Capítulo 35🌙As sombras vindas do Norte 🌙Parte 1🌙
Nota inicial:
Boa leitura ♥
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Quando [ele] abriu os olhos, duvidou que tivesse o feito, pois tudo continuava tão escuro como antes de abri-los.
O hobbit,
de J. R. R. Tolkien
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Parte I
Bard sentiu que sua cabeça fosse explodir. Ele fechou as mãos com força e trincou os dentes, suspirando. Não via muita coisa que não fosse a escuridão, tão palpável e terrível; e não escutava nada a não ser guinchos agudos de dor, rosnados de raiva, ferro batendo em ferro, e gritos pavorosos de puro horror. O cheiro ali não era tão desagradável quanto ele imaginava, mas era um lugar frio, úmido e rochoso. As pedras sob seu corpo eram cobertas de um musgo gosmento e hostil, e ele mexeu os dedos para se livrar da infeliz sensação. Estava impotente e doente. Perdido dentro da montanha e do desespero.
Ele levou a mão na barriga e sentiu o ferimento aberto novamente, escorrendo sangue. Doía! Bard fechou a boca com força e tateou o local. Precisava achar sua mochila, mas estava tudo muito escuro e hostil. O elfo se arrastou pela rocha fria e grudenta, e gemeu ao segurar-se em uma pedra ponteaguda. Forçando seu corpo a passar pela saliência em direção ao que ele achou ser uma caverna, um vinco da pedra roçou em seu ferimento. O príncipe deu um berro agonizante de dor e se contorceu, levando as mãos a barriga e tentando parar o sangramento. Seu grito ecoou pelo interior terrível da montanha, e Bard se encolheu, tremendo e com medo de ter despertado alguma serpente do norte que poderia viver por ali. O ar em sua volta se tornou mais frio e respirar estava começando a ficar dolorido; era como se facas penetrassem em suas narinas todas as vezes que ele sugava o ar. Um meio-elfo noldo perdido dentro das Montanhas Cinzentas, sangrando e com fome, frio e mortalmente fraco. Ele morreria ali sem se despedir de seu pai e de sua irmã.
Bard chorou.
Suas lágrimas caíram em algum lugar do chão frio e ele suspirou. Fechando os olhos, o príncipe se entregou a morte e se acostumou com a ideia de sucumbir, ali, tão longe de todos – tão longe da luz da aurora. Porém, seus ouvidos descobriram um gotejar, não muito distante, de água na rocha fria. Uma nascente, talvez. Ele olhou em volta tentando captar alguma luz naquela imensidão negra, em vão, porém, respirou o mais fundo que conseguiu e se arrastou em direção ao som da pequena cascata.
O chão pedregoso e gelado foi substituído por areia fofa e, estranhamente, quente. A água caía do teto, escorria pelas paredes e se encontrava com um lago mais a frente. O cheiro de madeira inundou o nariz dele, mas Bard não pensou em nada a não ser beber a água, e lavar seu ferimento. Ele se encolheu ao encontro daquela água absurdamente gelada na pele, e o sangue pareceu querer voltar para dentro de seu corpo. O príncipe se sentou, o mais confortável que conseguiu, e rasgou uma tira de sua calça. Usou-a para amarrar em torno da barriga e fez pressão, gemendo de dor, enquanto sentia seu sangue sucumbir a sua tentativa futil de sobreviver. Ele pressionou os lábios e fechou os olhos. Quando finalmente o sangue parou de escorrer, Bard se recostou na parede e suspirou.
Fechou os olhos, ignorando a sensação terrível de fome que tomara conta dele rapidamente, e tentou dormir. Mas, lembrou-se do dia em que tudo saiu do controle...
A princesa da Floresta das Trevas se abaixou em sua direção, fitando seus olhos cinzentos com uma expressão brincalhona, e tocou em seu nariz.
— Você é estranho quando dorme! — Ela disse, crispando os lábios.
Bard franziu as sobrancelhas e se remexeu para levantar. — Que bom que não sou do agrado da princesa. — disse.
Eáránë gargalhou docemente. — Pode levantar? Temos que continuar a subida. — Ela se ergueu e olhou em volta, certificando-se de que não havia nenhum leão da montanha ou outra fera faminta que, por embriaguez de fraqueza, pudesse atacá-los.
A neve havia parado de cair e Bard logo pôs-se de pé e começou a catar suas coisas que estavam aos pés das raízes, e colocou os lençóis e cobertores na mochila. Bard olhou para a princesa de esguelha e a viu encarando as árvores, muito abaixo deles, aos pés da montanha. Ela suspirava e segurava com força um medalhão de ouro. Havia uma grandiosa pedra preciosa como pingente.
— Tudo bem, princesa? — Ele se limitou a perguntar.
A filha do Rei Élfico suspirou fundo e molhou os lábios, demasiadamente preocupada e cansada. Seus olhos estavam vermelhos de exaustão. Subir aquelas montanhas era demais – até mesmo para um elfo.
— Saudades de casa. — Respondeu ela, olhando para o horizonte que ao longe, podia-se vislumbrar uma mancha escura e espessa de árvore. A Floresta das Trevas. — De papai, principalmente...
— Thranduil? — Bard a interrompeu e gargalhou. — Nossa, deve amar mesmo muito ele porque ninguém, na maioria das vezes, suporta a ideia de tê-lo por perto. — zombou, sem pensar no que dizia e se calou, subitamente. Eáránë o encarava com uma carranca feia e feroz. O príncipe se controlou. — Opa! Desculpe-me.
— Não fale assim do meu pai. — ordenou ela, séria e voraz. — Você não sabe o que ele já passou!
— Sim. Sim. — Bard engoliu em seco. Não queria magoá-la, mas as vezes, sua língua era mais afiada do que ele desejava. Essa qualidade que, segundo seu pai, herdara de sua mãe. — Desculpe-me por isso.
A princesa pegou o arco que estava apoiado na parede e olhou para o céu cinzento. Pesado, hostil e sombrio, as nuvens se acumulavam aos montes sobre o topo da montanha, e estavam tão escuras quanto a noite. Sombras se curvavam sobre eles através dos imensos pedregulhos que estavam acima de suas cabeças, e as rochas pareciam ainda mais cinzentas e negras na coloração predominante da neve. Bard suspirou e olhou para a amiga.
— O que sugere, princesa? — Perguntou, olhando para o céu também.
Ela o olhou de modo sério. — Já disse que odeio quando você me chama assim! — Protestou.
Bard prendeu uma risada no fundo de sua garganta.
— Eáránë é melhor. — Ela esclareceu.
— Desculpe — pediu —, é a força do hábito!
A elfa deu de ombros e suspirou.
Bard terminou de arrumar sua mochila e enterrou os restos da fogueira para que os lobos da montanha não o perseguissem. A neve fez a madeira quente chiar, e ele mexeu as mãos para dispersar a sensação de dormência. Levantou-se e suspirou, colocando as mãos na cintura.
— Certo. — Ele sorriu no final de seu trabalho. — Vamos subir essa trilha e descer para o oeste... — O príncipe olhou na direção da princesa e sua voz desapareceu rapidamente.
Eáránë fitava o horizonte, calada, mas algo em torno dela o assustou. Bard sentiu um calafrio e uma sensação terrível; um vento frio cortou o ar e uivou, e uma gélida sensação lhe subiu pela espinha. Ele engoliu em seco e franziu os lábios e a testa. Algo estava errado!
— Eáránë! — chamou ele, delicadamente e com a voz por demasiada baixa. Os leões da montanha poderiam ouvi-lo.
A princesa fechou as mãos em punhos e se virou.
Bard recuou, assustado.
Eáránë parecia outra pessoa. Seu belo rosto que sempre era sorridente e amoroso, estava distorcido de ódio e ferocidade. Ela trincava o maxilar com força ao olhá-lo e suas bochechas estavam intensamente vermelhas; seus olhos brilhavam com um brilho voraz e medonho, e não eram como antes – como delicadas joias azuis que se assemelhavam a estrelas cadentes. Estavam envoltos em uma fúria avassaladora e cruel, e ao encará-lo, Eáránë rosnou.
Bard se atreveu a rir, mas estava terrivelmente assustado e preocupado. Seu corpo tremia de medo – de medo dela, medo do que havia acontecido. Medo do que poderia estar acontecendo. O riso, porém, só fez a princesa ficar ainda mais entorpecida de ódio. Ela avançou na direção dele, lentamente, como um leão da montanha, só que milhares de vezes mais furioso e sedento. Bard engoliu a saliva com dificuldades e o ar pareceu entrar como facas em seus pulmões.
— Eáránë — Ele tentou parecer calmo, mas a tentativa foi em vão. —, está tudo bem?
A princesa não respondeu. Ao invés de parar no caminho, a elfa avançou ainda mais e sorriu de modo medonho. Ele tremeu ao ver aquilo e ver os olhos dela se tornarem frios e pedregosos, e cheios de raiva.
— Princesa! — Ele bateu o pé no chão que não emitiu o menor ruído, a não ser afundar na neve.
Ele ainda não havia escolhido ser um elfo ou um homem – diferente de sua irmã gêmea –, e aquilo o atrapalhava nas vezes que tinha que se movimentar em meio a neve ou areia funda. Apesar da pouca neve em sua volta, seus pés ficavam mais lentos a medida que avançava nas Montanhas. Porém, Eáránë era uma elfa completa, original, e seus pés nem ao menos deixavam pegadas para trás, e aquilo lhe dava vantagem.
A princesa jogou-se sobre ele antes que ele pudesse reagir. Uma força descomunal inundava o corpo, relativamente, frágil da elfa. Eáránë o encarava e rugia, furiosa, e tudo que Bard conseguia fazer era resistir. Uma confusão se apoderou dele e o medo voltou. A elfa o arranhou enquanto se engalfinhava com o corpo dele, apertando tão forte que suas unhas cravaram-se em sua pele através dos mantos térmicos e da cota de malha. Ela estava em completa fúria e ele não sabia o que fazer a não ser pedir para ela parar. Porém, Bard sentiu a pele romper e o sangue escorrer por entre as unhas dela, e gritou.
O que está acontecendo? Ele se questionou e gritou depois que a princesa o arranhou mais uma vez, arrancando sangue.
— Princesa — A voz dele tremeu. Bard estava assustado e amedrontado. —, pare! Por favor! O que há de errado com você?!
Contudo, Eáránë não respondeu e o socou com força no rosto. Bard ficou tonto quando o soco atingiu seu olho e gemeu. As mãos dela se enrolaram em torno do pescoço dele e ela o apertou, sufocando-o. O príncipe sugou o ar em busca de oxigênio, segurou os braços da elfa na tentativa de impedir a asfixia, mas de nada adiantou. Os olhos dela estavam cravados nos seus e brincavam de serem furiosos. Ela rosnava.
O ar estava ficando escarso e ele mal conseguia respirar. Rapidamente seu corpo começou a desistir e sua visão começou a escurecer, mas ele não queria morrer. Não ali e não assim! Havia algo errado e Bard precisava descobrir o que era. Ele mexeu a boca na tentativa de achar a voz, em vão. Então, sem muita esperança, tateou o chão cheio de neve por alguns momentos, deixando o medo tomar conta de seu corpo, em busca de algo. O elfo achou uma pedra grande e a pegou.
Bard bateu na cabeça de Eáránë com a ponta pontiaguda da rocha e ela caiu para o lado. Desvencilhando-se do toque voraz da elfa, ele se levantou com a pedra ensanguentada nas mãos.
— Oh, droga! — xingou ele, preocupado.
Eáránë se ergueu cambaleante e sangrando através da grande fenda que se abriu em sua testa.
— Thranduil vai me matar! — resmungou ele.
A elfa trincou os dentes.
Bard engoliu a saliva com dificuldades. — Eáránë! Pare! O que você está fazendo?
Ela riu e seu rosto, tomado pelo torpor da ira, se contorceu mais uma vez. A princesa pegou a adaga que carregava na cintura e a segurou firme.
Bard estremeceu mais uma vez.
A elfa rugiu e avançou correndo em sua direção, atacando com a faca em uma ferocidade sem precedentes e motivos. A mente de Bard estava embriagada de dúvidas e entorpecida de medo. Ele estava com medo! Medo dela! Eáránë novamente se engalfinhou nele, e cortou o ar, com a lâmina uivando, em sua direção. A princesa o jogou no chão e Bard bateu a cabeça forte contra a rocha, mas não desmaiou. Ela o montou mais uma vez e desceu a faca na direção do peito dele. E o príncipe só se perguntava “o que está acontecendo?”. Ele segurou as mãos dela antes que pudessem alcançar seu objetivo, e forçou para cima. A princesa rosnou e fez mais força e fricção sobre ele, e Bard respondeu com ainda mais defesa. Ele respirou fundo e tentou se concentrar na luta e não em sua completa confusão. Ele precisava vencê-la, apagá-la. O príncipe cortou a respiração e desviou a faca, mas Eáránë ao perceber sua tática, forçou-se sobre ele, e a lâmina desceu cruelmente.
Bard berrou de dor ao sentir a faca perfurando sua cintura. Sangue jorrou instantaneamente, e ele sentiu um calafrio, mas não perdeu a compostura. A faca o feriu, mas o príncipe socou o rosto da princesa com a mesma força que ela estava exercendo sobre ele. Eáránë caiu na neve, sujando-a ainda mais com o sangue que gotejava de sua testa. Ela estava desfigurada de ódio.
Bard se ergueu com a visão turva e fria, e levou a mão na faca. E puxou-a rapidamente, urrando com a dor agonizante que se apoderou de seu corpo. Ele encarou a princesa que se erguia, cambaleante, e jogou a adaga no chão.
— Já chega! — Gritou, sentindo o ferimento doer ainda mais. Bard fez uma careta.
— Não pode me exigir nada, orc! — rosnou a princesa.
O meio-elfo franziu as sobrancelhas e mais confusão se apoderou dele. — Orc?! Eu não sou um orc! Sou Bard, filho de Caos. Seu amigo. — ele tentou se manter firme, mas o sangue cascateava do ferimento e ele já se encontrava tonto.
— Quieto, miserável! — Eáránë trincou os dentes e seus olhos brilharam, negros como as noites sem luas.
Bard deixou a respiração descompassada e então finalmente percebeu que a princesa estava enfeitiçada. Mas como? Aquilo o apavorava.
Ela avançou, cambaleante e trêmula de ira, e se jogou na direção dele. Porém, Bard deu um passo para o lado e saiu do caminho dela. A elfa o encarou, furiosa.
— Eáránë Tinúviel. — chamou-a, calmamente. Ele precionava o talho em sua barriga, mas a dor só aumentava. — Princesa da Floresta das Trevas.
Ela vacilou.
Eáránë piscou duas vezes e balançou a cabeça, confusa. Bard caiu de joelhos e gemeu, tentando parar o sangramento, mas o sangue escorria aos litros e aquilo o deixava fraco. Um elfo suportaria aquela dor, mas um humano não. Um elfo teria forças para suportar a fúria que se apoderou do corpo dela, mas um humano não. Ele mordeu a língua, e questionou-se se seria essa a hora de escolher... se seria essa a hora de se tornar um elfo completo, mas a dúvida ainda inflava em seu coração e ele não se sentiu apto a decidir. Porém, vendo sua amiga apta a matá-lo, mesmo que enfeitiçada, sentiu um peso nos ombros e suspirou. Ele teria que fazer alguma coisa.
— Anë. — disse. A princesa balançou a cabeça, confusa e irritada. — É assim que seu irmão te chama. — Bard ergueu uma mão e tentou se aproximar, mas ela rosnou e ele se afastou. — Por favor, pare!
Eáránë se afastou e seus olhos azuis turvuaram como se uma grande nuvem de tempestade passasse por eles. Ela respirou fundo e fechou os olhos.
Bard conseguiu sorrir ao vê-la se afastar e dar um grito abafado.
— O que eu fiz? — Ela pôs as mãos na boca e deixou algumas lágrimas caírem.
Porém, antes que Bard pudesse se sentir aliviado e tranquilo, as nuvens sobre as cabeças deles trovejaram e relampejaram, e um raio cortou o céu como um grito de raiva. Eles se encolheram e olharam para a neve que voltara a cair. Então, o chão aos pés deles estremeceu, a montanha inteira rugiu, e uma fenda se abriu sob eles.
Bard caiu e não viu para qual direção Eáránë havia ido.
O príncipe abriu os olhos e suspirou, temendo que algo de pior pudesse ter acontecido a princesa. Ele sentiu o ferimento arder e doer, mas manteve-se parado pensando nas lembranças. Ainda sangrava e ainda estava fraco, e a mochila não havia caído com ele – embora ele ainda ter a esperança de encontrá-la ali –, e toda aquela escuridão palpável só fazia Bard se sentir ainda mais desamparado. Ele morreria ali, no fundo de uma montanha, na fenda mais profunda das Montanhas Cinzentas, e ninguém o jamais encontraria. Estava sangrando e fraco, sem alimento, mas com água em abundância para se lavar e beber, e dar ao corpo o mínimo de dignidade até falecer. Todavia, não gostava de pensar em sua morte, mas era inevitável. Uma sombra mais densa do que aquelas que estavam em sua volta pairava em seu coração, e fazia ele ter calafrios.
Bard espirrou e se encolheu. Estava congelante naquela caverna com água corrente, e grande lago em algum lugar, e o chão era tão gelado que a própria rocha estava começando a congelar. E ele sentiu-se mais fraco ao sentir que um resfriado tomaria conta de seu corpo. Aquilo o deixaria ainda pior.
Então, ele chorou mais uma vez.
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O meio-elfo estrangulou o peixe com as mãos mais uma vez e o animal parou de se debater, e então, faminto e lambendo a boca, Bard mordeu a pele e as escamas do pequeno e estranho ser aquático, e mastigou a carne macia e deliciosamente quente – era a única coisa quente naquele local hostil. O príncipe limpou o máximo do sangue que escorria pela boca com o braço, e estalou os lábios. Aquele ser de duas cabeças e couraça de escamas extremamente duras era tão apetitoso que fazia ele soltar suspiros de alegria por ter conseguido pescar mais uma vez. Porém, os peixes estavam começando a ficar escassos e o pânico se apossava dele mais uma vez.
Quando terminou sua estranha refeição, Bard jogou as espinhas e as duas cabeças em algum canto por ali e sentou para chorar. Sentia nojo de si próprio por não conseguir sair dali, apesar das inumeras tentativas. Ele não sabia quanto tempo havia se passado desde que chegara ali, e não se importava muito. Ele estava vivendo. Ele era um príncipe, mas pouco o diferenciava do lendário Gollum. Temia estar parecido com ele na aparência, mas sempre que se tateava, sentia seus cabelos longos e finos, e seu rosto naturalmente saudável. Seus olhos permaneciam normais e seus lábios poucos mudaram do natural para o roxo – era sempre muito frio ali.
Bard se encolheu entre duas pedras altas, e sentiu uma fenda aberta atrás dele, e de lá soprava uma brisa tão imperceptivelmente fraca que ele poderia jurar se tratar de um bafo de dragão. O vento era agradavelmente quente e úmido, e as vezes um aroma fraco de rosas e vinhas adentravam pouco a pouco a caverna. E o medo que tinha de prosseguir e não encontrar nada, e não conseguir voltar para a pequena caverna onde havia água e estranhos alimentos, o transtornava, e ele continuava ali parado. Cavalgando em lembranças.
— Você tem cinco minutos! — Nëssa estipulou e ele se jogou no lago.
O príncipe nadou dando a volta em torno das jangadas e voltou-se para cima em busca de ar, e voltou a bater os braços. Quando finalmente deu a volta completa na baía, ele voltou até ela e arfou, cansado.
— E então? Como fui?
— Melhor impossível! — Nëssa respondeu, mas seu semblante calmo e sereno não sorria.
— Devia sorrir mais, seler. — Ele se sentou na beirada do lago e sugou o ar, deixando a água quente escorrer por seus braços fortes. — Homens não gostam de mulheres com mal-humor.
— Ha-ha! — debochou a princesa — Muito engraçadinho você!
Ele riu. — Obrigado, senhorita Adrien. — zombou.
Aquilo lhe custou um beliscão. Ele gargalhou.
Aquilo fez Bard lembrar da irmã e questionar-se em como ela estaria? Onde estaria?
Todo aquele tempo imerso no próprio sofrimento e na própria dor, submerso na escuridão palpável da montanha, ele decidiu que não desistiria. E que não ficaria mais nenhum momento ali. Pegou um pouco de água com as mãos e molhou o rosto, e bebeu. Respirou fundo, erguendo-se e encarando o sombrio local, e molhou a boca.
Então, tateou as pedras em busca da brisa, e quando um vento congelante veio da fenda, ele se esgueirou entre as rochas e entrou. Bard foi se espremendo e apurou todos os seus sentidos em relação a brisa – a única coisa que ele tinha com o mundo exterior.
Ele passou por salões gigantescos, paredões de pedras cujos as subidas levavam muitos minutos, estreitos corredores, fendas e caminhos tão apertados que as vezes ele queria desistir. Porém, ao fechar os olhos para descansar, Nëssa vinha a sua lembrança e o recarregava com uma energia extraordinária, e ele voltava a andar.
Foi após muito tempo de caminhada, escalada e rastejo, que ele encontrou um corredor e, pela primeira vez depois de muito tempo, ele viu a luz do dia.
Bard avançou, cambaleante e tropego, em direção a abertura oval na rocha, fraco e desamparado. Rosas e jasmins cresciam aos montes em torno da entrada, e uma areia quente e branca cintilava no chão da caverna. Ele riu e sorriu, e sentiu seu coração tão quente quanto o sol que raiava do lado de fora. O odor da rocha aquecida, da campina e da floresta banhava o ar em sua volta, e ele ouviu o piar dos pássaros, e o cricar dos grilos. O príncipe saiu para fora e caiu de joelhos na grama fresca e orvalhada daquele lugar, e chorou, finalmente, por felicidade.
O sol banhou sua pele com suavidade, e Bard encarou os próprios braços que estavam feridos – queimados pelo frio que sua pele foi submetida. Ele lambeu a boca e sentiu-a ensanguentada e rachada, e tremeu. Seu corpo inteiro voltou a doer com todas as coisas que ele passou dentro da montanha. Então, jogou-se para frente e deitou-se na grama, suspirando exausto, mas sorrindo.
— Príncipe? — uma voz feminina se aproximou dele com cautela.
Bard mal mexia a cabeça quando a figura se aproximou, e ele sentiu-se tão absurdamente atraído por sua beleza que seu corpo pulsou, feliz em ter encontrado alguém – de ter sido encontrado, para se mais específico.
Os olhos azuis da garota o encararam, preocupados e generosos, e seus grossos lábios vermelhos se prenderam um no outro. Seus cabelos escuros estavam presos em uma trança. A jovem tocou a testa dele e balançou as mãos.
— Pelos grandes senhores dos dunedain! — exclamou, assustada. — O que houve com você, vossa alteza? Está queimando de febre.
— Brinquei de pique-esconde em uma montanha. — Respondeu ele, forçando um sorriso.
A garota não conseguiu evitar uma gargalhada. — Típico de grandes guerreiros. — Ela revirou os olhos.
— Acho que nunca mais vou querer repetir.
Ela mexeu os lábios. — Certamente. — disse e olhou em volta. — Vem. Vou tirá-lo daqui!
A jovem o ergueu e o colocou apoiado nela. Bard balançou a cabeleira ruiva e olhou para sua heroína.
— O rei Aragorn sabe que a primogênita dele anda caçando muito longe das terras dele? — Questionou-a, fazendo a princesa gargalhar. — Que coisa feia, Ayla.
— Papai diz que princesas não podem se envolver em brigas feias — disse ela —, mas mamãe não polpou esforços ao ajudar Frodo, no passado. Não posso fazer nada se puxei o lado élfico da família. — ela deu de ombros.
Ambos riram.
Bard se concentrou em recuperar e saber de tudo, e então, resolveu comunicar o rei Thranduil do ocorrido a... trese meses atrás.
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Notas finais:
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