46• Alguém Para Contar
Depois da escola, eu corri de volta para casa e enfiei meu rosto no travesseiro. Lembrar do que aconteceu na escola me faz tremer de ódio, e olhar para o meu celular e me deparar todas as vezes com a foto de Heeseung no papel de parede só deixava tudo ainda pior.
Eu surtei quando vi surgir na minha tela o número desconhecido que, agora, eu já conhecia muito bem e sabia perfeitamente de quem se tratava. Senti minhas lágrimas caírem pesadas em cima do colchão e, dessa vez, eu sabia que estava chorando de raiva, porque era quase insuportável a maneira como eu me sentia impotente diante daquela situação. O barulho infernal da ligação não parava, mesmo que eu me recusasse a atender, ele insistia ligando sem parar.
Senti meu ódio crescendo e meu corpo esquentou como se eu estivesse presa no inferno. Ainda chorando, eu ergui meu tronco do colchão e, com um grito desesperado, joguei o aparelho com toda força contra a parede, vendo-o se despedaçar em várias partes.
Era por volta das cinco da tarde quando minha mãe chegou do trabalho. Eu não tinha pique para nada, tudo que eu queria era me esconder dentro do quarto e ficar lá para sempre. Entretanto, para não demonstrar isso, agi normalmente ao vê-la, aproveitando ainda mais o seu abraço do que fazia de costume todos os dias quando ela chegava. Fiquei a observando começar a preparar o jantar, e, alguns minutos depois, o barulho da fechadura eletrônica da porta fez eu me animar um pouco. Meu pai também havia chegado do trabalho, carregando Kyujin nos braços depois de tê-la pegado na creche.
Corri para encontrá-los na entrada, pegando a bebê no colo e recebendo um beijo de meu pai no topo da cabeça. O segui pela casa até chegarmos na cozinha; ele cumprimentou minha mãe e lavou as mãos na pia, pronto para ajudar no jantar, mas minha mãe o mandou tomar banho e se trocar para jantarmos juntos assim que estivesse tudo pronto. Ele obedeceu. Brinquei um pouco com minha irmã e ela logo adormeceu; passar o dia na creche a deixa bem cansada, o que é bom, porque ela costuma dormir a noite inteira agora, sem chorar uma única vez durante a madrugada.
Quando o jantar ficou pronto, meu pai se juntou a mim e começamos a pôr a mesa. Escutei o barulho da campainha e os passos de minha mãe para atender a porta, mas continuei minha tarefa sem dar muita importância para aquilo até que minha mãe voltou, acompanhada por Yohan e Jisung.
— Ky, seus amigos querem te ver — ergui as sobrancelhas surpresa por ver Han ali. Era a primeira vez dele na minha casa.
— Bom, então vocês jantam com a gente e depois conversam com calma — meu pai disse animado, pegando o copo que eu segurava e o colocando em cima da mesa. — Vou buscar mais pratos, fiquem à vontade!
Eu sequer estranhei a visita repentina, depois de tudo que aconteceu na escola hoje, obviamente Yohan viria, eu só não imaginava que ele traria o melhor amigo de Minho junto.
Nós comemos praticamente em silêncio. Quer dizer, eu fiquei quieta durante o jantar inteiro, mas os garotos conversaram - e riram - muito com meu pai.
— Pode deixar que eu lavo a louça depois, mãe — me levantei da mesa, encarando os garotos — Nós vamos conversar no meu quarto.
Os dois me seguiram escadas acima, Yohan caminhava confortavelmente, já que conhecia tudo ali, mas Jisung prestou atenção em cada detalhe ao redor, até chegarmos em meu quarto. Entramos no cômodo e, só então, me dei conta que os cacos do meu celular ainda estavam espalhados pelo chão.
— Ãn... acho que isso explica porque você não recebeu nossas mensagens — Han coçou a cabeça, olhando para os pedaços jogados.
Yohan me encarou surpreso, certamente porque sabia que eu nunca faria uma coisa desse tipo se não houvesse algo de muito errado acontecendo. Eu apenas ignorei e arrastei dois puffs para que eles se sentassem e me acomodei na cadeira giratória de minha escrivaninha.
— Ky, a gente precisa conversar — já estava pronta para interrompê-lo quando o Kim continuou: — e não adianta tentar fugir disso, eu sei onde você mora.
Eu ri soprado da fala idiota dele, mas logo voltei a ficar séria, já sabia o que me esperava adiante naquela conversa.
— Não precisa explicar nada, a gente já sabe o que tá acontecendo — meu coração palpitou com a frase de Jisung. O que eles já sabiam?
— Aquela boca enorme de esgoto do Heeseung serviu pra algo dessa vez — meu amigo complementou a resposta do outro —, a gente ouviu no treino ele falando pro Yeonjun que tá te chantageando.
— Nã- tentei negar, mas logo fui interrompida.
— Eu conheço o Heeseung, Kyra. E conheço o Minho desde que éramos crianças — Jisung falou, eu abaixei a cabeça sem perceber. — Sei de tudo que aconteceu e, provavelmente, sei o que ele tá usando contra você.
Ergui a cabeça novamente e nós apenas nos comunicamos por olhares. Na primeira vez que fui à mansão dos Lee, Jisung citou o quarto gamer de Minho na nossa frente e levou uma bronca por isso. Levando em consideração que os dois são melhores amigos e pela expressão de Han para mim, ele com certeza também sabia que Minho é o Spy.
Yohan olhou para mim e, em seguida, para Jisung.
— Ok, eu não vou pedir pra me contarem o segredo do Lee! Mas quero ajudar mesmo assim.
— A gente precisa de um plano.
Nós passamos os minutos seguintes planejando como poderíamos resolver aquela situação, mas era muito difícil, ainda mais quando a gente sabia que Heeseung não sairia do Songdong tão facilmente. Além da riqueza e prestígio de sua família, agora ele também era melhor amigo do filho do diretor do colégio, e isso com certeza o protegeria de qualquer coisa.
— Eu devia chutar a cara dele daqui até Busan! — Yohan esbravejou, impaciente por não conseguirmos pensar em nada.
— Aí você estaria banido do Taekwondo e das Olimpíadas — sabia que ele não seria capaz de usar seu esporte dessa forma, mas era bom lembrá-lo mesmo assim.
— Kyra, eu tava pensando — Jisung se levantou, vindo até mim e se agachando ao lado de minha cadeira para sussurrar —, o mais importante é o Sr. Lee não levar o Minho embora quando descobrir sobre o Spy.
Yohan pigarreou de seu lugar, apontando para a porta.
— Eu posso sair e voltar depois, se quiserem.
— Tudo bem, Yohanie — ponderei, depois de verificar a expressão de Jisung, que concordou comigo —, a gente sabe que você tá do nosso lado.
— Então, como eu tava dizendo — dessa vez, Han falou alto, para meu amigo ouvir também —, o importante mesmo é dar um jeito de manter Minho aqui, o resto o Sr. Lee vai acabar entendendo, com o tempo.
O que ele estava dizendo fazia sentido. Mesmo que o pai de Minho ficasse bravo pela mentira e o proibisse de fazer lives como Spy, uma hora ele poderia entender o lado do filho. O pior seria se o homem cumprisse o que disse a Minho antes de virem para Seul: que se ele fizesse lives na internet novamente, o levaria de volta para Busan imediatamente.
— Você tem razão...
— E se seu pai conversasse com o Sr. Lee? Eles são muito amigos, não são?
Realmente, meu pai me devia alguns favores já que, conforme ele me pediu, eu ajudei Minho desde que ele chegou ao Songdong e ainda dei aulas particulares a ele. Agora era a vez dele me ajudar.
Eu concordei com Han, dizendo que falaria com meu pai sobre isso o mais rápido possível. Nesse momento, Yohan finalmente se manifestou na conversa.
— Gente, mas tipo... não seria melhor se o Minho contasse esse tal segredo pro pai dele antes do Heeseung espalhar por aí? — suspirei. Essa era uma decisão que o próprio Minho tinha que tomar — Tudo que eu sei é que não vou aguentar ver aquele babaca perto da Kyra mais nenhum minuto.
— Sim... é melhor que o Sr. Lee saiba pelo Minho, mas acho que posso cuidar disso — Jisung se levantou, esticando os braços na frente do corpo. — Na hora que ele souber que precisa fazer isso pra ter a Kyra de volta, ele não vai pensar duas vezes.
Quase engasguei com minha própria saliva ao ouvir aquilo. Yohan pegou a garrafa em minha mesa de cabeceira e me entregou, rindo da situação.
— Eu vou cuidar do Heeseung, então — meu melhor amigo disse, depois de me dar a água —, vou ficar de olho nele e no Yeonjun, eles podem estar planejando algo ruim juntos.
Talvez fosse o momento difícil que estava passando, mas senti meus olhos se encherem de lágrimas, dessa vez, de felicidade. Ter pessoas que se importam comigo a esse ponto me faz sentir que sou realmente muito sortuda. Respirei fundo e sorri, sem deixar mais nenhuma lágrima cair.
— Bom, então eu vou cuidar de convencer o meu pai a falar com o Sr. Lee.
— Vai dar tudo certo — Yohan veio até perto de mim, estendendo sua mão em minha direção. Eu ainda tinha medo desse plano não dar certo.
— O Yohan tá certo — Jisung se juntou a ele, colocando sua mão por cima —, logo isso tudo vai terminar e Minho não vai precisar ir embora. Você vai ver.
Assenti com a cabeça, sorrindo fechado enquanto colocava minha mão sobre a deles, como um time. Nós podemos vencer o Heeseung.
— Obrigada, gente. Vamos fazer isso dar certo!
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top