18 - Thiago
Semanas depois...
Eu não imaginei que daria nisso. Não mesmo. Faziam poucas semanas em que Luísa havia se recuperado e voltado direto para o grupo e passou a participar ativamente. Mas, é claro, eu nunca imaginei que daria nisso. Como assim a Patrícia gostava da Luísa?! Elas duas não se odiavam?! Nunca vou entender as mulheres, isto é sério!
É bem fácil contar os fatos inéditos das últimas semanas: Luísa se recuperou do tornozelo torcido e do nariz quebrado absolutamente rápido (o que já foi bem incrível), a tia dela voltou para casa, nós fizemos nosso trabalho juntos (e ela me fez rir pela tarde toda), ficamos mais próximos, trocamos mensagens todos os dias e Patrícia (por mais incrível que pareça) passou a falar com Luísa nos últimos dois dias e agora andavam como se fossem duas amiguinhas de infância! Então o ódio feminino não é tão terrível quanto eu achei ser... Estou aliviado... Mas, em parte, eu ainda temia, pois acreditava que Patrícia era calculista o suficiente para fazer alguma coisa contra Luísa quando menos esperássemos.
Para finalizar, Daniella, a sobrinha da diretora não me deixava mais em paz, ela havia cismado que nós dois éramos amigos e por isso, me arrastava por toda a escola de mãos dadas, minha irmã a odiava. Luísa nunca dizia nada sobre ela, apenas revirava os olhos quando a via se aproximar de mim.
- Thiago, você ouviu o que eu disse? Nós precisamos conversar..! - Daniella puxou meu braço, me virando para ela.
- O quê? Sobre o quê? - Perguntei sem entender, estava ocupado olhando Luísa treinar nos patins sem cair pela primeira vez, sorrindo alto de mãos dadas com Camila, que sustentava um sorriso de canto, sem querer se render ao momento. Ela está tão linda assim...
- Você está fazendo de novo! - Daniella gritou no meu ouvido.
- Do que é que você está falando?! - Eu perguntei, ainda sem entender.
- Isso! Você não consegue parar de olhar para a Luísa, você nem lembra que eu estou ao seu lado na maior parte do tempo! Poxa, Thiago, eu gosto de você! E eu te provo isso o tempo todo, ela não! Ela está sempre com outras pessoas, menos com você! - A garota fervia de raiva perto de mim.
- Essa é quem ela é. E eu gosto dela assim. Do jeito que é. - Falei simplesmente, aquela garota me tirava toda a paciência me exigindo tanta atenção. Tanto de mim. - Eu nunca pedi pra você ficar sempre comigo. E eu nunca reclamei disso. O que mais você quer de mim?!
- Eu quero que você goste de mim, como eu gosto de você! - Os olhos dela se encheram de lágrimas.
Levantei as sobrancelhas, surpreso por aquela declaração tão inesperada. Essa garota é louca?!
- Você mal me conhece. - Disse, direto. - Não sabe nada sobre mim, até de coisas simples você não tem ideia.
- Isso eu posso aprender rápido se você me contar. - Ela disse, fria e amargamente.
Ela abriu a boca para falar novamente, mas eu a interrompi, não podia deixar aquilo ir longe demais, ela estava se deixando iludir por alguém que nem conhecia, que obrigava a estar do seu lado... Estendi a mão para que ela parasse e respirei fundo para não ser tão duro com ela, infelizmente tive uma péssima professora (Patrícia).
- Eu não gosto de você. E nem vou gostar. Nunca. Entendeu? Você ainda vai encontrar um cara legal que vai retribuir o que você sente e... - Ela não me deixou terminar de falar. Saiu correndo como uma garotinha de 13 anos que se apaixonou pela primeira vez.
Eu assisti enquanto ela se afastava calmamente e suspirei. No fundo, tive pena dela. É verdade que as vezes nos apaixonamos sem querer, mesmo sem ter ideia de quem é realmente a pessoa que passamos a gostar. E é duro receber um fora. Acho que era daquilo que eu tinha medo, talvez por isso, eu nunca havia reunido coragem para falar para Luísa tudo o que eu sentia. Por medo da rejeição. Iria doer muito e eu não queria perder uma amizade de anos.
Me empertiguei no lugar quando vi o Keven tomando a mão de Luísa e a puxando para dançar no pátio, onde estávamos ensaiando todos os dias, repetidas vezes. Afinal, faltava pouco para a competição, tão esperada e nós devíamos colocar nossa escola na lista de participantes. E na verdade, os alunos não faziam isso por Luísa, ninguém fazia, faziam mesmo pelos holofotes. A maioria. A menoria, por ser um sonho que se realizava. Nós tínhamos mais ou menos 30 alunos da nossa sala dançando. Como sempre, Camila sempre tinha as melhores ideias para uma boa apresentação.
Luísa sorria enquanto Keven a conduzia como um maestro pelo pátio. Eu não devia, mas senti algo perturbador, algo que me fez apertar os punhos e ferver de raiva.
- Você é tão idiota, Thiago! - Minha irmã falou quando chegou perto de mim, dando um soco leve no meu ombro.
- Oi pra você também. - Falei, um tanto mais grosso do que o meu normal. - Acabei de me tornar um ótimo aprendiz.
Patrícia me olhou curiosa, suas sobrancelhas escuras quase se juntando completamente.
- Dei um fora na Daniella. - Soltei uma lufada de ar, tão pesada quanto eu imaginei que seria.
- Ah! - Ela ergueu os braços pra cima. - Até que enfim você deu um pé na bunda daquela chata! Deus, obrigada por me ouvir!
Você também não é pessoa mais agradável do mundo... Quase me escapou. Camila ficou no centro pátio e pediu que todos se reunissem ali para que ela nos falasse algo sobre a apresentação que deveríamos saber. Olhei em volta e vi Keven indo se sentar no chão junto com os outros. Não vi Luísa. Talvez ela tenha ido tomar água, deve estar cansada de praticar... Me convenci em silêncio.
- Gente, nos falta pouquíssimo tempo para a primeira fase do concurso! Eu estou muito animada, mas vamos combinar de sermos pontuais sempre a partir de hoje e não cometer erros, ok? - Ela olhou de canto a canto. - Ah e eu já enviei a lista das coisas que precisaremos na apresentação e elas chegam amanhã... Por fim, precisamos ir lá para testar o equipamento todo, se é seguro, etc. No sábado às nove. Vou mandar o endereço no grupo.
Suellen, uma garota da nossa sala que as vezes todo mundo se esquecia que existia, levantou a mão para falar.
- Eu tenho curso pela manhã de sábado. - Disse ela.
- Eu tentei os convencer de outra data, mas sabe, eles não escutam uma adolescente que mal completou 16 anos. Se não puder ir, é responsabilidade sua. - Camilla respondeu.
Todos sabiam que aquele concurso era importante. Para a escola. Mas, principalmente para si mesmos. Verdade seja dita, era cada um por si. O nosso maior erro, já que todos dependiam uns dos outros.
- Me larga! - Ouvi uma voz feminina gritar.
Era Luísa?! Os alunos (assim como eu) se viraram para onde vinha o som. E os gritos continuavam, mas não era apenas Luisa.
- O que ele vê em você?! O que é tão especial?! - Daniella gritava com Luísa. Ela estava... RASGANDO AS ROUPAS DA LUÍSA EM PÚBLICO! E ainda por cima, havia uma multidão colocando a cabeça para dentro do pátio onde estávamos. Daniella empurrou a Luísa no chão e terminou de arrancar os retalhos de sua roupa. - Você não é tão bonita assim! É uma desastrada, burra, retardada e feia! VOCÊ É FEIA! Qualquer garota é mais bonita que você, sua bruxa!
Aquilo era demais. Ninguém interferia, mas eu estava cansado de ver aquilo sem fazer nada. Luisa estava só de lingerie na frente da escola toda e não aparecia nenhum supervisor numa hora dessas! Ela estava envergonhada, com o rosto vermelho, sem saber pra onde olhar, tentando cobrir o corpo com as mãos. Já chega desse showzinho.
Me levantei do meu lugar e andei tão rápido que quando percebi, eu estava segurando o braço da Daniella e tirando-a de perto da Luísa.
Tirei minha camisa e vesti Luísa com velocidade. A levantei do chão e segurei em sua mão. Fiquei à dez centímetros do rosto de ódio da Daniella e lhe disse pausadamente:
- Fique. Bem. Longe. Da. Luísa. - Cuspi com raiva daquela garota insuportável. - Nunca. Mais. Toque. Na. Minha. Namorada. Entendeu?!
Ela não teve reação alguma. Essa era minha deixa. Acho que era nítido em mim o tanto que estava furioso pelo que havia acabado de acontecer, tanto que nem precisei pedir para me deixarem passar pelo corredor, abriram caminho para mim e para Luísa, vestida com apenas minha camisa.
O silêncio era absoluto na escola. Afinal, todos haviam visto tudo. Toda a cena. Sem fazer nada. Aqueles idiotas. Quando dei por mim, percebi que eu havia levado Luisa para o laboratório de química.
- Você está bem? - Perguntei.
Ela não conseguiu me olhar. Estava vermelha.
- Vou arrumar roupas para você. - Falei, me virando para chamar minha irmã, que à essa altura, se ela gostava mesmo da Luísa, já tinha arranjado problemas. Lulu não me deixou ir.
- Eu estou bem. - Sorriu um pouco. - É-é... Q-que... V-você tá sem ca-camisa e eu não consigo olhar pra você assim depois de dizer pra todo mundo que eu sou sua namorada! - Ela desatou a falar. - Eu nunca namorei com ninguém, não sei como funciona. Hoje era para ser um péssimo dia, né? Até porque aquela garota dos infernos me deixou quase totalmente nua na frente da escola toda, mas aí você me defendeu e falou aquelas coisas! E então me chamou de namorada! Eu não sabia disso, quer dizer, a gente já ficou algumas vezes, mas não achei que você pretendia isso! Foi do nada, entendeu??! Ainda estou surpresa! Muito surpresa! E com vergonha... Eu não sou boa em combinar calcinha e sutiã, daí acabei colocando esse aqui de girassol e essa calcinha de bolinhas coloridas. - Ela levantou mesmo a camisa pra me mostrar de novo o que estava usando?! Coloquei a mão no rosto. Era minha vez de corar. - Mamãe já tentou me ensinar, mas as combinações dela são tão sem graça!
- Luísa.
- Hein?
- Solta essa camisa, por favor. Você tá piorando as coisas. - Tentei me recompor.
- Ah, sim. Desculpa. - Abri os olhos e vi seu sorriso infantil.
Meu Deus. Eu disse pra toda a escola que ela era minha namorada. Caiu a ficha. Respirei fundo. Não estava arrependido, estava... Surpreso. Deve ter sido pelo momento.
- Lulu, eu queria ter contado para você sobre o que eu sinto... Mas, eu não consegui. - Tentei olhar em seus olhos. - Te reencontrar aqui foi inesperado desde o dia em que vi você. E eu comecei a sentir coisas que eu nunca havia sentido antes. Ainda não sei lidar com isso, confesso... Mas, eu gosto de você e não é apenas como amiga. Me desculpe por ter falado que você é minha namorada na frente da escola toda, acho que não sou melhor que a Daniella no final das contas.
Luisa estava séria, esperando que eu falasse mais... Não era o momento certo para aquilo...
- Eu não tenho certeza do que você sente. Tudo isso é novo pra mim. Mas... Mas... - Toquei seu rosto com as pontas dos dedos. - Toda vez que eu olho para você... Toda vez que eu estou perto de você, eu não quero sair do seu lado. - Tirei minha mão do seu rosto. - Porém, como eu disse, eu não sei lidar com isso e talvez eu demore para aprender... Eu sei que você gosta de mim, de algum jeito. Mas, eu realmente queria que o que eu disse fosse verdade.
A seriedade dela estava me deixando perturbado. Eu só queria falar e falar sem parar. Ela fazia isso comigo, me transformava. Que sensação era aquela? Aquela apreensão toda? Aquele nervosismo? Eu podia sentir minhas mãos suando. Por favor, diga alguma coisa... Luisa estava totalmente paralisada. Era tão ruim assim?
Ela abriu a boca para falar alguma coisa, mas não saía som algum. Ela estava muda. Sua expressão era estranha. E eu estava nervoso.
Alguém abriu a porta. Era Patrícia, com um sorriso triunfante. Ela nos viu e quase voltou, mas pareceu pensar melhor e entrou desfilando. Estralou os dedos na cara da Luísa e abanou sua palma no ar.
- Hello, garota! Sim, oficialmente namorados! - Patrícia disse. Sem parecer se incomodar sequer um pouco com a notícia. Se voltou pra mim. - Eu consegui roupas pra ela. - E me estendeu um vestido preto que mais parecia uma linha reta de alcinhas. - Era só o que eu tinha na bolsa, tava pretendendo sair depois daqui.
Peguei o vestido e franzi o cenho.
- O que você andou aprontando, Paty? Eu conheço esse olhar. E esse sorriso diabólico. - Falei, curioso. As vezes ter uma irmã psicopata é muito bom.
- Quando sair, vai ver. - Ela piscou e sacudiu os ombros da Luísa.
Lulu saiu do seu transe e sorriu amigavelmente para Patrícia.
- Nem tinha notado você aí! - Seus olhos enormes se fechavam pelo tamanho do sorriso. Ela era tão linda...
- Meu Deus! - Patrícia estalou sua palma na própria testa. - Acorda e veste isso aqui. - Ela tomou o vestido das minhas mãos, sem a menor educação. Estávamos falando da Patrícia, não haveria sinal de educação mesmo.
Luisa começou a tirar a camisa e eu não desviava meus olhos dela, até receber uma cotovelada no estômago. O que eu tinha dito mesmo sobre irmãs psicopatas?! Me virei, tentando recobrar o fôlego. Por que ela tinha que ser sempre tão agressiva?! Recebi minha camisa atirada na minha cabeça e me vesti, tentando não discutir com a minha irmã.
Me virei de cara fechada.
- Por que você é tão cruel comigo? - Perguntei à ela.
- Se você não fosse tão idiota e tarado, eu não seria assim. - Ela falou como se fosse a maior verdade do mundo.
- Quem é o tarado mesmo?! - Cruzei os braços.
Luisa pigarreou e sorriu, abraçando Patrícia.
- Obrigada! - Ela disse. - Você me salvou! Agora estamos kites!
Mulheres e sua relação estranha. Nunca vou entender. Quase revirei os olhos. Não contive meus olhos curiosos de vaguear pelo corpo de Luisa, que aparentemente, era mais "forte" que Patrícia, tanto que se o vestido não esticasse, não teria entrado. Tive que desviar novamente e me concentrar em outra coisa. Não era educado ficar... Observando demais o corpo alheio, não é? Eu não queria objetificá-la. Isso passaria uma imagem errada. Mas, que ela estava linda com um simples vestido preto, ah se estava! Faria qualquer garoto babar e retirar aquelas palavras maldosas sobre ela. Apertei os punhos.
- Thiago, você vai a pé. Vou sair com a Luísa. Assuntos da coreografia. Nós duas estamos fazendo uma parceria, sabe como é, a sua namorada tem ótimas ideias para as cores. Ah! E antes que eu me esqueça, eu só tinha isso no armário da escola, espero que você use tamanho 35. - Patrícia estendeu um salto alto que eu podia jurar que tinha uns 17 centímetros para Luísa.
Lulu arregalou os olhos, pegou os saltos e os colocou. Suas pernas bambearam, de modo que ela pareceu um bebê que está a aprendendo a andar. Mas, era extremamente engraçado vê-la parecendo uma adulta, com roupas mais sérias, de cores únicas e saltos de bico fino de cor vermelha. Combinavam com seu cabelo ruivo revoltoso. Não pude conter uma risada alta e grave.
Patrícia segurou em seu braço para firmá-la e a arrastou para fora da escola, comigo atrás, rindo da cena. Eu não sabia fazer outra coisa, minha barriga estava doendo de tanto rir. No final das contas, o dia não havia sido tão ruim assim. Curioso, eu poderia arriscar.
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