tinham paciência; quando voltavam querendo reclamar de um problema que não existia, quando reclamavam que o café tava frio demais ou quente demais. Era contraditório demais. E me irritava profundamente.

A cafeteria não estava tão lotada como de costume àquela tarde, metade dos clientes deviam está em suas casas, curtindo uma folga, enquanto assistiam alguma coisa boba na televisão e comendo besteira.

Menos eu, que estava trabalhando naquele dia, mesmo estando em completo estado de desespero.

Olhei para o celular meio quebrado em cima do balcão, o papel de parede até que era fofo, um gatinho com fones de ouvido e vários gatinhos ao redor dele.

— Inferno — xinguei, mas depois percebi que tinha um cliente na minha frente. — Desculpa, não é com você, eu só... O que vai querer?

Eles não estão aqui para ouvir seus problemas, só faça o que eles pedem e pronto.” Foi o que meu chefe me disse antes de me contratar.

— Obrigado pela preferência, senhor. Volte sempre.

Revirei os olhos e voltei a encarar o bendito celular. Como eu ia chegar nele e devolver, se quando eu fiquei perto dele na última vez eu quase perdi a força das minhas pernas de tanto medo? Ou outra coisa, eu não sei...

— Bom, oi, Gregory, seja lá qual seja seu nome, eu vim devolver seu celular que você gentilmente deixou comigo quando quase me bateu no corredor. Eu gostaria que você enfiasse ele bem no meio do seu cu!

— Eita! Falando sozinho agora? Essa é nova! — disse Julia rindo, se sentando em uma das cadeiras no balcão.

— Fnalmente alguém com quem eu possa falar. Acredita que eu quase falei meus problemas pra um velho aleatório? — eu disse suspirando, fazendo ela me olhar estranho. Como sempre.

— Tá legal... Você tá me assustando. O que aconteceu, Lip?

Apontei para o celular no balcão como se quisesse que ela descobrisse do que eu estava falando, o que fez ela arquear as sobrancelhas, confusa.

— Tá, o que tem seu celular? Nossa... — ela pegou-o de cima do balcão e eu me senti aliviado por não falar de quem era em voz alta — O que houve? Como que quebrou? Cara, sua mãe vai te matar...

— O que? Não! Não é meu!

— Então você roubou um celular, o que é pior ainda — ela balançou a cabeça, sorrindo.

— Esse celular é do Gregory, Julia. Do demônio em forma de gente. — ela fez uma cara de quem estava tentando lembrar de qual demônio eu estava falando — Do agressor de professor.

— Do aluno novo? Puta que pariu! — xingou ela assim que se lembrou, colocando a mão na boca.

— Fala baixo! — olhei para os clientes e aparentemente nenhum escutou o palavrão. Era proibido xingar aqui dentro, pelo menos para os funcionários.

O cliente sempre tem razão, Lip!” Ele sempre diz.

— Olha, acho melhor você me contar como que isso aconteceu ou eu não respondo por mim — ameaçou, pegando no meu avental e me puxando para mais perto.

E foi isso que eu fiz, contei tudo para ela; o que aconteceu no corredor, como aconteceu e principalmente com quem aconteceu, e a cada pausa que eu dava ela falava um palavrão. Quando terminei, ela ficou por alguns segundos quieta, pensativa.

— Então você esbarrou nele...

— Ele esbarrou em mim, corrigindo — reiterei, limpando o café que deixei acidentalmente cair em cima do balcão quando fui atender um cliente — Cara, eu não sei o que fazer.

— Eu tenho uma sugestão — ela se aproximou de mim e sussurrou — Que tal você simplesmente devolver o celular dele e pegar o seu de volta?

— Uau, você realmente me ajudou muito.

Sai dali e fui para os fundos, a máquina de sorvete estava quase acabando e parecia que só eu trabalhava ali, já que ninguém lembrou de abastecer.

Julia veio logo atrás de mim mesmo sabendo que era proibido levar pessoas que não eram funcionários para lá.

— Você sabe que é proibido, não é? — questionou Deborah, assim que nos viu chegando. Ela era uma das atendentes só café e limpava alguma coisa no chão.

— Eu sei, Deborah! Ela só veio me ajudar a pegar umas coisas, já que ninguém lembrou de abastecer a máquina de sorvete e como sempre eu tenho que fazer tudo sozinho — resmunguei, sem papas na língua. Eu não era assim todo dia, eu só estava nervoso.

— Você tá fazendo uma tempestade em um copo d'água, sabia? Só chega nele e fala! O que ele vai fazer? Te agredir? — disse Julia, pegando dois sacos de gelo.

— Eu não duvido e nem quero testar pra ver.

Peguei o resto das coisas e então saímos, antes que meu chefe chegasse e visse aquela cena. Fomos até a máquina de sorvete e eu comecei a abastecer novamente.

— Finalmente vocês chegaram! — Julia disse juntando as mãos, ao ver Trevor e Liza chegando.

— Aqui vos fala, mortais! — disse Trevor, me dando um abraço e pegando uma casquinha de sorvete logo em seguida.

— Para! — dei um tapinha na mão dele.

— Por que finalmente? Aconteceu alguma coisa? Tem a ver com aquele imprevisto que você teve hoje?

Liza era assim, ansiosa demais, sempre quando alguém começava algo e não terminava ela ficava enchendo o saco até a pessoa finalmente contar. E ela dificilmente esquecia, então estava fora de cogitação você tentar disfarçar.

— Liza, Olá! Boa tarde! Como eu tô? Fora o fato de eu estar em posse do celular do garoto mais perigoso da escola, vulgo Gregory ou seja lá qual seja o nome dele, depois dele esbarrar em mim no corredor e a gente acidentalmente trocar os celulares, e agora eu não sei como chegar nele e pedir para destrocar, eu tô bem! — conclui, parando para respirar depois de falar sem uma pausa. Trevor e Liza se olharam e xingaram juntos, dessa vez acho que os clientes ouviram. Olhei para os dois com um olhar de repreensão, uma hora ou outra nós 4 seríamos expulsos dali.

— Tá, desculpa! Mas você tem que explicar pra gente o que você acabou de falar ali — Trevor disse, se sentando ao lado de Julia e pegando o menu, como se ele realmente fosse pedir alguma coisa.

— Eu já falei o que aconteceu, a gente se esbarrou no corredor, ele esbarrou em mim, mas enfim... Acho que a gente nem percebeu que pegou o celular um do outro na hora, já que eu me concentrei em não provocar ele e ele talvez...

— Se concentrou em não te beijar? — falou Julia, fazendo nós três olharmos para ela. — Desculpa, eu tô lendo uma fanfic Sterek exatamente assim e eu acabei mentalizando isso, enfim...

— Isso não é uma fanfic, Julia. Ele quase me bateu, acreditam? Por isso só me lembrei de olhar pro celular quando eu já tava no carro, de tanto medo que eu sentia na hora.

Eu talvez tenha ocultado metade da história para não assumir que eu fiquei meio nervoso do lado dele, e que eu não ironicamente tinha achado ele bonito e atraente. Eu me senti atraído por ele, droga. Mas eu iria falar isso em voz alta para aqueles três? Nem morto!

Talvez eu estivesse fazendo mesmo uma tempestade em um copo d'água, mas eu não ligava, quanto mais longe daquela galera melhor, e isso incluía qualquer contato, mesmo que fosse para recuperar meu celular. E se ele não devolvesse o meu assim que pegasse o dele? Ou melhor, se ele me obrigasse a colocar minha senha e visse todos os meus segredos mais profundos no diário digital que eu tinha?

Sim, eu tinha um diário digital. Talvez Liza tivesse razão, eu estava em uma grande fanfic patética e não sabia.

— Eu tô muito ferrado — coloquei minha cabeça no balcão e fingi chorar. Talvez eu quisesse mesmo.

— Olha, se eu fosse você iria logo treinando como chegar nele, já que ele os amigos dele acabaram de entrar aqui — afirmou Trevor.

— Muito engraçado...

Olhei e vi que era verdade mesmo, o que me deixou mais nervoso ainda. Ele andava com o maldito do Thomas e outro deles, os três rindo, provavelmente de alguma piada maldosa já que era a única coisa que saía da boca deles.

— Merda— comecei a andar de um lado para outro, minhas mãos estavam suando.

— Algum de vocês vai lá e atende eles, por favor? — supliquei, encarando os três agora sentados, conversando descontraídos. Eles olharam para o balcão e então eu me escondi com um dos cardápios.

— Depende, eu vou ter plano de saúde e salário? — Trevor fez uma piada, rindo. — Pelo amor de deus, Lip! O que eles vão fazer? Te bater? Vai lá, pergunta o que eles querem e pronto. Alguém vai lá deixar, eles comem, vão embora e você segue sua vida.

Da forma que ele falava parecia muito fácil, como se ele não soubesse o tipo dos clientes que eu iria atender.

— Odeio vocês! — disse, pegando um caderninho para anotar os pedidos e me dirigindo até eles.

— Você consegue, amigão! — falou Julia, como forma de incentivo.

Eles perceberam que eu estava indo até eles e pararam de conversar, assim que parei perto da mesa, eles me reconheceram. Olhei para Gregory por alguns segundos e ele também me olhava, rindo de lado, não para mim, mas de mim. Engoli seco.

— Lip? Não acredito! Você trabalha aqui? — disse Thomas, irônico, com um sorriso nojento no rosto. Idiota.

— Oi, Thomas — falei, com a voz falha. — O que vocês vão querer?

Eu estava evitando olhar para qualquer um deles.

— Ah, para! Sério que só vai falar isso?

— É o padrão daqui do café, senhor — afirmei cabisbaixo, e isso fez eles darem uma gargalhada, quando não tinha nada de engraçado alí.

Ah, lembrei, tinha sim: eu.

Me permiti olhar para Gregory e agora ele não estava rindo mais como antes, só estava olhando as opções no cardápio. Achei estranho, achei que ele estaria se divertindo tirando onda com a minha cara.

— Escolham logo a porra da comida — ele falou pela primeira vez desde que cheguei, e fiquei impressionado por não ser nada direcionado a mim.

— Calma lá, princesa! Tá de TPM hoje?  — Thomas olhou para o menu por alguns segundos, e eu torcia logo para isso acabar. — Eu vou querer três rosquinhas com cobertura de chocolate, e um desses... Como se chama isso aqui mesmo? Waffles! E um café!

Olhei para Gregory e sem precisar falar qualquer coisa, ele falou:

— Só vou querer um café mesmo.

— Tudo bem. Anotado.

Fechei o caderno e olhei mais uma vez para ele, que voltou sua atenção ao celular, o meu celular. O que eu entendi como um sinal, assim como eu ele também estava maluco para pegar de volta o dele.

Quando cheguei de volta ao balcão, Trevor iniciou seu sarcasmo.

— Viu, amigo, você conseguiu! Parabéns! — ele deu duas batidinhas no meu ombro, rindo.

— Como foi? Vendo aqui pareceu que foi de boa — Julie disse, encarando os três capetas logo atrás da gente.

— Foi horrível — eu disse, entregando os pedidos a uma das garçonetes — Eu quis arrancar minha cara só pra não poder olhar para aquele demônio do Thomas. Eu odeio meu trabalho — encostei minha cabeça no balcão, suspirando.

Por um breve momento, decidi dá mais uma olhada para a mesa deles, para ver se ainda estavam fazendo baderna, e o pior é que estavam mesmo. Gregory e eu nos olhamos rapidamente até eu virar o rosto para um lugar aleatório do balcão.

— Talvez ele seja gay — disparou Liza, se aproximando de mim.

— O que? — questionei, sem entender nada.

— O jeito que ele olha pra você — disse ela, em um tom bastante sugestivo para mim — E você também olhou pra ele...

— O que? Claro que não! — me esquivei nervoso, rindo.

— Eu também percebi, amigo. — Julie se meteu.

— Vocês duas são malucas! — eu disse.

— Concordo, meu caro amigo! — agora foi a vez de Trevor entrar no assunto que nem deveria estar em pauta — Eu em toda minha vida nunca vi alguém tão hetero quanto aquele cara, confiem em mim, meu gaydar não falha — ele falou, cheio de si. Olhei novamente para ele e o Trevor tinha lá suas razões, ele parecia bem hétero para mim.

— Acho isso de especular a sexualidade alheia um pouco antiética, gente — disse Julie, mesmo depois de fazer isso. — Se ele fosse mesmo gay ele provavelmente não iria sair anunciando por aí, ainda mais sendo amigo daqueles idiotas.

— Obrigado! — agradeci, esperando que aquele assunto morresse de uma vez.

— Meu tio é gay — confessou Trevor, de repente.

— Sério? Aquele padrão gostosão que ficava malhando no quintal quando a gente ia te visitar? — Liza perguntou, realmente surpresa.

O que me deixou surpreso mesmo foi elas não saberem disso, aquele homem exalava homossexualidade. Que hetéro se cuidava tanto daquele jeito?

— Posso te arrumar um rolê com ele se você quiser, Lip — Trevor sugeriu, encostando a cabeça no meu ombro.

— Ele tem o dobro da minha idade!

— Que isso, amigo? Ele não é tão velho assim!

— Não! Chega desse papo! Vão embora daqui e me deixem trabalhar! — falei, indo para trás do balcã, de onde eu nem deveria ter saído.

***

O dia finalmente estava acabando e eu estava pronto para fechar o café e ir para minha casa, eu não via a hora de ir embora, deitar na minha cama confortável e dormir que nem uma pedra. Não tinha ninguém ali além de mim, então eu aproveita e pegava os restos de comida que sobravam, já que minha a minha irmã provavelmente me mataria se eu não levasse bolo ou algum outro doce para ela.

Claro, minha mãe nem sonhava com isso, já que ela faz questão de lembrar que comer doce todos os dias não fazia bem para a saúde, e ela tava certa de qualquer forma.

Quando eu terminei de fechar tudo, o celular que até então estava quieto no meu bolso começou a vibrar. Era um número desconhecido.

Resolvi não atender, já que não era meu celular e era uma tremenda falta de educação atender uma ligação que não é para você.

Novamente ele começou a tocar. Desliguei.

Quando tocou pela terceira vez, encarei a tela do celular por alguns segundos e tomei coragem pra atender, e assim que o fiz, uma voz grave e estranhamente familiar ecoou no meu ouvido.

— Por que não atende essa merda? — era ele, com a mesma gentileza que foi comigo na última vez que nos falamos.

— Desculpa... Eu...

— Foda-se! Vem aqui nos fundos, quero devolver seu celular e acabar logo com isso — ao dizer isso, ele desligou na minha cara.

Bom, não era muito de se esperar de um grosseiro como ele.

Será que era uma pegadinha dele e daqueles babacas? Vai ver ele falou para eles que estava com meu celular e o Thomas deu a ideia de me atrair para os fundos e todos me encherem de porrada. Era uma possibilidade? Sim, era! Mas eu teria que arriscar.

Quando cheguei nos fundos, ele realmente estava lá, de costas e sozinho, fazendo eu dá um estranho suspiro de alívio. Soltei um pigarro e ele se virou, com a mesma cara fechada de sempre. Dei um leve sorriso para ele, talvez esperando que ele devolvesse, porém ele me odiava o suficiente para não cometer esse erro.

— Vai me dá ou vai ficar parado aí? — ele perguntou, se aproximando.

— O que?

Talvez, só talvez, minha mente tenha dado uma bela viajada para um lugar muito longe dali.

— O celular, cacete. Cadê meu celular? — repetiu, sem paciência.

— Ah, claro! — peguei o celular dele no meu bolso e devolvi para ele — Toma.

— Aqui o seu — ele estende o celular na minha direção e então, meio acanhado, eu o peguei. Dei uma olhada nele para ver se não tinha algum dano da queda e pelo visto estava normal. Não seria surpresa ele aparecer quebrado já que o coitado caiu de muito alto e tudo foi culpa daquele garoto que estava na minha frente.

— Pera aí... Como você descobriu minha senha?

— Eu tive que restaurar. — falou, com toda naturalidade do mundo.

— Você o que? Eu tinha coisas importantes pra salvar na nuvem! Você não devia ter feito isso. — falei, olhando cada lugar do aparelho, e não tinha mais nada lá além dos aplicativos padrões.

— Tem sorte que eu não joguei ele na privada.

— Você ainda tá sendo sarcástico comigo? Pelo amor de deus! — só eu sabia a raiva que eu tava sentindo naquele momento.

— Como você queria que eu te ligasse se eu não sabia a porra da sua senha?

— Mas isso não quer dizer que você tinha que ter formatado a porra do meu celular. Não custava nada agir como uma pessoa normal e ter me chamado, até porque você me viu hoje. — fui áspero, quase esquecendo com quem eu estava conversando.

— Você quer mesmo falar de pessoa normal? Seu esquisitão! — ele disparou, com um um tom irritante na voz.

— Desculpa se eu não cumpri suas expectativas — fui ácido, devolvendo o tom irônico na minha voz. Ele fez uma cara esquisita, provavelmente me achando esquisito também.

— Eu não tô nem aí pra você, cara! Já trocamos o celular, eu só não quero nunca mais ter que trombar contigo — disse, depois de dá mais uma olhada cheia de desgosto para mim. Ele se virou e saiu, me deixando sozinho.

Fiquei alguns segundos parado, absorvendo o que tinha acabado de acontecer. Como alguém poderia ser tão ridículo e idiota como aquele cara?

Att: depois de séculos sem publicar aqui, vou voltar a atualizar Me Encontre Nos Corredores, não garanto que sairá atualização todo dia, mas que vai ter um final sim. :)

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