1- Luísa


Já fazia anos que não acontecia. Certo, tudo bem. Eu sei que sou muito desastrada. Mas, se você quiser me contar um segredo, sou a pessoa perfeita para isso, costumo me esquecer das coisas que me dizem, a cada cinco minutos.

Desde quando eu era criança, eu era esquecida desse jeito. Minha mãe cansou de receber reclamações no colégio, por que eu falava muito na aula e, acredite, porque eu ia de pijama para o colégio. Eu esquecia até de tomar café as vezes. Mas, a culpa, era de mamãe. Ela vivia comprando aquelas Barbies sem graça pra mim, quando eu pedia a edição nova da Hoot Wils ou até mesmo aquela pistola besta que disparava água. Enfim, eu gastava quase metade da noite arrancando as cabeças das Barbies, desmembrando-as, pintando-as e fazendo uma bela escultura depois. Sempre fui artista. Em ambos os sentidos.

Eu estava tendo outro pesadelo com o Ursinho Pohh. Ele corria tentando me abraçar, era terrível. Aí...

- Lulu?! - Mamãe gritou, me despertando.

- Ah! Sai daqui ursinho idiota, fedorento! - Gritei, jogando um travesseiro na porta de onde mamãe já havia saído ou levaria uma travesseirada na cara.

- Você vai se atrasar de novo se você não se levantar logo - ela falou lá do corredor - ah, e Carlos já chegou, está esperando você lá fora.

Carlos era meu motorista. Eu mesma poderia dirigir um carro, mas mamãe nunca confiaria um carro em minhas mãos do jeito que sou distraída. Levantei correndo da minha cama, abri a janela do meu quarto e pus quase metade do meu corpo para fora.

- Carlos! - Gritei, dando tchauzinho.

Ele, três andares abaixo, no jardim, tirou seu cap e deu seu velho sorriso.

- É SÓ PRA DIZER BOM DIA! - Gritei de novo.

Ele murmurou alguma coisa.

- O QUÊ? - Perguntei.

Ele tornou a murmurar alguma coisa.

- FALE MAIS ALTO, CARLOS! NÃO CONSIGO TE OUVIR!

- EU DISSE OBRIGADO! - Ele finalmente respondeu.

- AH, OBRIGADA TAMBÉM, CARLOS! - Gritei e... Quase, por um fio, eu ia caindo de novo da janela se mamãe não estivesse bem atrás de mim segurando minha perna.

- Quantas vezes vou ter que te dizer pra parar com isso? O que os vizinhos vão pensar? - Ela disse.

- Ah, fique calma. Não se esqueça que tem o colchão de ar lá fora. Só seria a...

- Milésima vez que você ia cair!

- Não, não, não, não, não... Seria a... Bom, a ... - Comecei a tentar conferir nos dedos, mas deisisti - Eu desisto, sei lá que vez, mas deixa pra lá, tenho que tomar banho. - Arregalei os olhos. - Droga. - Eram 06:59 - Tchau, mãe. - Corri, peguei minha mochila e desci as escadas como um furacão, entrei no carro e Carlos arrancou de lá em menos de trinta segundos. Eu não iria chegar atrasada.

Já fazia anos que não acontecia. Eu sou meio exagerada, né? Só fazia dois meses que eu não ia de pijama pra escola de novo. Em geral, quase toda semana eu tinha que esquecer, por pelo menos um dia, de colocar o uniforme. Ah, e não posso me esquecer do primeiro dia naquela escola, em que eu fui com o blusão avesso e costa pra frente. Passei a aula toda com aquela porcaria de gola me incomodando.

- Penteado novo? - Carlos perguntou.

- Não. Sempre está assim.

Eu quase ri daquela pergunta, por que ele bem sabia, com seus vinte anos de serviço ao meu pai, que eu nunca, de maneira nenhuma, pentiava o cabelo, por pura preguiça mesmo. Mamãe tentou pentiar uma vez, bom, ela não conseguiu. Mas, olhando bem no espelho, meu cabelo estava mais bagunçado naquele dia.

Ah, e antes que você pense que eu sou uma porca, fique sabendo que não sou. Eu tomo banho e, sim eu lavo o cabelo, só não gosto de penteá-lo. Ah, e odeio o uniforme da escola, prefiro meu pijama de florzinhas bobas. Apesar de preferir aquele que a estampa é um monte de dentes de leão. Bom, pelo menos eu estava de sutiã por baixo do pijama. E... Olha, eu estava com aqueles chinelos esquisitos que minha mãe tinha comprado pra mim quando foi à Fortaleza no mês passado. Eu detestava aquelas viagens dela, mas o que eu podia fazer? Era parte do seu trabalho. Eu tenho 16 anos, não preciso de uma babá, mas toda vez que mamãe viaja, ela chama a tia Joselha para passar a semana comigo e ela fica me enchendo com aquele pão caseiro que é uma porcaria. Ela não deixa eu comer meus chocolates, nem sequer um pedaço de torta ou carne ou... Ela é uma chata.

Carlos me estendeu uma maçã.

- Pode pegar, tenho certeza que você nem tomou banho.

- Obrigada - peguei a maçã e dei-lhe uma mordida - estou fedendo?

- Não, é só intuição.

Eu sorri. Quando terminei de comer a fruta, ele estacionou o carro rapidamente, para que eu descesse e fosse para a escola.

Quando entrei, todos me encararam com a cara de besta que eles eram. Um olhar natural para mim, eu já estava acostumada com ele.

Em menos de 10 segundos, a professora de português, Marciela , entrou na sala e me encarou, boquiaberta. Balançou a cabeça e se sentou na cadeira esperando os alunos entrarem, de mãos cruzadas. Ela suspirou.

- Você está passando dos limites. - Ela disse.

Olhei ao redor, afim de saber com quem ela estava falando.

- Luísa, estou falando com você. Primeiro, eu não sei o que está acontecendo, mas você, toda semana, tem que se esquecer, pelo menos uma vez, de vir uniformizada e me aparece aqui, de pijama.

Eu sorri.

- Acho que devo chamar sua mãe de novo.

- Ah, não. Da última vez, ela escondeu meus pijamas e eu acabei aparecendo aqui com aquele vestido da minha avó!

Ela arregalou os olhos.

- Santo Deus! - Disse ela. - Segundo, você me deve um trabalho em grupo.

- Eu faria o trabalho se alguém, pelo menos quisesse fazer dupla comigo.

- Você não pode culpá-los. - Ela balançou a cabeça de novo e apoiou o queixo na mão. - O que eu faço com você?

Eu sorri de novo.

- Eu não sou um caso perdido.

- É mesmo? Não é o que parece.

A porta se abriu e um cara entrou. O nome dele era Thiago. A professora olhou-o entrar e se sentar. Depois suspirou.

- Certo. Acho que vou pensar um pouco e depois digo o que farei com você.

- Não, Marciela. - Disse a diretora que estava de pé na porta me encarando. Não sei bem à quanto tempo. - Já sei o que fazer com ela. - Seus olhos eram tão negros... - Seus alunos estão ensaiando uma peça, não é mesmo?

- Sim, diretora Alcione.

E, como a justiça nesse Brasil é uma porcaria...

- Luísa será a protagonista.

- O quê? - Eu falei.

- O quê? - A professora falou.

- O quê? - Patrícia, a mimadinha, falou.

-Hã? - A sala inteira falou.

- Mas, diretora, não é justo. Luísa não fez nada. Eu tive todo o trabalho de montar e escolher os personagens da peça. Já estávamos ensaiando... Eu prometi a Patrícia que ela seria a protagonista. Ela e Thiago. - Falou Camila.

- Já está decidido, Camila. Luísa e Thiago serão os protagonistas. E, se por acaso, vocês não aceitarem, podem contar com um zero em suas médias. E, você Luísa, se pensar em me desobedecer, será transferida. É sua última chance. Já aturei você demais. - E foi embora.

Aquilo era sério? Se a chata da diretora não tivesse me feito calar, eu estaria dando pulinhos de felicidade. Eu sempre quis participar da peça, só que não deixavam, elas diziam que não tinham mais papéis disponíveis.

- Sinto muito, Patrícia. Você vai ficar fora dessa. - Camila sussurrou.

- Tudo bem, só acho uma droga que seja ela. - Patrícia respondeu.

Horrorosa, ela era a única pessoa que me deixava zangada. Vivia falando mal de mim, não que eu me importasse. Afinal, todos falavam mal de mim naquele colégio idiota metido à besta. Eu ainda estava tentando me acostumar com aquele clima estranho de Ensino Médio. E, eu já estudava lá no 1° ano faziam exatos 4 meses.

Não ligo para você, sua loira azeda de meia tigela. Você não me assusta. Até aquela Barbie besta seria mais assustadora. Dei língua mentalmente para ela. Não, língua não lhe machucaria; dei um soco na cara dela mentalmente.

Quando chegou a hora de cair fora, Camila chegou perto de mim com uma cardeneta.

- Assine seu nome aqui - foi o que eu fiz - Sestari? Seu sobrenome é Sestari?

- É, não está muito visível aí? - Perguntei.

- Não, não... Quero dizer... Seu pai é Augusto Sestari?

- Sim, o que tem isso? É apenas um nome.

- Nada... É só que... Ele e a família dele, quer dizer, sua família, é muito conhecida e... A minha família trabalha para a sua desde, sei lá quanto tempo.

- Humm... Acho que isso é bom, né? Quando tenho que vir?

- Amanhã. Às 15:30. Ou hoje, se você quiser.

- Onde?

- Aqui mesmo na escola.

- Tudo bem. Tchau, Camila.

E saí correndo para o carro feliz da vida.

- Carlos, eu tenho ótimas notícias!

- É mesmo?

- Uhumm... Eu vou entrar na peça do colégio! Uh! O que acha?

- Estou sem palavras. Que peça? Seria Bananas de Pijama?

Eu ri.

- Não. Mas, até que seria legal, né?

- O que posso dizer? Seria a sua cara, mocinha.

- Humm... Quero ver você lá na estréia, viu? - Ele não respondeu. Mas, eu estava tão feliz, que nem insisti.

 
*****

(Para degustação, antes da data! Espero que tenham gostado! Por favor, comentem! E votem também, ajuda muito!💙💜)

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