48• O Outro Lado

De todas as piores coisas que já aconteceram comigo, nenhuma delas podia ser comparada a ver a Kyra com o Heeseung. Nem mesmo quando ele me ameaçou, me espancou e me fez mudar de cidade eu me senti tão miserável quanto estou me sentindo agora. Depois de ver a garota que eu amo com a pessoa mais horrível que eu já conheci, senti como se o maior prédio do mundo tivesse desabado em cima de mim, e por mais que eu me esforçasse, não conseguia sair debaixo daqueles escombros.

Por que ela fez isso comigo?

Essa pergunta me atormentava dia após dia, sem me deixar pensar em mais nada. Nós estávamos bem, e eu até pensei que ela poderia estar começando a gostar de mim... por que ela está com ele? Justo com ele?

Eu chorei escondido por dias e só aguentei me levantar para ir à escola porque, mesmo sabendo que não é comigo que ela está, eu ainda queria vê-la e saber se estava bem.

Isso é uma droga.

No quarto gamer, eu jogava online o jogo mais violento de tiros que tinha instalado. Sabia que não era o certo a se fazer, mas a cada personagem que eu dilacerava com tiros, imaginava Heeseung no lugar, como se isso fosse aliviar a minha raiva.

Meu personagem estava agachado atrás de um contêiner esperando para matar o próximo inimigo; quando ele surgiu em minha vista, eu ataquei, atirando repetidas vezes. Senti ódio. Eu tinha uma arma melhor que a dele, colete à prova de balas e suprimentos muito melhores, mas, mesmo assim, quando faltava apenas um resquício de sua vida e eu estava prestes a derrotá-lo e vencer a partida, ele acertou um tiro em cheio em minha cabeça, me matando de uma única vez.

Por que isso se parece tanto com a minha vida real? Eu estava tão perto de vencer...

Bati os punhos com força em cima da mesa, soltando um grito abafado enquanto sentia minhas lágrimas caírem pesadas. Em minha mente, o momento que Kyra descobriu que eu era o Spy invadiu meus pensamentos; estar nesse quarto agora só me traz essas memórias. Naquele dia, ela não me julgou ou perguntou porque eu escondi a verdade, muito pelo contrário. Ela apenas entrou aqui e se animou, explorando cada pedacinho do quarto com a expressão mais linda e entusiasmada do mundo. Saber que isso não iria mais acontecer me fez sentir que estava quebrando em vários pedaços por dentro.

Sequei as lágrimas depressa quando ouvi batidas na porta. Logo em seguida, Jisung entrou, dizendo que precisava falar comigo. Concordei, tentando esconder meu rosto com o capuz do moletom para que ele não reparasse que eu havia chorado. Pela forma com que ele me encarou, eu sabia que ele havia percebido que meus olhos estavam vermelhos, mas não comentou nada sobre; eu me senti grato por isso.

- Foi mal aparecer sem avisar - falou, já se sentando no sofá no canto do quarto -, mas é que tem uma coisa que você precisa saber logo.

Fechei a aba do jogo e desliguei o monitor, indo me sentar na mesa de centro em sua frente. Meus passos foram lentos e arrastados, não tinha ânimo nenhum.

- O que é?

A julgar pela expressão de Jisung, minha pergunta soou muito mais indiferente do que ele esperava, mas, a essa altura, não havia muita coisa que pudesse fazer alguma diferença na minha vida. Não agora que a coisa mais importante que eu tinha havia ido embora.

- Primeiro prometa que você não vai fazer nenhuma loucura quando souber - franzi as sobrancelhas sem entender, mas concordei, não tinha mesmo vontade de fazer nada. - Então, Minho...

Ele hesitou tanto e seu rosto parecia tão apreensivo que comecei a me preocupar com o que quer que estivesse acontecendo. Dei um tapa de leve em seu braço, tentando acordá-lo do transe.

- Jisung, desembucha! O que você veio me falar?

- Você tem que contar pros seus pais que é o Spy - meu amigo disse em tom autoritário. Me surpreendi com a ordem repentina, Jisung nunca tinha me falado para fazer isso antes.

- Sabe que não posso fazer isso. Meu pai vai me mandar de volta pra Busan e...

- Minho, ele tá chantageando a Kyra!

Instantaneamente, meus olhos se arregalaram tanto que estavam prestes a pular do meu rosto. Aquilo não podia ser verdade.

- Ele o que?! - eu estava em negação, precisava ouvir novamente para acreditar no que havia acabado de escutar.

- O Heeseung tá usando o seu segredo pra chantagear a Kyra.

Levantei rápido, xingando enquanto caminhava de um lado para o outro do quarto, tentando não explodir ali mesmo.

- Jisung, eu vou acabar com ele!

- Minho! Escuta! Olha pra mim! - meu amigo se levantou, segurando meus braços e me chacoalhando forte - O que você precisa fazer é contar a verdade pro seu pai. É melhor que ele saiba por você do que por aquele babaca, vai por mim. Só assim você vai conseguir se livrar disso tudo e proteger a Kyra. Você quer proteger ela, não quer?

A fala de Jisung me atingiu em cheio como um choque de realidade. Tudo que eu mais queria era protegê-la agora que sabia que ela estava nas mãos daquele chantagista imbecil, eu não me importava mais com o que quer que fosse acontecer comigo dali em diante. Se meu pai me obrigar a voltar para Busan ou parar de fazer lives, eu não ligo; se ele quiser me castigar eternamente, que se dane. Eu vou proteger a Kyra, custe o que custar.

Quando eu ia responder Jisung, dizendo que ele tinha razão e que eu ia logo contar tudo ao meu pai, meu celular vibrou no bolso da frente. Peguei o aparelho, vendo a mensagem do número desconhecido na minha tela.

"Sinto a sua falta"

Meu coração disparou dentro do peito. Paralisei por um momento, escutando Jisung me perguntar o que tinha acontecido.

- Ela me mandou uma mensagem - expliquei, me soltando dele. Virei de costas, clicando no botão de ligação sem pensar duas vezes.

Fechei os olhos e respirei fundo. Chamando.

- Kyra? É você? - eu podia sentir que era ela, seu suspiro pesado em resposta só me fez ter certeza - Eu sei que é você, Ky, e sei que tá me escutando - por algum motivo, não consegui evitar o sorriso fraco que surgiu em meus lábios por saber que era ela -, eu também sinto a sua falta... sinto sua falta o tempo todo.

Percebi Jisung chegando perto de mim e parando ao meu lado, em silêncio. Ele deu tapinhas em meu ombro para me consolar, mas eu não consegui nem agradecer, estava ocupado demais me esforçando para ouvir qualquer ruído ou palavra que viesse de Kyra no celular, entretanto, o que escutei não foi nada animador.

A voz masculina que ouvi ao longe foi como me levar de volta para o pesadelo que vivi antes de vir pra cá. Meu corpo inteiro se arrepiou, mas meu único medo agora era o que ele podia fazer com ela.

Escutei o baque do celular caindo no chão do outro lado da linha; ainda tentei chamá-la, mas sua resposta nunca veio. Desliguei rapidamente e enfiei o aparelho no bolso do moletom, o aperto em meu peito era tão grande que cheguei a me esquecer como se respirava.

- O que aconteceu?! - Jisung me olhou preocupado, eu não consegui falar nada - Minho! O que tá acontecendo?

- Heeseung foi atrás da Kyra, eu preciso ir! - saí sem pensar, correndo pela casa escadas abaixo. Os passos atrás de mim eram tão rápidos quanto os meus.

- Ya, Minho! Eu vou com você! - quase parei para recusar, se não fosse pela frase seguinte de Jisung: - Eu sei onde eles estão!

No caminho, eu rezava para que nada de ruim acontecesse com a Kyra. Eu nunca nem fui a uma igreja ou templo, mas, se alguém no plano espiritual podia me ouvir, era uma boa hora para isso.

Andar de táxi nunca foi tão devagar, ter vindo correndo me faria chegar mais rápido. Percebi Jisung me olhando de lado enquanto eu batia os pés freneticamente no assoalho do carro; assim como meus pés, meu coração estava quase pulando para fora do meu corpo de tão rápido que batia.

O trânsito na avenida mais próxima da casa da Kyra foi o mais longe que consegui aguentar ali dentro. Paguei o taxista e desci depressa, sendo seguido por Jisung. Nós desviamos dos outros carros parados e passamos pela travessa que nos levava à casa da garota. Eu nunca havia corrido tão rápido e meus pulmões estavam prestes a explodir dentro de mim, mas, quando a vi de longe na rua, se esforçando para evitar que Heeseung a tocasse, eu corri ainda mais rápido.

Já perto o suficiente para ver o que estava acontecendo, meu sangue ferveu ainda mais. Ele estava tentando beijá-la à força. Nesse momento, um ódio tão grande entrou em meu corpo que eu sentia como se não conseguisse mais controlar. Minha vontade era acabar com ele e quebrar cada osso de seu corpo da forma mais cruel e dolorosa possível.

- Tira essa mão nojenta de cima dela! - esbravejei. Heeseung se assustou com a minha chegada, se afastando da garota para me encarar.

- Minho?! - ouvi-la chamar o meu nome depois de tanto tempo me fez arrepiar, mas esse sentimento durou menos de meio segundo, quando ouvi seu grito: - Cuidado! Ele vai-

Me esquivei do golpe que Heeseung tentou me dar pelas costas e, sem pensar duas vezes, soquei sua boca com toda força que tinha. Depois de cambalear para trás com o impacto, Heeseung caiu em cima da calçada, grunhindo de dor; sua boca sangrava no canto.

Se fosse a um tempo atrás, apenas bater nele e vê-lo cair assim teria me satisfeito, mas, agora, o mais importante para mim não era isso.

Me virei de volta, vendo a garota que amo parada em minha frente com uma expressão assustada no rosto. Meu coração estava me implorando para ir até ela e não deixá-la escapar dos meus braços nunca mais. E foi o que eu fiz. A abracei, e ali era como se eu estivesse segurando a coisa mais preciosa do mundo.

Percebi em minha visão periférica que Heeseung estava se levantando, ele cuspiu no chão e me xingou enquanto vinha depressa pra cima de nós dois. Nesse momento, Jisung, que havia chegado alguns instantes depois de mim e que observava a cena a alguns metros de distância, impediu Heeseung por alguns segundos, o segurando, mas aquilo não durou muito tempo. Ele se esquivou do meu amigo e veio em minha direção com mais raiva ainda.

Sussurrei para Kyra se afastar, mas o máximo que consegui foi que ela ficasse logo atrás de mim, a apenas alguns passos, como se esperasse o momento que eu fosse precisar de ajuda.

Eu mal tive tempo de me preparar quando Heeseung veio com ódio no olhar para cima de mim. Senti o impacto do primeiro soco e escutei o grito assustado de Kyra; tentei me concentrar em me defender, não queria ser espancado até parar no hospital novamente. Os próximos golpes vieram ainda mais rapidamente e, quando eu pensei que estava realmente ferrado, escutei uma voz gritando para que Heeseung parasse.

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