23- Luísa
Ahhhhhhh ufa! Passamos! E de quebra, mão danificada pelo soco. Ele mereceu, vamos concordar.
Sorri comigo mesma. Paty ficaria orgulhosa de mim. As arquibancadas suspensas estavam em constante aplauso e movimento. A plateia não se cansava de aplaudir e vibrar com cada escola que entrava. Era impressionante! Haviam muitos alunos lá, vestindo a camisa de "guerra" (blusão com o logo de suas escolas), numa torcida animada. Porém, o melhor da competição, era que cada grupo era único e todos conseguiam agitar os espectadores.
Todo o lugar era uma explosão de cores e brilho. Um ar de balada à noite. Mesmo que eu nunca tenha estado em uma, tinha ideia de como se parecia. Os jogos de luz espalhados pelo círculo. Essa era a aparência real do palco do TNE. Um coliseu luxuoso, com um quê juvenil, disparando energia por todo o lugar. Haviam umas dez fileiras de cadeiras contornando todo o ambiente. E acredite, todas estavam ocupadas. Cinco corredores que davam acesso ao palco de apresentação e à saída, próximo dos banheiros.
A parede única - o grande círculo - era um cenário lindo de grafite, com desenhos únicos de patinadores, skatistas, ciclistas, motociclistas e até mesmo motoristas. Todos os desenhos eram contornados por tinta fluorescente, obviamente, cores diversificadas. Cada fileira de cadeira tinha sua própria cor e os corredores de acesso tinham um tom dourado vivo e de preto, tinha as letras garrafais "TNE". O palco era preto liso, próprio para rodas. Os camarins e as salas de decoração ficavam numa área abaixo das arquibancadas, onde os montadores se preparavam arduamente para deixar o palco pronto em reles cinco minutos. Afinal, a quantidade de escolas nas apresentações era de cair o queixo.
Lá estávamos nós celebrando nossa classificação, abaixo das arquibancadas, gritando eufóricos. Marcos, um dos amigos de Thiago, me abraçou apertado, seguido da sala. Todos se amontoaram ao meu redor, viramos um bolinho de carne humana e patins. Entre risos e corpos esmagados, nós caímos desajeitados no chão.
Charles gritava feito louco 'OLEOLÁ A GENTE VAI GANHAR!", aos poucos, meus amigos foram se ajeitando e dando espaço para que eu me levantasse. O nono lugar era todo nosso! Sim, perdemos uma colocação, mas ao menos estávamos entre os melhores.
- Alguém viu a Camila? - Renato, um garoto de dois metros de altura perguntou. Ele era meio bizarro, sua voz oscilava feito energia energia elétrica. Cachos negros despontavam do topo da sua cabeça até a testa. A única coisa nele que eu admirava. Vou admitir, ele me dá medo por ser tão alto.
- Ela... Foi para o palco, estão chamando os representantes das escolas. - Fiona respondeu. Ah, acho que nunca mencionei essa garota. Ela é simplesmente um toquinho fofo! Tem olhos grandes cor de amêndoa, corpo de criança e brilhantes ondas douradas até a cintura. Ela aparentava possuir uns 12 anos, no máximo.
- Ai, caralho tenho que ouvir isso! - Charles, desbocado, saiu apressado sobre seus patins.
Foi irresistível não seguí-lo. Thiago surgiu ao meu lado, segurando minha mão, entrelaçando nossos dedos. Sem a menor pressa, me contive a apreciar seus olhos luminosos.
- Vamos fugir? - Ele perguntou com um brilho maior nos olhos, abrindo seu melhor sorriso para mim. Entre seus lábios cruzava o sorriso mais sapeca que eu já havia visto na vida.
- Fugir?! Como assim?! Pra onde?! - As palavras só saíram da minha boca. Enquanto eu assistia Thiago ficar de frente para mim, deixando minha mão para segurar meu rosto. Engoli em seco, meu estômago apertou, senti meu coração querendo sair pela boca.
Aquele castanho-escuro tão lindo parecia refletir a mim, cheia de glitter e cores. Caramba, que sensação louca! E eu não sei se você já sentiu isso, mas eu senti naquele momento. Minhas mãos estavam suando, meu corpo paralisado. O tempo... Ah, ele havia parado para nos observar. Éramos tão perfeitos um para o outro, que o senhor Tempo fez uma pausa. Que Tempo bisbilhoteiro!
Você já sentiu isso? Seu estômago queimar, suas pernas ficarem bambas, e... Sua garganta fechada? Meu cérebro não conseguia processar esses acontecimentos em mim. Talvez meu PC interior estivesse dando defeito. Só talvez.
Bem, é difícil relatar para mim mesma o que acontece comigo nesses momentos, quando seus lábios encontram os meus e nós começamos a dançar nossa própria valsa. É quase como se um novo mundo se abrisse.
Sentir o seu corpo colado ao meu, sua respiração ofegante como a minha e aquela reação totalmente espontânea e automática de querer tirar sua roupa. Podia não lembrar perfeitamente como havia sido, mas eu lembrava da textura da sua pele sob minhas mãos, do seu calor me inundando, dos seus braços ao meu redor... Não havia clareza entre nós dois.
Pela primeira vez na minha vida, comecei a entender o que se passava dentro de mim. Os desejos selvagens, o calor abundante, a maciez irresistível, o brilho dominador incluso em um único olhar... Tudo isso tinha nome. Não era uma doença, um defeito de funcionamento corporal ou uma loucura da minha cabeça.
Finalmente, eu estava aprendendo com Thiago uma importante lição. Eu mal havia completado 16 anos para ser dententora desse conhecimento, porém como minha própria mãe havia me dito, para amar não tem idade. Contudo, o que eu faria com esse sentimento novo? Como o usaria? Como se ama alguém?
Essas perguntas eram a pior parte de ser eu, minha mente não compreende sentimentos tão bem. Posso sentir por uma vida inteira algo que nunca saberei usar. Como se usa o amor? Você o coloca numa arma e atira contra alguém?
Não... Você faz uma mistura química com ele, você junta o seu amor ao amor de outra pessoa. Isso não te faz completo, mas te faz mais feliz. Quando abri meus olhos para encarar o rosto juvenil diante de mim, eu senti pela primeira vez a magia de ter alguém para amar e ser amada. De alguma forma, eu sentia que era amada também.
A gente aprenderia a fazer isso direito, a gente aprenderia a ser um casal de verdade, a gente aprenderia a namorar, a gente aprenderia muitas coisas. Nós tínhamos tempo de sobra para no lançar um contra o outro, nos fundir até sermos um só.
Era só o começo, o começo do nosso romance juntos. Apenas dois adolescentes desfrutando do melhor da vida, da melhor fase, das melhores alegrias. Thiago não me fazia sentir completa, pois eu já me sentia eu mesma antes de reencontrá-lo. Estar com ele, era como me jogar de uma montanha. A emoção corria pelas minhas veias.
- Para onde nós vamos, Thiago? - Perguntei ansiosa.
- Nós vamos nos divertir um pouco. É uma surpresa. - Ele brincou com uma mecha do meu cabelo que escapava da peruca.
- Minha mãe está vindo me buscar. - Mamãe andava ocupada com o trabalho na empresa, sem tempo para nada. Nem havia vindo para minha apresentação por duas vezes. Eu me sentia deixada de lado, contudo compreendo perfeitamente que não está sendo moleza para ela coordenar tantas filiais. Eu disse uma vez para você, faz parte do trabalho dela viajar, nos últimos dias, ela mal estava em casa. Já estou acostumada a ficar sozinha naquela casa gigantesca.
- Vamos ser inconsequentes só uma vez. - Aquele sorriso sapeca surgiu de novo.
- Já fomos inconsequentes uma vez, Thiago. - Eu ri abertamente, tentando cobrir a boca.
- Não desse jeito, Lulu. - Ele desviou o olhar, corando.
Estendi uma mão para o seu rosto, acabei me divertindo com sua orelha gelada. Achei divertido puxá-la, ele ficava bonitinho como um duende.
- Thiago, você parece um personagem de Os Batatinhas! - Desatei a rir alto, com uma mão na barriga. - Já disse que adoro esse filme?! É tão bom! Você deveria assistir!
- Eu já vi. - Thiago conteve um mísero sorriso, então tomou minha mão direita e me arrastou para fora do TNE, onde as torcidas ainda gritavam animadas e um dos juízes fazia um importante pronunciamento.
Os organizadores do Torneio passavam por nós com olhares suspeitos, ou talvez fosse coisa da minha mente fértil. Eu nem sabia o que iríamos fazer.
Carros cortavam a longa pista sob os pneus, deixando marcas no asfalto escuro. As luzes dos prédios me cegaram por um instante. Anoiteceu e a cidade havia acordado. Os néons fluorescentes efeitavam cada arranha-céu alcançável à vista. Caminhões passavam com entregas, ou apenas viajando com destido à outra cidade. Pessoas agasalhadas iam e vinham pelas calçadas. O vento nos recebeu com carinho, quando Thiago voltou a me puxar para a pista onde contornamos a construção do TNE, toda em cores douradas e desenhos de grafite. Um grande portão escuro na entrada, envidraçado. Abria-se automaticamente quando alguém se aproximava.
Uma ladeira longa nos presenteou quando viramos, rindo de mãos dadas, descemos com a coluna curvada, nos equilibrando sobre os patins. Com a mão livre, tirei a peruca e a deixei ir com o vento. Quando a ladeira terminou, fizemos breves curvas em ruas vazias e um tanto escuras, quase senti um frio na barriga cruzando-as em alta velocidade. O movimento de carros era pouco ali. Patinamos até um esqueleto de prédio, uma construção abandonada pela metade.
Poucas pessoas andavam naquela rua sinistra. O esqueleto do prédio era gigantesco e intimidador. Thiago subiu a calçada de concreto, me convidando a ir com ele. Os portões de aço estavam apenas encostados.
- Não vamos demorar, só quero mostrar uma coisa para você. - Sua mão se esticou até mim. A curiosidade foi maior que o medo de ser pega ali naquele lugar estranho.
- Você é maluco! Estou morrendo de curiosidade! - Assumi sem a menor vergonha.
Meu celular vibrava no bolso oculto do vestido. O certo seria atender, mas só desta vez... Deixei tocar até parar, estralando os dedos uns contra os outros. Lá, naquele arranha-céu esquecido, haviam feito um elevador simples, porém ia até o último andar.
Quando chegamos lá, a vista da cidade me encantou, a brisa suave me envolveu e a lua minguante reluziu com pequenas e raras estrelas no céu azul-marinho. Estendi o indicador para o firmamento acima de nós, desenhando com os dedos uma nova tela. Acompanhei o contorno dos prédios e das árvores na cidade, com o encantamento de uma criança. Me abaixei para tirar os patins. Os joguei de qualquer jeito por ali.
Ansiosa, porém lenta, caminhei até a borda inacabada, havia um vinco num peitoril mal acabado. O frio na barriga fez meus pelos ficarem ouriços. Mesmo assim, contemplando a altura que eu estava, sabendo que uma queda dali seria fatal, eu me sentei à beira, pousando minhas mãos no concreto abaixo de mim. Balancei as pernas no ar, sentindo aquela sensação maravilhosa de paz e calma.
Todo aquele cenário era tão perfeito, tão magestoso... Tive um sobressalto quando senti o calor humano de Thiago atrás de mim, envolvendo meu pescoço com um lindo colar de detalhes delicados e finos. Ele fechou o encaixe atrás e deixou minhas ondas revoltosas caírem até os ombros, minha cascata de fogo.
Thiago envolveu meu corpo com seus braços, sentando logo atrás de mim, suas pernas compridas ao lado das minhas. Beijou o tipo da minha cabeça e meu pescoço, com muito cuidado e carinho.
- É um presente. - Ele parou para pousar o queixo sobre minha cabeça e apertar mais o abraço. - Meu avó era um joalheiro, ele fez esse colar para minha mãe quando ela ainda era uma garotinha. Ela usou durante a vida toda... Roubei dela no dia do funeral. Mantive comigo durante todos esses anos.
- Obrigada, prometo não perder. - Virei o rosto para ele, selando nossos lábios outra vez. Lentamente, me aprofundei na sua maciez deliciosa.
Uma de minhas mãos subiu até seu rosto. Com cuidado calculado, enquanto íamos nos afastando do mundo naquele momento, fiz uma imagem mental do seu rosto, futuramente, ele estaria em todos os meus quadros. Eu planejava silenciosamente uma coleção inteira para ele.
Ah, Thiago...
*** *** *** *** *** ***
- Estamos na Competição dos Melhores, o que significa que existem cinquenta colocações. Na nossa apresentação, não podemos ficar abaixo de dez. - Camila respirou fundo. - Se ficarmos abaixo, já estamos nas eliminatórias de setembro. E mesmo que a gente fique acima de dez, em agosto eles já estarão somando os pontos para ver quais serão as dez escolas finalistas. Ou seja, daqui até outubro, eles vão passar a peneira.
Charles, o mais falador ergueu a mão no ar, lá do fundão.
- Não entendi nada. - Ele disse cruzando os braços depois.
Camila esfregou as têmporas. Impaciente por natureza, de gênio forte e sendo uma pessoa que odeia repetir a mesma coisa, eu sabia que se ele começasse com seu showzinho de atenção, ela acabaria arremessando uma cadeira na cabeça dele.
- Gostando ou não, temos que ensaiar nas férias de julho e arrasar. - Ela olhou para todos. - Se ficarmos focados em ser os melhores, podemos alcançar uma posição mais alta. Supondo que a gente fique em oitavo lugar de novo, isso não vai nos livrar da competição de cinquenta escolas. E nesse dia, eles vão passar a peneira nos pontos que acumulamos durante o torneio. A equipe do TNE vai escolher apenas dez escolas para concorrer na final. Todo o resto, terá que participar das eliminatórias, rezando para serem chamados. Gente, esse torneio não é moleza.
- Então, se... Hipoteticamente, a gente parar nas eliminatórias? Quais são as nossas chances? - Renato perguntou, ajeitando o boné na cabeça.
- Quase nulas. As eliminatórias só salvam cinco escolas e olhe lá. O que devemos fazer, é nos preparar e ir com tudo. Certo? - Todos pareciam concordar com a cabeça. - Então, os horários de ensaio vão aumentar. Serão durante cinco horas seguidas, aqui mesmo na escola. É só, gente. Até amanhã.
Uma nuvem de murmúrios pairou no ar sobre nossas cabeças. Ninguém queria suportar Camila duarante cinco horas seguidas. Nessa nova fase do Torneio, eles pareciam querer arrancar o nosso couro fora. Eu teria trabalho na escola que me custaria noites mal dormidas. Como Paty ainda estava se recuperando, ela não seria tão útil agora. Eu iria ajudar Camila com tudo, afinal ela gritava com todo mundo, menos eu. Fui favoritada por todos para ser a "assistente" da líder.
Aiiiiiiiiiiii isso vai ser tão divertido! Caramba, já estou tendo ideias ótimas!
Claro que eu estava feliz em poder ajudar, finalmente o pessoal da minha sala havia parado de implicar comigo. Uma boa dose de compromisso e eles desistiram de me encher de apelidos. Nossa sala estava ficando vazia, um a um, meus colegas de classe iam embora reclamando do novo horário de ensaio. Por fim, eu também precisava ir andando, logo Carlos estaria na escola para me buscar. Guardei meus cadernos na mochila - detalhe, minha nova mochila foi um presente de Patrícia, ela mesma fez à mão -, fechei o zíper prateado e coloquei nas costas, passando um braço de cada vez, metodicamente.
Thiago havia faltado a aula, Paty ainda não tinha retornado e Camila estava ocupada demais. Os demais alunos só não eram tão próximos de mim, eu estava um tanto sozinha naquele dia. Camila estava no celular quando cruzei a porta de saída, felizmente não teria ensaio pela tarde. Os corredores estavam movimentados, vários alunos uniformizados indo para a saída, alguns conversavam com professores, outros em seus grupinhos. Fiquei observando o movimento, há algum tempo, eu havia me mostrado mais observadora, menos falante.
Minha mente processava infinitos quadros que eu queria pintar em breve, inclusive o movimento da escola. As pessoas as vezes parecem confusas, elas parecem ir por um lado, depois vão para outro, fazem escolhas que não condizem com sua personalidade. O mundo é sempre assim? Cheio de controvérsias?
A vida é sempre conflituosa e balburdiosa? Apertei as alças grossas da mochila. Um corredor de armários, onde cada aluno tinha o seu, os armários eram cinza grafite. As paredes em um tom cereja perolado, com sutis nuances vermelhas e amarelas. Quadros nas paredes nuas, vários alunos que se formaram na minha escola. Uma estante de troféus das olimpíadas estudantis, a grande maioria era de ouro. Medalhas. O piso escorregadio pintado de azul. A trilha para alunos com necessidades especiais, as rampas, as escadas. Os banheiros cheios de vida e campanhas contra a AIDS, DSTs... Os boxes coloridos cheios de figurinhas e desenhos engraçados, tirinhas e charges.
Os espelhos. Ah e a parte da escola que os alunos mais gostavam: o mural de histórias. Não tem nada a ver com a matéria, e sim sobre os alunos que já passaram pelo colégio. Cada aluno deixava sua assinatura no mural quando se formava, ou mudava de escola. O mural era cheio de vida, colagens por todos os lados. Grupos de amigos abraçados em fotos, várias poses tiradas na hora. Ninguém podia mexer no mural, ele constituia uma parede inteira. Se não fosse para acrescentar algo nele, tirar coisas era proibido. Todos sabiam que eram proibidos de quebrar ou danificar qualquer coisa dentro ou fora da escola. Éramos livres para colorir a escola, decorar do nosso jeito, desde que não fosse com bagunça e descompromisso.
Obviamente, a estética da escola era muito preservada. Senti um toque leve no meu ombro, me virei para encarar o rosto de Camila com seus olhos arregalados. O cabelo curto e liso, o rosto redondo como um biscoito, a boca cheia, a pele aveludada e as mãos pequenas. As linhas de expressão no seu rosto demonstravam preocupação.
- Você está bem? - Ela perguntou, aproveitou para guardar o celular no bolso.
- Sim, claro! - Sorri para ela. Desajeitada, cocei o pescoço.
- Não está sendo muito convincente, Lulu. - Ela fechou o semblante. - Na verdade, você anda estranha. Anda quieta demais. Você quase não fala como antes.
Pisquei com força, tentei olhar para outro lado. Tentei evitar coçar as costas. Tentei evitar estralar os dedos. Tentei lhe dar alguma resposta, mas sequer lembrava do que ela estava falando. Tinha algo a ver com suco de abacaxi e biscoitos de chocolate. Ah, sim ela perguntou se pode ir na minha casa hoje pela tarde! Tente prestar mais atenção no que a sua amiga diz, Luísa! Que coisa!
- Ah, sim! Claro! Pode ir na minha casa, só tenho que avisar mamãe, okay? - Sorri tão grande que meus olhos ficaram pequenos e minhas bochechas doeram.
- Eu... Hã... Está bem. - Ela parecia confusa. Olhou as horas no seu relógio de pulso, então me arrastou para o lado de fora da escola.
Fui aos tropeções. O sol estava castigador, os carros rápidos, o céu límpido, o vento quente. Um carro prata buzinou para mim, chamando minha atenção. Era o carro do meu pai. Ele veio mesmo me buscar?! Ah, que saudade! Me despedi de Camila com um abraço rápido e saí correndo ao encontro do meu pai. Em resposta à minha reação, papai saltou do carro vindo de braços abertos.
Pulei em seus braços, o abracei forte e ri alto contra seu corpo medonho. Os cabelos ruivos do meu pai ganhavam um tom alaranjado sob o sol e seus olhos verdes reluziam como esmeraldas. Sim, eu era muito parecida com meu pai. Porém, a cor dos meus olhos vinham da minha mãe. Eu e ela tínhamos quase a mesma altura, já meu pai era quase um gigante de pernas compridas. Seu bom humor e personalidade, foram coisas que roubei para mim.
Papai ainda estava engravatado, de paletó e sapatos engraçados (aqueles de ponta, que deixam os pés maiores do que já são). Ele me colocou no chão, abrindo a porta do carro para mim.
- Eu estava morrendo de saudade, pai! - Falei ansiosa, enquanto ele batia a porta do carro e passava o cinto de segurança.
- Eu também, furacãozinho! Cheguei quase na mesma hora que você veio para a escola. Não tive tempo para dormir, coisas da URSA. - Ele comentou, ligando o carro. - Aliás, conversei com a sua mãe, ela está brava com você.
- Sim, papai... - Curvei a cabeça. Eu sabia que havia sido imprudente saindo com o Thiago de noite, para uma rua estranha. Poderia ter acontecido um acidente ou algo pior. O lado bom, foi que não aconteceu nada! Ops... Nada de ruim.
- Sua mãe ficou preocupada, não faça mais isso, certo? Se quiser sair com o seu namorado, avise. E não vá para lugares perigosos. - Papai saiu do estacionamento e fez uma curva, indo para a avenida.
- O senhor sabe do Thiago?! - Eu estava vermelha feito uma pimenta, não tinha contado para ele que eu tinha namorado. Que vergonha...
- Sua mãe me contou. - Ele sorriu. - Gosto do rapaz, é um bom menino. Além do mais, o pai dele é um ótimo funcionário também.
- Ai, papai desculpe. Queria ter contado. - Me encolhi no banco do carona.
- Tudo bem. - Ele ficou sério, prestando atenção no trânsito. - Hã... E... Vocês estão... É... Quero dizer... Tomando cuidado, não é? Sejam responsáveis, okay? - Ele engoliu em seco. - Meu Deus, o que estou dizendo?!
Papai desatou a rir e eu o acompanhei, estava tão perdida quanto ele. O sinal ficou vermelho, o carro parou. Por um instante, senti meu pai virando um adulto. Quando eu era criança, ele também era uma criança comigo, tirava tempo para brincar, inventar histórias, criar heróis, montar arminhas, fazer acampamento na sala... Fora ele quem, inclusive, me ensinou a dar pinceladas finas nos quadros. Eu não o via como meu herói, embora tenha sido e ainda fosse. Meu pai era um homem legal, de bom coração, envolvido com as pessoas. Ele trabalhava muito para sempre me dar o melhor, para sempre cuidar da minha mãe.
Às vezes, eu só queria que ele parasse. Só queria que ele pintasse comigo, como na infância. Que ele voltasse a ser meu contador de histórias mágicas e fabulosas. Enrolei os dedos, estralei as juntas. Cocei o pescoço. Cocei as costas. Me inquietei no assento. Os olhos do meu pai focaram em mim, tão melhor quanto qualquer um, seu olhar compreensivo me alcançou. Ele me puxou para um abraço rápido e carinhoso.
- Calma, furacãozinho. Vamos contar devagar até chegar em casa. - Ele me soltou para voltar a dirigir, o sinal estava verde novamente.
- Não quero contar. - Olhei pela janela as casas agrupadas, as lojas abertas, uma cafeteria engraçada com um boneco de plástico que se mexia. Sorri um pouco. Toquei o vidro da janela com a ponta dos dedos e senti um frio na espinha. O mundo parecia perder as cores lentamente.
Você vai acabar enlouquecendo de novo, Lulu! Melhor contar! 1, 2, 3 indiozinhos, 4, 5, 6 indiozinhos... Meu animal favorito no mundo, é a ave do paraíso. Ela tem uma calda longa de duas penas maior que seu próprio corpo e...
- Quando o sol escurecer e o tempo parar... - Papai cantarolou, me olhando pelo espelho retrovisor. Imediatamente lembrei da letra.
- A lua vai surgir e as estrelas vão brilhar..! - Sorri no final, era uma música que meu pai compôs para mim, era a única coisa que me acalmava quando eu ficava agitada demais.
Ele continuou cantando, eu o acompanhei na trilha sonora e assim, aos poucos, minha mente pareceu cessar.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top