6- Thiago


       Luísa, será que eu vou ter que te contar do nosso passado?

       Eu não poderia mentir para mim dizendo que não me importo em olhá-la e não contar nada. Queria conseguir falar tudo e me aproximar de novo dela.

       É verdade que me sinto diferente perto dela, mas... Ainda assim, é bom. Aquela alegria, aquele sorriso lindo...

       Eu até gostei da ideia de Camila, só que... Se torna até uma tentação olhar para ela, ensaiar com ela, tocar ela... E ser burro o suficiente pra não conseguir tê-la de fato. Opa! E eu quero? Desde quando?

       Eu nem sabia como tudo aquilo foi acontecer, como de repente... Ela chegou na escola e eu só tinha olhos para ela. Desejando, até hoje, na escuridão, sem que os outros ou ela mesma perceba. Era fácil enganá-la, pois ela era tão ingênua. Talvez eu devesse começar a agir, a fazer alguma coisa. Nós dois éramos tão diferentes e talvez ela não sentisse nada por mim. De qualquer maneira, eu queria tê-la mais próxima de mim, para que eu pudesse protegê-la das pessoas que falam dela na escola. Só não sabia como eu iria fazer isso. Talvez, os ensaios à sós com ela me ajudassem... O que está havendo comigo?!

        Pisquei duas vezes.

        Precisava dormir, mas não conseguia parar de pensar nela...

        Ok, preciso fazer algo a esse respeito.

         Toc-toc. Alguém batia na porta do meu quarto. Levantei da cama e abri a porta. Era Patrícia. Ela olhou para mim e para o chão.

       - Oi, Thiago... - Ela disse, com os braços ao redor de si mesma.

       - Oi - respondi.

       - Posso entrar? - Ela parecia tão frágil e abatida.

       - Claro - disse, abrindo mais a porta.

       Ela entrou e se sentou na cama olhando todo o meu quarto, parede por parede.

       - Sabe, nem me lembro da última vez em que entrei aqui.

        - Nem eu. - Fechei a porta atrás de mim.

        Ela me olhou. Tentou sorrir, mas não conseguiu.

        - Thiago, eu sei que não somos irmãos de verdade, mas pra mim é como se fôssemos...

        - Ei - eu a interrompi - é claro que somos irmãos de verdade! Não de sangue, mas quem se importa? - Me sentei ao seu lado e a abracei.

        - Eu perdi meu pai muito jovem... E você perdeu sua mãe...

        - É, eu sei... - Respondi.

        - Sente falta dela? - Vi seu olhar triste se arrastar até mim.

      Inspirei. Era difícil pra mim.

       - Ás vezes, quase o tempo todo. Sentia mais quando era criança e me perguntava porque ela havia ido. Agora, eu sei que ela não vai voltar. Eu não me sento mais perto da janela como se ela fosse aparecer a qualquer momento. E a Márcia é uma excelente mãe pra mim.

       - Hum... Sinto muita falta do meu pai. Até agora. Ele era tão apaixonado pelo que fazia e pela minha mãe... Ás vezes, é como se ele ainda estivesse aqui e já se passou tanto tempo... - Ela levantou os olhos novamente e focou em mim. - Thiago... E... Se eu não conseguir? Se eu não voltar? Se eu também me for para sempre?

        Apertei mais o abraço. Eu não podia perdê-la, havia ganho aquela irmã de presente e doença nenhuma a tiraria de mim.

       - Não, não diga isso. Você é forte. E, muito teimosa. Passar pela cirurgia será fácil para você.

        Ela envolveu seus braços em mim e pousou a cabeça perto do meu pescoço. Senti lágrimas molharem minha camisa. Ela realmente estava mal, pois nunca chorava perto de ninguém, sempre era sozinha, no canto da cama dela.

       - Estou com tanto medo... Falta tão pouco...

       - Não pense isso. Você é corajosa. Mais que eu...

       Ela fungou e suspirou.

        - Posso dormir com você hoje? Não quero ficar no meu quarto sozinha...

        - Claro que pode.

        - Você não se importa?

        - Vou me importar se você se acostumar.

        Ela riu baixinho. Me ajeitei de um lado da cama e ela do outro. Virei para um lado e ela para o outro. Patrícia dormiu rápido. Pensei em levá-la para o seu quarto, mas vê-la dormindo assim... Tão encolhida, me fez pensar melhor e deixá-la na minha cama mesmo. Então, saí da cama bem rápido e sentei na cadeira que eu ficava quando estava estudando. Acabei dormindo lá.

      Acordei cedo. Meio tonto. Quase não consegui dormir, preocupado com minha irmã. Patrícia era sempre tão durona, que vê-la naquele estado, chorando e sentindo-se sozinha, me fez ficar atento. Eu bem a conhecia. E sabia que não se renderia fácil.

        Ela acordou e me encarou na cadeira.

        - Você dormiu aí? - Ela perguntou.

        Sua expressão era culpa, como se houvesse cometido algum erro grave.

        - Queria dar espaço à você - eu disse.

        Ela se virou e encarou o teto, com o braço direito na testa.

         - Não quero ir para o colégio hoje. - Falou num meio tom, emburrada como uma menininha birrenta.

        - Então não vá. Eu aviso que você não está bem.

        Ela me olhou com fúria, me dando socos mentalmente.

        - Prefiro morrer a deixar que todos saibam pelo que estou passando!

        - Não fale besteira, Patrícia!

        - Pra falar a verdade, nem sei como vim pra cá e... Deixei você me ver naquele estado! - Ela se desenrolou do edredom e levantou. - Esqueça o que aconteceu! Isso nunca mais vai se repetir!

         Lá estava minha irmã. Brigando comigo de novo. Eu a preferia assim.

         - Ah, Patrícia... Fica fria. Tudo bem. É normal.

         - Normal?! Normal pra você, seu... Seu... Anormal! Eu não sou assim. Eu encaro meus problemas sozinha! Não preciso da ajuda de ninguém! Nem de você!

        As palavras dela deveriam doer, mas não. Eu já estava acostumado. Comecei a rir dela.

         - Você está rindo?! Você é mesmo um imbecil!

         - Eu sei - respondi entre risos.

         - Um idiota!

         - É - concordei.

         - Um... Um... Ah, vou me arrumar! Tenho mais o que fazer do que ficar olhando para essa sua cara besta!

       Ela passou por mim num vulto e cruzou a porta. Corri até lá para vê-la.

       - Ei, você não disse que não queria ir para a escola? - Perguntei, provocando-a.

        Patrícia me fuzilou com os olhos.

         - Passado, Thiago. Eu vou e pronto! - Ela se virou, deu dois passos largos e firmes, então parou. Virou a cabeça lentamente e disse: - Obrigada.

       O som foi tão baixo que me perguntei se havia realmente ouvido. A fera seguiu seu trajeto rumo à escadaria. Entrei no quarto. Olhei para o relógio. 05h50m da manhã. Ainda era cedo, porém tratei de ir tomar um banho.

         Como acordei de bom humor, estava rindo enquanto me vestia e só então lembrei do meu pacto interior da noite passada. Meu sorriso se foi. Estava sem a mínima ideia do que poderia fazer. Agir por instinto? Meu costumava dizer que todo homem é conquistador por natureza. Eu não acredito nisso.

          Fui tomar café e senti dois olhinhos fulminantes me seguindo. Patrícia estava completamente descabelada e ainda estava com seu pijama, ou "micro-pijama" como a Márcia chamava.

        Caí na gargalhada.

        - Tenho pena do seu marido! - E continuei a rir.

        Ela bufou e diminuiu mais ainda seus olhos inchados e o rosto marcado pelo edredom assumiu uma face de ódio.

         - Eu tenho pena de você! Seu idiota! Por se meter comigo e querer tirar onda da minha cara tamanha 06h15m da manhã!

        Patrícia se aproximou de mim e deu-me um soco na barriga.

        - Ai! - Gritei.

        Ela tinha a mão pesada e ainda assim não aliviava quando me batia. Continuei a rir. Ela ameaçou dar outro soco, então parei de provocá-la.

         - Acho melhor ir se arrumar. - Disse a ela.

         - Você deu sorte hoje! - Saiu marchando até o banheiro.

         Eu ainda ri um pouco, me lembrando do filme de terror "O Grito". 06h45m. Antônio buzinou lá fora. Meus pais tinham acabado de se levantar. Papai ia comer uma macã. Márcia abria a geladeira para pegar uns ovos. Disse um "tchau" seco e entrei no carro do meu motorista. Sem demora Patrícia entrou. Antônio deu partida e nos deixou na escola bem rápido.

        Patrícia me beliscou enquanto íamos em direção ao pátio.

        - Não fiz nada, o que foi? - Perguntei.

        - A propósito, só queria deixar claro que não preciso de marido. Sou completamente independente.

        - Está bem.

        Acabei seguindo direto para minha sala, não queria conversar com os meus amigos. Quando entrei, vi Luísa me encarando, curiosa. Tentei desviar meu olhar, mas ela estava sentada bem do lado da minha carteira.

        Me virei de vez para ela, o que a deixou deixou desconcertada.

        - Você quer falar comigo? - Perguntei, estreitando os olhos.

        - Quero, quero muito!

        Fiquei surpreso.

        - Certo. O que é? É sobre a peça? - Perguntei, pois não poderia ser outra coisa.

        - Não.

       Fiquei surpreso novamente com sua resposta.

        - Você poderia me olhar nos olhos e me dizer se você se lembra de mim? - Ela perguntou, se aproximando.

         - Claro que eu me lembro de você! - Disse a ela.

         - Então, porque nunca me contou que éramos amigos de infância?! - Ela perguntou parecendo meio chateada.

         O quê?! Ela lembrou?! Lembrou mesmo?! Meu sorriso se foi. Fiquei sem palavras. Preciso falar alguma coisa.

        - Luísa, eu ia te contar, mas não sabia como fazer isso. E... Eu achei que não importasse mais pra você.

        Ela arregalou os olhos e sorriu.

        - Claro que importa! Se você tivesse me contado... - Ela começou.

        - Desculpa... Não sou muito bom com palavras...

        - Você era, antes!

        - Quando éramos melhores amigos. - Falei com um sorriso forçado.

        Opa! Fui grosso sem querer. Acho que minha convivência com Patrícia finalmente está me afetando. Mas, para minha sorte, ela apenas riu.

        - Podemos ser de novo... - Falou.

        Claro que não podíamos! Seria difícil para mim ser apenas amigo dela. Não. Mas... Pensando bem, cheguei à conclusão de que se eu quisesse me aproximar dela, teria de começar assim. Porém, ainda era difícil para mim me soltar e ser eu novamente junto dela. E ela estava tão próxima de mim, que eu podia sentir seu cheiro e me perder novamente no azul de seus belos olhos curiosos, que me observavam atentamente com sua sempre expressão angelical. Não parei para pensar duas vezes antes de responder.

        - Seria ótimo.

        Seu sorriso se alargou ainda mais, como se fosse possível. Ela estendeu a mão direita pra mim.

         - Amigos?!

         Olhei por um instante sua mão e ri comigo mesmo antes de segurá-la.

         - Sim. - Por pouco tempo. Falei comigo mesmo. Por enquanto.

         Foi mais difícil ainda prestar atenção na aula com ela ao meu lado. E piorou quando o professor de química resolveu que queria um trabalho em dupla e nem preciso dizer quem ele escolheu para fazer dupla comigo. Me parecia que todo o mundo estava cooperando para que eu conseguisse ficar perto dela.

       Conversamos bastante no intervalo e ela ficou de ir na minha casa na quinta-feira para fazer o trabalho. Repassei na minha mente tudo o que aconteceu durante o dia.

      Não acredito em destino. Mas, estou começando a achar que isso faz sentido.

       A única pessoa que não gostou de me ver conversar com a Luísa, foi minha (nem um pingo) adorável irmã. Patrícia bufou e ficou vermelha. Já havia acabado a aula e eu e Luísa estávamos conversando. Patrícia se aproximou de mim.

        - Você não vai para casa? - Ela perguntou.

        - Claro que sim, Patrícia.

        - Então, vamos. Eu vou com você.

        - Você não disse que não ia agora?

        Ela revirou os olhos.

        - Mudei de ideia.

        - Ok, tchau Lulu. - Me despedi brevemente.

        Luísa apenas sorriu, descontente. Me senti mal por tê-la deixado lá, sozinha.

        Antônio já nos esperava pacientemente no carro. Entramos e Patrícia logo mostrou sua carranca.

          - O que foi? - Perguntei.

          Ela virou a cabeça e encarou os carros que passavam do lado de fora.

          - Quando é que você vai deixar de ser ciumenta?

         - Ciumenta?! - Ela gritou. - Ciumenta, Thiago?! Não tenho nem um pingo de ciúmes de você!

         - Ah, não? - Falei tranquilamente.

         - Cínico! Já disse que você é um idiota?

         - Já.

         Ela bufou de raiva e cruzou os braços.

         - Era só o que me faltava! Thiago conversando com a Luísa! Ninguém merece!

           - Ah, então o problema é ela? - Perguntei.

          Ela revirou os olhos de novo.

          - O problema Thiago, é que você está caidinho por ela! E... Depois, vou te perder pra ela! Meu único irmão! Meu saco de pancadas pra todo o momento!

        Sorri comigo mesmo e a abracei.

        - Deixa de ser boba, Paty. Já disse que sempre seremos irmãos.

         - Não acredito em você!

         - Vai ter que acreditar.

         Ela ainda bufou, zangada. Foi a viagem toda, até chegar-mos em casa, resmungando como a menina birrenta que ela costuma ser. Mas, eu sabia que mais cedo ou mais tarde ela se conformaria.

        É claro que eu não disse nada a ela sobre Luísa, mas ela me conhecia bem. Eu simplesmente deixo que ela fale até cansar sem rebater nada. Com Patrícia funciona assim. "Vocé tão irritante!" Ela disse. E eu sei disso.

        Era tão estranho como as coisas estavam estavam acontecendo entre mim e Luísa... Se eu não fosse tão burro, já a teria para mim. Mas, tudo à seu tempo. Tem que se ter paciência para conseguir as coisas.

...

...........

.................Oi, gente! Tudo bem?
       O que eu não faço por vocês??? Meus dedos estão doendo! Fiz esses dois capítulos hoje para vocês!

        Em especial, para quem está sendo fiel à esse livro: a @KariaMyn

         Valeu, garota! Mais dois capítulos que saem por sua causa!💙

       

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top