22- Thiago
Há pouco mais que dois dias, Paty estava de volta em casa, se recuperando da cirurgia, que somente graças à Luísa, havia sido realizada rapidamente e com eficácia. Como tudo nesse mundo gira em torno de dinheiro e relações de compra e venda, quando os médicos souberam que o Augusto Sestari, dono da URSA - grande empresa reconhecida em território nacional e internacional -, estava financiando as despesas médicas da paciente do quarto 210, eles a trataram da melhor forma possível.
Até em meio um processo cirúrgico, Patrícia ganha tratamento vip. Bem, ela não fazia ideia de quem havia proporcionado isso. E se dependesse dos meus responsáveis e de mim, ninguém saberia. Alguns gestos nobres não devem ser espalhados. Certas recompensas devem acontecer no secreto. Eu ainda não havia agradecido à minha ilustre namorada pelo seu feito.
Era uma surpresa, eu estava planejando isso há alguns dias, entregar-lhe um presente muito especial que fora de minha mãe. Ainda não havia surgido o dia perfeito para isso. Os últimos dias haviam sido plena correria. Quando eu não estava na escola, estava no ensaio da dança, quando não estava no ensaio da dança, estava com Paty no hospital, lhe fazendo companhia. Camila e Lulu iam visitá-la sempre que podiam, duas ou três vezes por semana. Minha irmã já era uma garota mimada, agora esse mimo estava no auge. Imagine se ela estava gostando de toda essa atenção.
Na escola, a situação ia de mal a pior, entrega de trabalhos, apresentação de seminários, cadernos de português e matemática em correção, provas... Uma loucura.
Luísa ultimamente andava mais perdida que o normal, ela sorria sempre, dizia que estava tudo bem, mas mantinha um tique nervoso esquisito durante as aulas. Antes eu achava que era apenas algo dela, agora eu percebia que era mais que isso. Ela parecia bastante incomodada com o barulho, gritos de algumas alunas. Observá-la todos os dias me fazia enxergar quando ela não gostava de algumas atitudes. Seus olhos de gato arisco, ganhavam um novo tom de terror sempre que os professores se aprofundavam em alguns assuntos.
Em algumas dessas ocasiões, me sentei ao seu lado, fiz dupla com ela e lhe expliquei com calma sobre o que falava o professor. Ela parecia mais tranquila quando eu estava por perto. Isso me deixava feliz. Mas, também me deixava preocupado, nem sempre estarei ao seu lado para protegê-la.
Patrícia se mexeu na cama, despertando. Olhou para cima e depois para os lados, reconhecendo seu quarto. Quando me viu, fez cara feia.
- Deixa eu adivinhar: ainda não almoçou? - Debochou.
- Já até jantei, para sua informação. Você dormiu o dia todo. - Falei indo até a janela e afastando a cortina para que ela visse a noite escura através do vidro. - Nosso motorista já era. Não temos mais, teremos que esperar a Márcia ir nos buscar. Chegando no horário que for.
- Eu acabei de acordar de um coma, seu retardado, me dê uma boa notícia. - Revirou os olhos.
- Não tenho nenhuma. Você vai ficar ainda mais revoltada quando ver a pilha de atividades da escola que perdeu.
Ela pegou um travesseiro e amassou sobre o rosto.
- Será que Deus realmente faz milagre? Vou começar a pedir para que ele mande do céu todas essas atividades prontas. - Sua voz abafada resmungou.
- Okay. - Soltei uma lufada de ar. - Conversei com a diretora sobre a sua situação.
- Você fez o quê, seu merda?! - Ela jogou o travesseiro em mim. - Eu falei para não contar para ninguém! Já basta ver o olhar de pena da Camila. - Patrícia estava furiosa.
- Ei, calma. Escute. A diretora concordou que você só precisa entregar uma apostila completa com todos os assuntos que você perdeu esses dias. Sem se aprofundar tanto. Ela disse que assim, "sua dívida estaria paga". Não entendi essa parte.
Patrícia me olhou desafiadora.
- AQUELA BRUXA! - Ela gritou. - Não sou nenhuma coitada, Thiago. Você sabe. Se ela está pensando que vou fazer isso, está muito enganada. Quem manda nesse jogo sou eu, as cartas são minhas! - Paty respirou fundo. - Não me importa quantas atividades tenham acumulado. Farei todas. Assim que eu estiver em boas condições. Aliás, minhas mãos não estão quebradas e meu cérebro funciona.
- Não estou entendendo nada. - E quem poderia entender o que se passa na cabeça da minha irmã? - O que pretende fazer?
- Eu, Patrícia Zolini, quero que você me traga uma lista com tudo que tenho que entregar. Até o dia de voltar pra escola, estarei com tudo pronto.
- Você dorme quase o dia todo, esqueceu dos remédios? - Perguntei.
- Lógico que não. Não posso sair de casa, terei todo o tempo do mundo para fazer trabalhos quando estiver acordada. Pegue logo meu notebook, meu celular, uma agenda naquela gaveta e uma caneta. Quando você voltar, eu quero a lista. E se você esquecer... - Seu olhar escureceu. - Eu mato você com um clipe de papel.
Quis perguntar como ela faria isso, mas se tratando da minha irmã, da sua extrema criatividade e seu instinto psicopata, eu tinha certeza que a resposta seria assustadora. Lhe contei sobre a apresentação e voltei para o meu quarto, tinha que me aprontar. A correria não acabava ali. Eu tinha um concurso para vencer.
Camila teve que se virar com mais coisas do que deveria, cuidou dos figurinos e pediu ajuda para uma prima maquiadora fazer o visual de cada participante. É claro que nós dançávamos bem, contudo para isso, tínhamos à frente de nós a Camila, com suas ideias brilhantes. Ela teve ajuda da Luísa, a única que não era alvo do seu mau-humor generalizado, talvez por ser de longe a garota mais criativa que conhecìamos.
*** *** *** ***
- Não me diga que há problemas, Charles. Eu já sei disso! - Vociferou Camila no ouvido do meu amigo. Nosso caso era simples: os ciclistas haviam faltado à apresentação. Entraríamos no palco em menos de 10 minutos, e nem sinal de fumaça deles aparecia.
Substituir 1 pessoa ou duas, desde que não sejam os principais, é moleza. Agora, substituir quase 10 pessoas em cima da hora, é parada louca. Porém, não havia muito o que fazer sobre isso. Era entrar e ter uma chance, ou não entrar e nem ter essa chance mínima de dar certo.
- Camila, sei que está estressada, mas nós temos que entrar. Já arrumaram o palco para nós. - Falei calmamente perto dela.
- Thiago, a questão não é entrar lá. Você sabe. Enfim, temos que fazer isso de um jeito ou de outro. - Ela suspirou, esfregando o rosto. - Podem ir!
Viveria longos anos de vida sem jamais descobrir essa força que Camila tinha para falar alto o tempo todo e nunca estar rouca. Fora seu dom de intimidar qualquer um. Antes de Luísa chegar, eu era cercado por essas duas amigas, Patrícia e Camila. As duas viviam gritando comigo. Contudo, Patrícia muito mais, além de do fato de que eu apanhava para ela. Fazer o quê? Você nunca teve irmã? Se não, azar o seu. Ter uma irmã para irritar, é incrível.
Vi ao longe Keven fazer Luísa sorrir e arrumar seu cabelo para trás da peruca colorida, uma mecha teimosa que havia saído do seu lugar original. Tentei não rugir por dentro feito um cachorro raivoso, patinei indo para o meu lugar.
Tente me entender, se qualquer outra pessoa se aproximar de Luísa e fazê-la rir, ajeitar seu cabelo, essas coisas bobas... Eu não vou me importar. Mas, esse sujeitinho aproveitador... Me sobe uma raiva instantânea. Pois, sei seus motivos para se aproximar dela.
Ou talvez eu só não gosto dele e estou criando delírios na mente. De dois à um.
Três fileiras de 5 foram dispostas no palco. A ideia da música e do figurino, veio de Luísa. Cada um estava caracterizado de personagens de desenhos ou historinhas infantis brasileiras. Luísa estava fantasiada com a sua favorita: Emília. De peruca colorida e tudo. Inegavelmente a Emília mais linda do mundo. Eu estava de Menino Maluquinho, inclusive até a panela na cabeça eu possuía.
Alguns estavam de personagens da Turma da Mônica, outros variaram os desenhos para outros que eu sequer conhecia. Alguns usaram personagens do folclore brasileiro. Eu adorei cada fantasia que encontrei.
Nós iríamos dançar uma versão eletrônica de todas as cantigas de roda da nossa infância.
"AGORA". A música começou a tocar, os passos fluíram em uníssono. Nos dividindo em círculos, fazendo duplas, apresentando passos no meio no palco.
Depois fizemos passos de quadrilha, uma fila com as mãos nos ombros, depois cada par usando os braços para fazer casinhas e os outros passando por debaixo. A quadrilha é uma dança praticada nas festas juninas, típicas do Maranhão. Uma tradição de raiz indígena.
Entraram os skatistas, com suas manobras insanas. Espalhando confetes feitos de jornal picado, eles se recolheram para colocar os patins. Não sei bem qual foi a nossa cara quando os ciclistas cruzaram o palco apenas com os pneus traseiros. Eles apareceram em cima da hora, pedalando feito loucos. Fazendo círculos ao nosso redor.
Entre as brechas que as bicicletas deixaram, um a um, cada novo patinador (antes skatistas) entrou, congelando no tempo, assim como nós. Quando os ciclistas abandonaram suas bikes e usaram seus patins, fazendo uma nova fileira de 5, a música parou, as luzes pararam.
1, 2, 3... Play! A música tocou novamente, desta vez cada dançarino fez passos de robô animadamente, nos imitando. Depois fizemos passos diferentes, nos espalhando como robôs atrapalhados. Voltamos às fileiras e começamos a pular. Estava próximo do grande final. Os balões coloridos caíram do teto junto com fitilhos.
Nossos braços se mexiam quase sozinhos, relembrando cada pequeno movimento necessário. A bexiga de arco-íris desceu sobre nossas cabeças. Quase na hora do final!
Nos amontoamos no meio, e as garotas começaram a subir, com o tempo recorde para tirar os patins enquanto subiam nos ombros dos rapazes. Sim, estávamos tramando posições típicas de líderes de torcida. E no topo da nossa bela montanha de pessoas, estava Luísa, com um arco e uma flecha. Ela atirou, acertando a bexiga. Dentro da gigantesca bexiga, havia pó colorido, confetes coloridos e brilhantes e um monte de bombons de açúcar.
A plateia vibrou. Lá estávamos nós: sujos de tinta em pó, cobertos de bombons, fitilhos, confete e com sorrisos estampados. Todo o nosso cenário montado de brinquedos, crianças de papelão e lápis de cor, estava cheio de cor e brilho.
Desmontamos nossa estrutura humana e saímos do palco de apresentação. Nós não erramos nada, mesmo com nossos ciclistas chegando em cima da hora para fazer suas estripulias sobre duas rodas.
Procurei Luísa entre meus colegas e acabei esbarrando nela sem querer, quando fui empurrado pelo ombro distraído do Marcos. Ela sorriu ao me ver, estava tão radiante quanto eu podia ver de longe. Antes que eu pudesse trocar uma única palavra com ela, fui erguido no ar pelos meus amigos, com gritos de comemoração e Luísa foi roubada por Camila. Fosse o que fosse, eu não devia interromper. Uma questão bem simples de sobrevivência.
Quando enfim me colocaram no chão, fui cercado por mais alunos, todos estavam alegres, ansiosos pelo resultado. Dançar não era minha praia, mas estava sendo muito melhor do que eu imaginei que seria. Todos os alunos e alunas da minha sala estavam ali. Porém, a falta de um aluno em específico me chamou a atenção. Keven não estava ali.
- A gente arrasou!
- Caramba, quem diria!
- Nós vamos conseguir a melhor colocação se continuarmos assim!!!
- Que ansiedade! Fomos os últimos a apresentar? Meu Deus, já quero saber os resultados!
Várias vozes falando sobre a nossa futura classificação, meu cérebro não foi capaz de diferenciar todas. Eu mal estava ouvindo o que diziam. Só sabia que alguns estavam muito ansiosos, outros assistiam a apresentação da outra escola e um poucos falavam mal de alguém. Adolescentes são assim sempre?
Me distanciei dos meus amigos super felizes para encontrar a pior cena que meus olhos seriam capazes de olhar. Num local meio escuro, Keven puxava Luísa contra si, e forçava seus lábios contra os dela. Era visível que ela estava tentando afastá-lo. Aquela foi a cena mais repugnante que eu já havia visto até então.
Com os punhos cerrados, eu estava pronto para acabar com aquela palhaçada. Caminhei com mais velocidade do que achei que fosse capaz de andar, o afastei de Luísa o agarrando pelo colarinho, seus olhos surpresos me encararam. Ele não esboçou reação alguma.
- Você mexeu com a minha garota. - Falei friamente.
- Vocês mal estão juntos. E o que te garante que ela não gostou? Ela estava gostando! - Ele falou sorrindo. Finalmente sua podridão deu as caras. E eu arrebentaria todas elas.
- Nunca mais ponha suas mãos nela. Vou ser mais direto para que você possa entender. - Levantei o punho para lhe acertar a cara de idiota.
Porém, antes que eu pudesse concretizar minha ação, alguém segurou meu antebraço com firmeza. Virei irado para ver quem era. Luísa me encarou, tão séria quanto eu nunca havia visto na vida. Fiquei surpreso. Ela sorriu e deslizou sua mão até meu ombro.
- Está tudo bem, Thiago. Deixe-o. - Ela disse. Seus olhos se fecharam na largura do sorriso.
Minha mão afrouxou o aperto no colarinho do Keven, até soltá-lo. Uma linha franzida se formou nas minhas sobrancelhas. Eu a encarava sem entender. Será que eu me enganei? Não, não pode ser isso.
Aproveitando-se mais uma vez do momento, Keven foi se afastando de nós sorrateiro. Luísa desmanchou o sorriso e abriu bem os olhos azuis.
- Keven, eu preciso falar com você ainda. - Sua voz estava num tom estranho, baixo, fino e perigoso.
Ele se virou para ela. Vi Lulu caminhar sem expressão até ele. Assisti boquiaberto aquela garota ruiva acertar seu nariz com um soco forte. Sangue espirrou. Doeu até em mim só de ver. A cabeça dele pendeu para trás. Ele grunhiu de dor, segurando o nariz quebrado com as mãos. Luísa impiedosa (seu novo adjetivo), puxou uma das suas mãos, de modo a quebrá-la. Ele gritou com a voz embargada. Nem eu acreditava no que estava vendo.
- Eu tenho namorado, Keven. - Ela abriu um sorriso gigante, totalmente gentil. Arrepiei. - Espero que você fique bem logo!
Keven não precisou de mais palavras para sair correndo quando ela soltou sua mão. Ela soltou uma lufada de ar e começou a gargalhar, apoiando-se em mim.
- Meu Deus, até eu estou assustado com você! - Passei uma mão nervosa sobre os cabelos suados. - Como fez isso?
- Advinha quem foi minha professora! - Ela brincou.
- Ai... Eu sabia que essa amizade não ia prestar. - Esfreguei o rosto. - Minha irmã vai transformar você num monstrinho fofo.
- Sim. Depois de bater em você. - Lulu sorriu abertamente. - Ela disse que você é um irresponsável e que eu tenho que ser por nós dois.
- Por que ela diria isso?
- Hã... - Ela olhou para outro lado e ficou vermelha de vergonha. - Contei para ela. Ela me fez comprar anticoncepcional.
- Ah! - Cobri o rosto. Talvez eu estivesse tão vermelho quanto ela. - Ela pode me bater até afundar no chão depois dessa.
- Vocês parecem duas crianças tímidas, pelo amor de Deus! - Camila disse, nos pegando desprevenidos.
- O quanto você ouviu? - Perguntei.
- Do início ao fim. Agora, venham comemorar, nós conseguimos! - Ela se empolgou.
Ela puxou Lulu pelo braço. Nós entreolhamos e seguimos juntos, um sendo arrastado pelo outro. Será que todos também haviam visto Luísa Impiedosa na área? No fundo, eu sorria contente imaginando que sim.
Assim, nenhum engraçadinho tentaria se aproveitar dela de novo. Ah e respirar tranquilamente, percebendo que graças às minha irmã eu não seria papai, foi libertador.
E assustador também.
Intimidar é habilidade antiga dessa modelo.
*************
Eae galerinha bonita! Tudo bem?
Assédio também é agressão, lembrem-se disto! Denuncie.
(Ou faça como a Luísa, dê um belo soco no nariz, vai que cola!)
• É isso mesmo que estamos vendo, Ella? Cap novo? Ebaaaa! Se continuar assim, viramos fãs de carteirinha!
Siiiim fiz mais um, bateu uma criatividade do nada (para compensar, né).
Espero que gostem, que se divirtam e que não desistam de mim!
Ps: quem gostou da Luísa Impiedosa dá um salve ae
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