Linhas Jogadas ao Vento (@lollipopmars)

Desculpe-me se não pude começar a presente carta com o seu nome. Sabe como são as coisas, tudo é tão complicado. Queria ter nascido em outra época. Uma época em que essa horrenda guerra não mais existisse e onde pudéssemos ficar juntos, sem medo. Apenas viver o nosso amor em sua mais pura forma, sem julgamentos, sem reprimendas, apenas nós, sob a luz do luar, em uma planície qualquer do sul.

Pergunta-me tanto sobre a Guerra, por que, meu amor, tanto te interessa a desgraça e a miséria trazidas à terra por esta terrível Guerra que parece nunca ter fim? Não imagina a sorte que tens de não precisar estar aqui. De poder ficar aí, em sua casa, seguro, longe desse horror. Tão difícil é para receber tuas cartas, e vêm cheias de palavras terríveis, de lembranças do que me espera lá fora. Uma Guerra que nada mais trouxe do que horror, fome e morte. Sim, muita morte. Estou cercado pela morte. Todos os dias vejo companheiros morrerem nessas malditas trincheiras. Vejo-os sofrendo, vejo o povo sofrendo, a miséria assola esse maldito e gelado país. Não há onde plantar, o que não está coberto de gelo, foi devastado pelas batalhas. A única coisa que parece não parar de crescer aqui é o medo. O medo assola não só a mim, mas a todos os meu companheiros. Medo da morte, medo de não conseguir lutar pelo cansaço, pela fome. Alguns de nós, e também me incluo nesse "nós", estão tão magros que o uniforme parece dançar em nosso corpo. "O exército de esqueletos do Führer!", foi o que ouvi de um homem de Berlim. Não que ele deseje mal ao Führer, foi apenas uma piada com a nossa situação, pois, tenho plena certeza de que o Führer faz tudo o que lhe é possível para nos manter em boas condições e o mais saudável possível, mas, o inimigo é o maior culpado por nossa desgraça, e pela fome. Seria tão mais fácil se eles simplesmente se rendessem. Se todos se rendessem, então, tudo isso iria chegar ao fim, e eu poderia voltar para seus braços, doce bailarina.

Confesso que, às vezes, tenho dúvidas sobre medidas tomadas pelo nosso querido Führer. Eu sei que ele está certo, que suas intenções são as melhores e que a Alemanha merece ser reconhecida como a grande potência que é. Que nós precisamos ser ressarcidos pelo que aconteceu na outra Grande Guerra, mas, será que ele não se apieda de ver seu povo morrer? De ver tantos de nós perecer em batalha, lutando por uma causa que já nem sei se é tão justa assim. Uma causa que parece trazer apenas desgraça ao povo. Na realidade, eu só quero que isso acabe de uma vez, para que possa voltar à Munich.

Lembro-me que falou sobre os campos de trabalho, sim, eu poderia tentar pedir uma transferência, poderíamos nos ver com mais frequência, Dachau não é longe de Munich, poderíamos nos ver sempre. Poderíamos até nos casar. Sim, eu sei dos riscos, mas, ainda assim, quero me casar com você, mesmo que não possamos fazê-lo numa igreja, mas, espero que você ainda queria se casar comigo, doce bailarina. Rezo que não tenha encontrado outro para aquecer sua cama, enquanto congelo nessas horrendas trincheiras.

Mas é preciso confessar que as histórias que ouvi dos homens sobre os campos de trabalho não são das melhores. Falam de uma violência terrível, de muitas mortes, um soldado do sul disse ter vindo de Auschwitz e, mesmo não tendo dito muito, falou preferir congelar na Sibéria do que ter que voltar para aquele lugar novamente. Temo que Dachau não seja muito diferente.

Faz tanto frio aqui, tenho medo de que, se escrever por muito tempo, meu dedos irão congelar e cair. Acredite se quiser, isso realmente aconteceu com alguns prisioneiros. Não quero ter o mesmo destino, como poderia voltar a tocar tua pele macia?

Ainda não sei o motivo de termos vindo tão longe, para a Rússia, aqui parece nunca haver sol, pelo menos não um que sirva para nos aquecer. É sempre frio, e a noite quase parece não ter fim, mas, de qualquer forma, não estou no poder de questionar as decisões do nosso amado Führer. Ele comanda-nos com experiência e sabedoria.

Às vezes marchamos por dias. É uma marcha lenta e as nevascas atrapalham, os carros atolam com mais facilidade, o combustível sempre acaba rápido demais. Às vezes encontramos alguma cidade, mas estão sempre vazias, como se alguém já as tivesse saqueado. O Exército Vermelho não tem deixado nenhuma brecha sequer, estamos cada vez mais atolados nesse monte de neve. Acredito que, se o inferno realmente existir, ele é aqui, nesse fim de mundo congelado.

Estamos indo em direção à Stalingrado, mas a cidade parece se mover constantemente. Quanto mais marchamos, mais parece distante.

Tenho estado tão perdido que já nem sei em que dia ou mês estamos. A única coisa que me lembro foi de ter te deixado aos prantos em Munich, em 1941. Um ano se passou? Uma semana? Um mês? Eu realmente não sou mais capaz de discernir a passagem do tempo.

Escrevo-te enquanto deveria estar dormindo e tentando descansar para o assalto que ocorrerá amanhã ao alvorecer. Confesso que tenho medo. Tenho medo de não sobreviver à batalha, de não poder voltar a sentir o calor de teus braços, de nunca mais voltar a sentir o perfume doce que teus cabelos tão amarelos como o sol do verão parisiense exala. Temo não mais voltar a te ver dançar. Danças tão bem, meu amor, como um pequeno pássaro a voar sobre os palcos, tão livre, tão belo. A tua lembrança é o que me mantém vivo, é o que me dá forças para continuar lutando.

Como queria poder levar comigo uma foto sua, mas, é tão arriscado, não posso arriscar te perder. A distância já é suficientemente dolorosa, não suportaria te perder de outra forma. Não sei se conseguiria viver sabendo que perdeu a vida por mim. Temo por nosso amor, temo o que pode ser feito de nós. Agora, mais do que nunca, gostaria de ter te escutado, poderíamos ter fugido para uma ilha qualquer, um lugar bem longe daqui, longe dessa maldita guerra. Sinto tanto por não ter te dado ouvidos, meu amor. Agora já é tarde, não posso desertar. Seria um homem morto se o fizesse. Preciso seguir em meu dever e honrar ao meu país, como o homem que sou.

Agora, meu amor, a batalha se aproxima, é chegada a hora de partir, espero que esta carta consiga chegar até você, eu prometo que tentarei ao máximo voltar inteiro e o mais rápido possível para Munich. Não sei como, mas eu sei que vou conseguir. Não gosto muito da ideia de ir para Dachau e do que quer que seja o que fazem lá, mas, se isso me fizer ficar perto de você, sequer pensarei duas vezes. Não posso ficar mais longe de ti, meu amor. Tu és minha ponte para a felicidade. O caminho da minha salvação. É incomensurável a falta que sinto de ti. Mantenha-se a salvo e bem. Eu prometo, estarei em casa mais rápido do que imagina.

Agora, realmente preciso partir.

Com todo o meu amor,

Swen.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top